A relação da Netflix com filmes de terror nunca foi das melhores, principalmente com produções voltadas para o público adolescente, cenário esse que mudou com a chegada da trilogia Rua do Medo, lançada em 2021. Inicialmente, a ideia era lançar todos os filmes no cinema no mesmo ano, uma estratégia inédita e ousada para o gênero, mas que não teve confiança dos estúdios. Porém, deu certo na plataforma de streaming ao trazer o lançamento de três longas que se conectam como um grande evento. A promessa de que a saga voltaria sempre esteve à porta, considerando que se baseia nos livros de R. L. Stine e mantinha como o chamariz a proposta de cada película visitar um subgênero do terror de maneiras diferentes. Nesse sentido, Rainha do Baile se faz como um teste dessa promessa, um derivado que se arrisca em atrair o mesmo público com uma história solo hiperconectada a um universo maior, agora, com um novo slasher que se passa no final da década de oitenta.
Pensando no período em que o roteiro escrito pelo diretor e roteirista Matt Palmer em parceria com o estreante Donald McLeary centraliza a trama, o ano era marcado com as sequências de franquias como Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo, Hellraiser e Halloween, enquanto também apresentou dois novos clássicos: Brinquedo Assassino e Acampamento Sinistro. Era o slasher sofrendo pelo desgaste de qualidade de suas sagas ao mesmo tempo que enredos originais com toques de trash surgiam, mas nada disso parece refletir ou servir de inspiração para o novo segmento de Fear Street, que centraliza sua trama durante um baile de formatura. Aliás, nada aqui é minimamente contextualizado para tornar a história interessante, uma vez que utiliza os tropos do subgênero instantaneamente, sem imaginar como faria sentido dentro de sua proposta.
O ano é 1988, mas é fácil pensar em Rua do Medo: Rainha do Baile como aquela típica sequência de um clássico comandada por um diretor em início de carreira e que era lançada nos anos 2000 direto em DVD e, quando chegasse ao Brasil, as distribuidoras usariam o título original para chamar atenção. Se Fear Street: 1978 teve como inspiração os slashers de acampamento e claro, a origem de Jason Voorhees como pano de fundo, Palmer e McLeary acharam que seria o suficiente dizer que a história se passa em Shadyside sem sequer trazer um pouco da mitologia sobrenatural que conectou a trilogia, e tampouco fizeram o dever de casa em trazer um pouco da franquia mais popular que se tinha a formatura como cenário: A Morte Convida para Dançar/Baile de Formatura. A lógica trazida pela dupla foi em encher o filme de mortes sem nenhuma variação de como aconteceria, ou qualquer desenvolvimento dos personagens.
A primeira cena de morte é bom exemplo do modus operandi da lógica limitada que Palmer tem do slasher: anticlímax, cheias de cortes bruscos na edição de Christopher Donaldson e um vilão — que não é introduzido — mascarado que começa a atacar; um jeito péssimo de apresentar o terror que viria nessa história sem carisma. Com tantas inspirações oitentistas do subgênero e fora dele que a dupla poderia emular nessa trama, parece ter buscado por referências atuais para compor essa sequência sem personalidade de Fear Street uma vez que é fácil lembrar de Emma Duvall — não Sidney Prescott — da série de TV de Pânico no fio de história da protagonista, de Meninas Malvadas no plot clássico de patricinhas populares da escola, de Pretty Little Liars – Original Sin nas cenas mortes, e Scream Queens na caracterização do assassino que nada se relaciona com o tema do filme e tampouco está bem vestido para um baile.
A todo tempo, Prom Queen remete a histórias e produções que se assemelha, mas diferente da trilogia que mesmo com uma homenagem irregular tentou recriar a essência dos filmes que se baseava — como a abertura de 1978 que reimaginava a morte de Casey —, soa como exercício preguiçoso e amador do gênero ao qual pertence — o último ato, inclusive, lembra o espalhafatoso slasher da MTV Meu Aniversário de 16 Anos, que fazia da violência gráfica e efeitos práticos seu maior atrativo. Até mesmo Riverdale quando decidia fazer um episódio temático, era divertido porque a produção se esforçava para fazer uma homenagem e qualquer loucura era possível de acontecer naquela cidade. E é o que falta em Rainha do Baile: fazer esse misticismo sobre uma cidade amaldiçoada fazer sentido dentro da lógica de antologia conectada de terror.
Sem qualquer esforço em referenciar a saga que supostamente pertence, por quase 90 minutos, a sensação é que Rainha do Baile te prende em um loop formulaico e que você nunca vê suas ideias amadurecem além de um amontoado de imitações e tentativa de criar um visual sanguinolento. De alguma forma, o elenco parecia estar se divertindo nessa caricatura de slasher oitentista sem nenhuma imaginação ou ambição do que pretende ser, mas que coloca ainda mais a trilogia de Leigh Janiak como o maior ato de terror teen que a Netflix pode ter.
Rua do Medo: Rainha do Baile (Fear Street: Prom Queen – EUA, 2025)
Direção: Matt Palmer
Roteiro: Matt Palmer, Donald McLeary (baseado nos livros de R.L. Stine)
Elenco: India Fowler, Suzanna Son, Fina Strazza, Katherine Waterston, Lili Taylor, Chris Klein, Ariana Greenblatt, David Iacono, Darrin Baker, Ella Rubin, Rebecca Ablack, Ilan O’Driscoll, Ryan Rosery, Damian Romeo, Dakota Taylor, Luke Kimball, Eden Summer Gilmore, Brennan Clost, Cecilia Lee
Duração: 90 min