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Plano Polêmico #24 | Save Player One

por Gabriel Carvalho
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Um homem – ou uma mulher – vagueia solitário por terras esquecidas pelo tempo. Sua jornada é meticulosamente preparada para causar o senso de redescoberta de um mundo tentando se renovar da destruição. O átomo reinventou a paisagem. O personagem chega a uma aldeia, encontra um morador e conversa com ele. Detalhes de uma vida são trazidos à tona, e um objetivo é passado para o homem, decidindo ele por segui-lo ou não. Ser altruísta ou focar nas suas próprias problemáticas? A saga Fallout, basicamente, era sobre isso: um universo rico à espera de um nômade. Era, porque, com o anúncio da nova incursão da Bethesda acerca desse mundo distópico, Fallout 76 promete redefinir a trajetória do seu protagonista, que passará a encontrar, em cada esquina, um outro jogador e mais outro jogador. A tendência da indústria é incorporada para dentro de uma das produtoras e distribuidoras mais focadas em conteúdos destinados ao single player, ao player one, o dono do controle, sem conexão alguma com a internet. Fallout 76 é anunciado, na E3 de 2018, como um jogo totalmente online.

Save Player One

Preparem-se, pois, o mais incômodo de tudo isso é que, ano passado, a própria Bethesda lançou uma campanha, durante o The Game Awards, com o intuito de “salvar” os jogos single-player, garantindo que a produtora não iria parar de lançar conteúdo nesse formato. Em nenhum momento, contudo, a subsidiária da ZeniMax Media disse que não iria produzir – ou distribuir – games online, o que não define a decisão tomada como hipócrita. Todavia, a questão é justamente tal virada no status de uma franquia já consolidada. Por exemplo, caso The Elder Scrolls VI fosse anunciado como um jogo inteiramente online. A maior diferença entre uma franquia e outra é que Elder Scrolls não recebe uma sequência desde Skyrim, de 2011, ganhando um spin-off multiplayer no meio de tudo isso. Um spin-off, não uma continuação. A Bethesda Game Studios, tendo uma baixa frequência de lançamentos, provavelmente irá demorar alguns anos a mais para lançar um possível Fallout 5, embora isso não seja uma certeza. Afinal, Fallout 76 tem toda a cara de seguir a ordem oficial de lançamentos, não com um spin-off ou “um Fallout diferente“, mas como a franquia vai ser daqui em diante. A pergunta é: como vai ser?

Fallout daqui em diante

A começar pelo passado, Fallout Online foi um projeto, paralelo ao do aclamadíssimo Fallout 4, que nunca saiu do papel, mas que esteve rendendo leves rumores para a imprensa por bastante tempo. Quando temos, porém, o subtítulo online atrelado a marca, a diferenças são substanciais entre este jogo, que nunca deu aos caras, e o anunciado Fallout 76. Em um possível Fallout Online, o jogo não seria o próximo Fallout, mas a versão online de Fallout. Quando a característica do game torna-se algo intrínseco a marca, tal nomeação não é necessária. Por exemplo, GTA Online. No caso que vivenciamos nesse exato momento, Fallout torna-se online, algo que certamente pode ser revertido futuramente, diante de pressão externa e desejo do público, mas que, hoje, revela as atitudes da Bethesda como distribuidora, muito além de suas qualidades de produtora. Fallout está mudando, seja para o bem, seja para o mal.

Seguindo a análise sobre a perspectiva da campanha em si, ao compararmos Fallout com outros exemplos de jogos online, cria-se um embate. Todd Howard, diretor de criação do game, afirmou que, apesar do jogo ser inteiramente online, é possível jogar solo, em, provavelmente, servidores privados. Porém, apesar dessa afirmativa funcionar como uma espécie de auto-indulgência, a experiência certamente destoa completamente nesse jogo solo. Você é obrigado a jogar assim, mas você também pode ser obrigado a jogar o jogo pela sua terça parte. Isso se dá pois, Todd, ao comentar sobre a importância dos demais jogadores dentro da West Virginia desse novo Fallout, concluiu que não teremos NPCs na história. Por um lado, Borderlands, franquia com possíveis similaridades dentro desse novo escopo, possui NPCs e riqueza de universo, apesar de lidar com jogos compartilhados, cooperativos. Todd parece querer tirar essa riqueza e expandir o número de jogadores, sem que esses sejam necessariamente cooperativos. Apesar de ainda ser difícil afirmar o que realmente esperar dessa jogada, pois ela, apesar de seguir a maré, ainda tem seus diferenciais, pode-se pensar que muito da vastidão de universo se perde ao passo que os personagens controlados por computador, que passam missões ou contam parte de suas histórias, serão substituídos por usuários, em suma, “vazios”, com personalidades resumindo a ser do bem ou ser um idiota, além de um nome artificial e, muitas vezes, obsceno. Quem irá atirar primeiro? Nisso, os realizadores prometem saber como lidar com os bullies do mundos dos videogames, mas tal problemática é para o futuro. O hoje já tem um encaminhamento.

Os jogos como eles são, como serão e como eles eram

Em uma última instância, não é muito difícil pensarmos que os jogos online rendem muito mais para a indústria dos videogames que os jogos offline. As grandes ligas de games, como as associadas a League of Legends, movimentam mais dinheiro que muitas produções milionárias de Hollywood. O fenômeno que foi Minecraft surgiu, apesar dos valores da experiência single-player, mais pelo suporte aos servers, novas jogabilidades possibilitadas por plugins e mods imaginativos do que pela reinvenção da jornada solitária do jogador por aquelas terras desertas, o primeiro contato de muitos jovens com o jogo. Além disso, ao falarmos em jogatina online, especialmente nos casos dos consoles, como o Playstation 4 e o Xbox One, estamos falando de um custo adicional, visto que o serviço online é cobrado por fora. No caso do PC, a história é completamente diferente. Ademais, as campanhas single-players também têm seu prazo de validade, apesar da riqueza contida em várias delas. O jogo multiplayer acaba viciando mais, dado o caráter repetitivo e de ilusão da evolução, levando os seus usuários a gastar dinheiro de forma secundária, usando-o para obter vantagens ou até mesmo roupas sem valor de jogabilidade, mas de estética. Por isso, muitos jogos, anteriormente Offline Only, buscaram trazer um modo Online. Enquanto em alguns casos, o resultado foi positivo, em outros, foi negativo.

Apesar das contradições, ainda é de ser aplaudida a agenda de lançamentos da empresa, que anunciou um projeto inédito, o jogo Starfield, ainda envolto de bastante mistério.  Além disso, de fato, pode-se pensar na destruição como uma reconstrução do que antes víamos como o que realmente queríamos. Mas, em uma indústria que está padronizando bastante o formato de seus jogos, a geração dos battle royales, é necessário repensarmos o quanto pode ser diminuído da experiência contida em um videogame, de uma partida efêmera para um entretenimento extremamente imersivo e, em existência desta possibilidade, marcante na vida de alguém. Se antes poderíamos ser protagonistas de histórias que nunca viveríamos no mundo real, hoje caminhamos para uma linha onde o sentimento de conquista dura enquanto o nome de jogador estiver listado como o melhor player da partida. Ambas as experiências são válidas. O entretenimento, nesses casos, anda por vertentes bastante amplas, metamorfoseando a partir do anseio daquele que joga, às vezes específico, às vezes múltiplo, nem sequer precisando de uma narrativa para os guiar. Mas para quem virá o Game Over no final de toda essa seleção, muito mais artificial que natural? Haverá alguém para salvar um formato de se viver o videogame que está sendo, forçadamente, transformado em algo datado?

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