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Sagas DC | Zero Hora: Crise no Tempo

por Luiz Santiago
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A primeira coisa que alguém que se dispõe a analisar uma obra que compreende estrutura narrativa de qualquer caráter é formalizar duas perguntas simples, dando conta da exata proposta do produto em julgamento: 1) “qual é a intenção desta coisa que eu estou analisando?“; 2) “isto que eu estou analisando cumpriu a sua intenção?“. Em se tratando de quadrinhos, esse tipo de questionamento inicial é incrivelmente fácil de se responder, porque todas as consequências de uma saga ou crise são imediatamente entregues ao leitor no final da última edição. Embora possam ser aumentadas, pioradas ou melhoradas a longo prazo, o que vale mesmo para uma análise é o resultado diretamente ligado à obra. E aqui chegamos à mais uma crise da DC Comics, a primeira desse porte depois de Crise nas Infinitas Terras (1985 – 1986), que veio justamente para “arrumar as coisas deixadas soltas na saga dos anos 80, consertando inconstâncias na cronologia da editora após a unificação do Multiverso em um lugar só“. E só com esta descrição já temos a respostas para as duas perguntas iniciais. Muita promessa para quase nenhuma entrega.

Lançada com numeração decrescente, de #4 a 0 (captou o “Zero Hora“, hein? hein?), esta minissérie — que teve, como toda mega Crise da editora, um número absurdo de tie-ins — mostra uma massiva destruição ou “compressão” do tempo que vai apagando realidades do fim para o início de toda a criação através de uma manipulação descabida de entropia. O resultado final é começar o Universo de novo, através de um Big Bang assistido.

A princípio, as estranhezas começam com personagens de realidades alternativas aparecendo no Universo “normal” (a cena com a Batgirl é impagável). À medida que as ondas de apagamento avançam de trás para frente no tempo cósmico, séculos mais avançados e diversos personagens importantes são apagados da História, o que evidentemente é um princípio inteligente do enredo, pois tira de cena as civilizações que poderiam ter as ferramentes para impedir a catástrofe e deixa à mercê da tragédia seus antepassados tecnologicamente atrasados.

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Futuro distante da Terra. 32 horas atrás. O fim dos tempos”. Assim começa Zero Hora.

Considerando a sua intenção, Zero Hora tem uma boa proposta e veio em um momento de decisões editoriais bastante arriscadas da DC Comics, como A Morte do Superman (que tinha ressuscitado há pouco), A Queda do Morcego (que tinha voltado há pouco, depois de um tempo paraplégico) e algo essencialmente importante para esta saga, o Crepúsculo Esmeralda, com Hal Jordan possuído pela entidade Parallax. Escrita por Dan Jurgens, a saga reúne os escapismos editoriais dos anos 90 com a toada de mudanças comportamentais nos heróis que, já a esta altura da História da Nona Arte (1994), tinha cara de mímica dofinal dos anos 80.

Em cena, acompanhamos o Extemporâneo/Extant (ex-Rapina/Hank Hall), um vilão que age como destruidor do tempo, batalha contra e mata alguns heróis e aparentemente tem um propósito. Qual propósito? Mesmo após terminar a leitura e entender Extant como um peão de luxo usado por Parallax, a base para a sua ação em Zero Hora é praticamente inexistente. Nas edições #1 e 0 existem nuances sobre sua visão de reconstrução do novo cenário à sua imagem e semelhança, mas nada vai além disso. E notem que eu não estou levantando a bola de trama de origem ou funções arraigadas ao personagem. Isto o leitor pode encontrar nas edições #8 e 9 da revista Showcase ’94. O que levanto em relação a ele é a forma como o roteiro o coloca agindo com força total até certo ponto, apresentando elementos que julgamos serem partes de um plano mas que na verdade são apenas o cartão de visita do vilão, passando, no final, por uma abrupta interrupção e fazendo com que o próprio personagem fique solto nas cenas finais.

Aliás, o ponto vilanesco em Zero Hora, tanto de Extant quanto de Parallax é quase risível. Observem que se trata da consequência-da-consequência-da-consequência de Crepúsculo Esmeralda e o ponto de dominação continua sendo tratado apenas como uma ideia fixa. Mesmo para quem é bastante apegado às grandezas da DC em termos de gatilhos para desgraças (e dentre elas, vale citar o carrossel de mortes sensacionalistas e desnecessárias da saga) a base de ação para o mal ou para o humanamente imoral é sustentada unicamente pelo contexto de histórias extras envolvendo Hal e Monarch — atual Extant, ou… aquele que não sabia o que queria ser –, tendo apenas um elemento conclusivo perfeitamente aceitável, no momento em que Parallax percebe que seu plano está prestes a falhar.

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Então pessoal, ainda bem que todo mundo veio. Tudo bem com vocês? Eu os chamei aqui apenas para dizer que vamos todos morrer.

Também assinada por Dan Jurgens e finalizada por Jerry Ordway a arte de Zero Hora é um bom espetáculo de junção de personagens e uso de elementos cósmicos padrões para criar a passagem e a destruição do tempo. O maior ganho dos artistas aqui são as composições de luta e a boa forma como a diagramação picota o tempo na edição #0. Ali, os closes, as reações irascíveis e as difíceis decisões de alguns heróis (o dilema do Arqueiro Verde em relação ao seu melhor amigo é a mais tocante) dão o ar e emoção necessário para o fim de uma caminhada como esta. Também é válido destacar a boa utilização da arte na sequência com os Gaviões Negros (visualmente belíssima mas em termos de trama simplesmente pífia), no envelhecimento ou rejuvenescimento de alguns heróis, na exposição do crepúsculo da Sociedade da Justiça e na interação de cenários em destruição com cenários ainda existentes no tempo. Particularmente não gosto muito do trabalho de cor nas explosões de luz com pontas coloridas e núcleo branco, mas entendo perfeitamente o padrão e intenção de Gregory Wright ao utilizar esse efeito.

Alguns bons momentos de desespero no roteiro engajam parcialmente o leitor, mas na maior parte da aventura, com as idas e vindas, a falta de maior atenção aos contra-ataques e desenvolvimento dos vilões, assim como a repetição de motes narrativos do início da história na parte final atrapalham bastante a experiência. E no final, o que tivemos de interessante aqui foi mesmo o fato de as edições terem sido zeradas (o que não significa muita coisa mas acaba dando maior alento a novas maratonas de leitura) e principalmente a série do Starman (Jack Knight, que não queria nada disso, mas teve que assumir o manto depois do que aconteceu com o irmão David), iniciada em outubro de 1994, com o arco Pecados do Pai.

Prometendo arrumar algumas bagunças, Zero Hora acabou criando outras diretamente ligadas ao contexto final da saga e não cumpriu, de fato, o que prometeu. É uma leitura inicialmente interessante mas que rapidamente se mostra pouco nutrida de ideias, valendo-se de uma grande arte para dar a sensação de “glorioso evento” que, no fim, é mais um motivo de raiva a longo prazo. Uma daquelas boas intenções que pavimentam todas as estradas do inferno dos quadrinhos.

Zero Hora (Zero Hour) — EUA, 1994
No Brasil:
Editora Abril, 1996
Roteiro: Dan Jurgens
Arte: Dan Jurgens
Arte-final: Jerry Ordway
Cores: Gregory Wright
Letras: Gaspar Saladino
Capas: Dan Jurgens, Jerry Ordway
Editoria: Mike McAvennie, K.C. Carlson
24 páginas (cada edição)

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