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Crítica | “Blizzard of Ozz” – Ozzy Osbourne

Um marco!

por Iago Iastrov
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O final dos anos 1970 marcou um período de transição para o heavy metal. Black Sabbath, pioneira do gênero, enfrentava uma briga interna que terminou na demissão de Ozzy Osbourne, em abril de 1979, após uma década de colaboração. Essa saída deixava em aberto questões sobre o futuro artístico tanto da banda quanto do próprio cantor, num momento em que o metal buscava novas direções estéticas. Foi neste contexto de incertezas que surgiu uma das colaborações mais significativas da história do gênero: a parceria entre Osbourne, Randy Rhoads, Bob Daisley e Lee Kerslake no álbum que se tornaria Blizzard of Ozz.

Gravado no Ridge Farm Studio entre março e abril de 1980, o trabalho nasceu de necessidade comercial e ambição artística. Osbourne, artisticamente fragmentado, encontrou em Rhoads um guitarrista cuja formação clássica oferecia possibilidades inéditas para o metal. Daisley, veterano da Rainbow, trouxe não apenas competência técnica no baixo, mas responsabilidade lírica total, elevando o discurso temático. Kerslake completou esta formação com uma precisão rítmica que permitiu experimentações diversas. No disco, a vulnerabilidade filosófica é o ponto de partida. Ozzy encara a incerteza como parte do ser humano e traduz isso em progressões que espelham essa fragilidade. Em I Don’t Know, tudo é contido: a melodia não busca impressionar, mas tensionar, e revela uma maturidade que atravessa o álbum inteiro.

Partindo para Crazy Train, o artista transforma a paranoia da Guerra Fria num ponto de partida, fazendo uma crítica específica que pode ser aplicada de maneira bastante ampla. A letra aponta para o clima de tensão sem apelar demais para metáforas, enquanto Randy Rhoads amarra tudo com progressões baseadas em escalas menores, explorando a herança da tradição clássica. Este equilíbrio se aprofunda nas faixas seguintes, que oscilam entre melancolia e intensidade. Goodbye to Romance funciona como lamento duplo: despedida ao Black Sabbath e declaração de independência artística. A banda trabalha com progressões harmônicas que remetem aos Beatles, mas mantém o peso característico do metal. Rhoads desenvolve um solo melódico que reforça a introspecção, construindo frases que conversam com a confissão da letra. É uma abordagem que valoriza os alicerces melódicos sobre a velocidade, um caminho que marcaria sua obra.

Como já comentei antes, o disco traz construções musicais que vão além das convenções do metal. Dee, por exemplo, é um breve interlúdio em violão clássico dedicado à mãe de Rhoads, funcionando como respiro clássico e contemplativo entre faixas mais intensas. Esta paleta sonora ampla prepara terreno para Suicide Solution, onde a abordagem se radicaliza bastante. E ao contrário das interpretações erradas que geraram controvérsia na época (bem… dependendo de quem ouve, até hoje), a faixa alerta contra o alcoolismo e teve óbvia inspiração no comportamento autodestrutivo do próprio Ozzy. A letra joga com duplo sentido em torno da palavra “solution” (solução / líquido), enquanto a produção adiciona efeitos claustrofóbicos que lembram o tema da autodestruição química.

Todas estas criações deságuam no épico gótico que representa o ápice artístico do álbum. Don Airey determina a atmosfera através de uma introdução de órgão à laliturgia profana“, preparando terreno para o questionamento moral e complexo de Mr. Crowley. Aqui, aborda-se a controversa figura de Aleister Crowley sem julgamentos simplistas, apresentando dúvidas e noções de mundo que joga com o fascínio e a repulsa. Em reforço, Rhoads responde com um dos solos mais celebrados da história do metal. A estrutura progressiva, com mudanças dinâmicas e cheias de teatralidade, nos presenteia com uma épica que até antecipa certos elementos do metal sinfônico, sem perder a brutalidade essencial do metal pesado.

A abordagem de compulsão sexual em No Bone Movies mostra como o projeto navega por temas espinhosos com ironia afiada, misturando traços rítmicos do boogie rock sem trair a unidade do disco. Esta disposição para enfrentar assuntos controversos prepara terreno para questões que aparecem no encerramento do álbum. Revelation (Mother Earth) é o momento de maior ambição: Airey desenvolve texturas sinfônicas em sintetizadores que expandem as possibilidades do heavy metal, fazendo a estrutura da faixa crescer e se transformar organicamente. A consciência ambiental expressa na letra mostra um impasse que permanece atual (e até mais relevante) nos dias de hoje. O álbum se conclui com Steal Away (The Night), faixa que funciona como escape necessário após o peso das questões anteriores, provando que mesmo nos momentos mais descontraídos o quarteto mantinha um padrão melódico irrepreensível.

Blizzard of Ozz refinou e popularizou a combinação entre técnica clássica e heavy metal de forma aplaudível. Rhoads trouxe arpejos inspirados em Bach, escalas harmônicas menores e progressões complexas, criando solos eruditos e agressivos. Daisley provou que letras reflexivas ampliam o alcance do metal, em vez de limitá-lo. Kerslake trouxe ideias musicais próprias e trabalhou colaborativamente com Rhoads no desenvolvimento de padrões rítmicos específicos para cada riff, criando uma base sólida de experimentações. E Ozzy encontrou na vulnerabilidade uma enorme força expressiva. Sua voz áspera e teatral, dobrada em estúdio para criar profundidade fantasmagórica, se tornou o veículo perfeito para expressar tanto desespero quanto refúgio, defendendo as ideias das canções com intensidade memorável. Essa união entre virtuosismo técnico e brutalidade sonora, entre introspecção poética e intensidade vocal, criou uma linguagem que ainda influencia artistas do gênero hoje. Ocupando o 9º lugar na lista da Rolling Stone dos 100 Melhores Álbuns de Metal de Todos os Tempos, Blizzard of Ozz não apenas marcou a estreia solo de Ozzy, mas também trouxe um novo parâmetro para o metal daquela década. E permanece impactante até hoje. 

Aumenta!: Mr. Crowley
Diminui!: 

Blizzard of Ozz
Artista: Ozzy Osbourne
País: Reino Unido
Lançamento: 12 de setembro de 1980
Gravadora: Jet Records
Estilo: Heavy Metal
Duração: 39 min.

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