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Plano Polêmico #29 | Filmes de Exorcismo Ainda Funcionam?

por Leonardo Campos
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Antes do lançamento do conceituado O Exorcista, em 1973, dirigido com eficiência por William Friedkin, já havia uma série de produções sobre possessão demoníaca e presenças ocultas na indústria cinematográfica, no entanto, nada foi tão fenomenal nesta seara em comparação ao lançamento deste clássico do terror. Equipe técnica de primeira linha, linguagem do cinema em evolução constante, elenco de ótimos desempenhos dramáticos, roteiro inspirado no romance bem escrito por William Peter Blatty, campanha publicitária meticulosamente planejada e um contexto histórico turbulento, ambiente ideal para a veiculação de narrativas deste tipo, numa esquematizada ebulição da crítica e da opinião pública.

O Exorcista, então, fez pelos filmes de exorcismo o que Tubarão, de Spielberg, fez pelos filmes de tubarões como máquinas assassinas. Antes do filme de Spielberg, a indústria já havia capitalizado em torno de monstros marinhos. Da mesma maneira, antes da possessão da garota interpretada por Linda Blair, Madre Joana dos Anjos e Os Demônios, por exemplo, já tinham tratado de maneira dramática, cruel e densa, a polêmica do ritual de exorcismo, salvos, obviamente, os seus devidos contextos narrativos internos, diferentes da trama de Friedkin, mas todos unificados por uma mesma abordagem: a expulsão de forças malignas que insistem em destruir a vida das pessoas supostamente possuídas.

Em 2017, William Friedkin lançou O Diabo e o Padre Amorth, documentário sobre a captação de um ritual de exorcismo real, na Itália, tendo como abertura da narrativa um breve passeio pelas locações e principais pontos das filmagens em 1973. Sem debater questões que escapam do escopo do documentário, isto é, se a possessão é um fenômeno religioso ou científico, o cineasta nos faz questionar o extenso legado de O Exorcista e a criação de um subgênero demarcado por características basilares quase sempre repetidas: fenômenos incomuns abalam uma existência cotidiana, problemas maiores deixam a todos em estado de alerta, os personagens buscam alternativas médicas, para logo depois, recorrer ao ritual religioso, tendo em vista o ato final de confrontação com o demônio, numa busca geral por libertação/ expulsão da entidade perseguidora.

O ritual de exorcismo como narrativa: o maligno na cultura da mídia

Desde o impacto de O Exorcista, o tema é polêmico e adornado por uma aura de exotismo e mistério. Vários filmes, inclusive narrativas de outros gêneros, investiram em cenas com rituais de exorcismo. A lista é extensa e obviamente não será contemplada aqui, mas resolvi destacar duas produções, uma cinematográfica e a outra televisiva: Da Magia à Sedução, de 1998, dirigido por Griffin Dunne, tendo como guia o roteiro de Adam Brooks, Akiva Goldsman e Robin Swicord e Body of Proof, criada por Christopher Murphey, série de três temporadas, veiculada pela ABC entre 2011 e 2013.

No filme, Sandra Bullock e Nicole Kidman interpretam duas irmãs, oriundas de uma linhagem de bruxas. Elas convivem com o preconceito e dificuldades comuns ao feminino na contemporaneidade, mas pagam o preço por conta de suas origens. Enquanto Bullock interpreta a irmã madura e mais recatada, Kidman faz a linha doidona, interessada sempre em curtir os prazeres mundanos. Numa determinada cena, bem mediana por sinal, elas precisam realizar um ritual de exorcismo, num trecho que envolve, de maneira leve e cômica, os mesmos elementos do gênero terror: animais peçonhentos, olhos revirados e ocultismo. Algo semelhante também pode ser visto em As Bruxas de Eastwick, comédia em que Jack Nicholson interpreta o próprio Diabo, responsável por tirar a paz dos personagens de Cher, Michelle Pfeiffer e Susan Sarandon.

Na terceira e última temporada de Body of Proof, o episódio Lost Souls, dirigido por David Von Ancken e escrito por Chris Murphey e Allen MacDonald, conseguiu estabelecer um clima sobrenatural na série que tem como ponto nevrálgico, os procedimentos metodológicos envolvendo autópsias e investigação para resolução de crimes. Tendo Patrick Cady na direção de fotografia e Kenneth Hardy no design de produção, o episódio consegue extrair o melhor da protagonista Megan Hunter (Megan Mulaly), envolvida na análise de um caso sobre uma garota morta num ritual de exorcismo.

Ao aprofundar na análise, a perita descobre que há possíveis questões sobrenaturais em seu caso, negadas por conta da sua postura cética, estremecida, no entanto, durante uma revelação feita aleatoriamente por um estranho, algo bem particular e desconhecido, parte das memórias que envolvem a sua infância. Eficiente ao mesclar gêneros diferentes e conseguir convencer na presença do sobrenatural no bojo de uma série que aborda questões essencialmente científicas, o exorcismo é apenas um “convidado especial” em Body of Proof, mas já foi tema central de outras séries, tais como The Exorcist, Outcast, dentre outros.

O ritual de exorcismo e a cultura do excesso

Alguns filmes conseguiram tratar muito bem o tema. O Exorcismo de Emily Rose e Invocação do Mal são dois exemplos dignos do clássico, ambos responsáveis por emular elementos de 1973, mas adotar características narrativas próprias, indo além da mera cópia, o que não podemos afirmar das produções que apresentaremos mais adiante, um manancial de filmes oportunistas e conduzido de “qualquer jeito”, produções que nos remetem ao título deste ensaio: os filmes de exorcismo ainda funcionam?

O ritual, como sabemos, tem um modo operacional básico. Eis as regras: um padre paramentado com estola roxa, mediante um sinal de respeitosa penitência, utiliza a água benta para aspersão, além de investir nos gestos manuais que indicam o sinal da cruz. Pronto. Basta aguardar a manifestação maligna. No geral, é assim que tudo começa, com a personagem possuída a investir na teatralização de sua condição, por meio de espasmos, dificuldade no pronunciamento da oração, olhos revirados, aversão aos objetos sagrados, olhos revirados, voz gutural, rigidez nos membros, frequente amnésia na reta final do processo, geralmente sem recordar o que lhe aconteceu.

Essa “cena”, tratada pelos realizadores por meio de estratégias visuais semelhantes ao que se convencionou a chamar de “espetáculo”, nos remete ao que as testemunhas de exorcismos contemplavam em séculos passados. Dentre as diversas reflexões abordadas em Os Anormais, o filósofo Foucault aponta que a possessão emerge de maneira plástica e visível no corpo das pessoas possuídas, pronunciando-se sob o signo da convulsão, num fenômeno que provocava, concomitantemente, fascínio e horror.

Os rituais buscam emular a tradição do Rituale Romanum, de Paulo V, publicado em 1614, material que descreve como deveria acontecer uma cerimônia de exorcismo: deprecações, ladainhas, salmos e esconjuros, bem como gestos e paramentos adequados para a prática do exorcismo. Este momento, inclusive, é o responsável pela cristalização da imagem do exorcista a empunhar o crucifixo e expulsar demônios, algo que em séculos depois, tornou-se uma abordagem obrigatória nos filmes que abordam as possessões demoníacas.

No desenvolvimento de A Possessão de Deborah Logan, lançado em 2014, uma pesquisadora encontra o tema para a sua tese de doutorado no mal de Alzheimer. Ela filma durante meses o cotidiano de Deborah Logan e sua filha, mas descobre que há coisas sobrenaturais que estão muito além da sua hipótese de pesquisa científica. Dirigido por Adam Robitel e escrito por Gavin Hifferman, a produção é “mais do mesmo”, tal como Exorcismo, de 1975, de Juan Bosh, cópia espanhola sem qualquer preocupação com a ideia de plágio, pois ao invés de se estabelecer publicamente como uma paródia, o filme tenta manter o posto de narrativa de terror séria, mas impossível não gargalhar com as cenas burlescas e com a tentativa de erotismo que soa demasiadamente vulgar.

Leigh Scott, em 2006, produziu O Exorcismo de Gail Bowers, lançado direto para o mercado de DVD e focado na mesma linha narrativa do caso que inspirou O Exorcista, descrito no romance Exorcismo, de Thomas B. Allen, inspiração para Exorcistas Carinhosos, filme brasileiro sobre dois padres excomungados, perseguidos por uma seita que adora Lúcifer. Escrito e dirigido por Vinicius J. Santos, a produção também resgata elementos de Evil Dead – A Morte do Demônio.

Em O Exorcismo de Anna Ecklund, lançado em 2016, o cineasta Andrew Jones, também responsável pelo roteiro, leva dois personagens para uma grande missão de fé, isto é, um exorcismo numa mulher, ritual que mudará para sempre a vida de todos os envolvidos, narrativa que dialoga com O Exorcismo de Molly Hartley, de Steven Monroe, realizador que tem como guia o roteiro de Matt Venne e nos apresenta a trajetória de uma garota que descobre ter sido envolvida numa seita diabólica desde a época do colegial. Confinada num hospital psiquiátrico, as chances de Molly Hartley estão num padre excomungado que precisa resgatar a fé para realizar o exorcismo, tendo em vida salvar a alma da pobre garota.

Na trajetória narrativa de O Misterioso Caso de Judith Winstead, de 2014, dirigido e escrito por Chris Sparling, o Dr. Henry West precisa lidar com uma paciente do Instituto Atticus, detentora de poderes incontroláveis e obscuros que refletem o passado da instituição, num caso tratado como evento de segurança nacional. Exorcismus – A Possessão, por sua vez, não é um grande caso midiático como o de Judith Winstead, pois nos revela a presença maligna no cotidiano de uma família comum, instalado depois que a “possuída da vez”, Emma Evans, flerta indevidamente com a “brincadeira do copo”, jogo perigoso parte de seu momento de distração, haja vista a vida opressiva que leva com os pais autoritários.

Olhos revirados, objetos disparados pelos quatro cantos cenográficos e outros clichês estruturam todas as narrativas descritas até então, filmes que parecem concebidos por um grupo de pessoas que pensa a arte de maneira uniformizada e dentro de padrões engessados. Exorcismo no Vaticano tenta seguir a linha de Filha do Mal, mas acaba sendo pior que a sua imitação, obra que por si só já é uma versão ineficaz do subgênero found-foutage. Dirigido por Mark Neveldine, cineasta irregular que teve como base o roteiro de Michael C. Martin, o filme segue a evolução de um documentarista entre a descrença e a crença, ao se deparar com manifestações malignas ao passo que registra as imagens para a sua produção experimental.

A produção indigesta artisticamente foi lançada dois anos após Demônio – A Batalha das Almas, escrito e dirigido por Justin Price, narrativa sobre um jovem que adentra no círculo de guerreiros contra as forças do mal, grupo ligado aos projetos de uma instituição secreta comandada pela Igreja Católica. No roteiro de Exorcismo Adolescente, produção feita para a televisão, uma jovem editora do jornal da escola assiste ao ritual realizado por um grupo de garotas e inspirada pela postura de fé, resolve ajudar uma amiga que passa por momentos ruins. Escrito por Hanz Wasserburger, o filme é de uma fragilidade dramática absurda, mas ao menos, a direção de Peter Sullivan é assumidamente juvenil, diferente do pretensioso Exorcismo – A Execução, de 2006, escrito e dirigido por Ethan Wiley, produção sobre uma jovem que depende da ajuda da família e de um padre local para se libertar das forças do mal, mas no processo, descobre que não é a única que precisa ser exorcizada. Podemos observar a tentativa de acrescentar pequenos detalhes entre um ponto e outro do roteiro, mas a estrutura dramática é a mesma do clássico de 1973. Para piorar: os diálogos são sofríveis e todos, sem exceção, possuem direção de fotografia e design de produção vergonhosamente sem inspiração.

Assim como há pessoas que acreditam ser uma temática desgastada no bojo do cinema, temos também os estudiosos que não acham ser possível mais se falar em exorcismos na contemporaneidade. Assim, o exorcismo para muitos não é unanimidade. Em Satanas Em Horas Bajas, Manuel Fraijó, filósofo e doutor em Teologia, alega que Satanás não entra nas pessoas, pois “não há endemoninhados”, mas “enfermos de diversas categorias”. Por isso, “deveriam cessar de vez as delirantes cerimônias de exorcismos”. Por outro lado, o padre Gabriele Amorth, em Exorcistas e Psiquiatras, narra que durante um exorcismo, as pessoas podem cuspir pregos, vidros, madeixas de cabelo e num dos seus casos mais peculiares, um possuído disse que iria vomitar um aparelho de rádio.

Creia: enquanto escrevia o livro, o católico informou que a pessoa havia vomitado em média dois quilos de material. Entre crentes e descrentes, uma coisa é certa. A indústria cultural provavelmente ainda terá bastante interesse no exorcismo como tema central de narrativas, dos filmes independentes aos grandes orçamentos hollywoodianos. Em minha observação, os filmes de exorcismo, no geral, não funcionam desde 1973. Salvas as duas exceções descritas anteriormente, todas as incursões parecem emular, de maneira irregular, o arcabouço de técnicas cinematográficas da equipe de William Friedkin em O Exorcista.

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