- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e de toda a franquia Alien.
Pode parecer incongruente e até um pouco bipolar de minha parte, mas aquilo que torna Os Monstros de Verdade um excelente episódio de final de temporada é, também, um aspecto que pesou negativamente em minha avaliação, ainda que, como a nota acima não me deixa mentir, não tanto assim. E o que torna excelente esse encerramento? Simples: o quanto o roteiro que Noah Hawley escreveu ao lado de Migizi Pensoneau é cuidadoso e redondo, sem deixar pontas soltas que não sejam, obviamente, aquelas que levam à inevitável segunda temporada se a Disney fizer o favor de renovar a série, o que espero que aconteça muito em breve com todas as minhas forças.
Hawley e Pensoneau levam a narrativa às suas consequências lógicas e naturais, começando com os híbridos presos em uma jaula e Joe e Morrow presos em outra, com a voz de Atom Eins fazendo um relatório para Boy Kavalier deixando bem claro o quão precária é a situação, a ponto de ele sugerir que o Garoto Prodígio abandone a Terra do Nunca o quanto antes. É a situação ideal para Wendy, então, usar sua habilidade de “conversar” com máquinas e com xenomorfos, passando a controlar de fechaduras eletrônicas a câmeras de vigilância, de elevadores a até mesmo o próprio Atom Eins que, no final das contas, é o primeiro sintético criado por Kavalier, em uma revelação que só se tornou clara para mim quando o desequilibrado trilionário fala de seu passado. Ficou subentendido que Wendy não foi capturada, mas sim deixou-se capturar de forma a fazer justamente o que faz, que é colocar lenha na fogueira para puxar o tapete sob seu criador e tomar as rédeas da situação em uma legítima “revolução das máquinas”.
E esse era o caminho que havia sido desenhado desde o início, primeiro com as dúvidas de Wendy sobre sua própria natureza e, depois, ela percebendo que a manipulação humana sobre os espécimes alienígenas trazidos para o domínio da Prodigy por Kavalier nada mais era do que ecos do que ela e seus pares sofreram e continuavam sofrendo, sendo tratados meramente como produtos, como experimentos cujo sucesso seria, então, empacotado e vendido como a cura para a mortalidade aos poucos que podem pagar, potencialmente alçando a corporação que mais tardiamente chegou à mesa da dominação mundial à sua cabeceira. Wendy torna-se não só a “rainha” dos xenomorfos, que são usados por ela como armas em uma ironia do destino, já que o que ela faz não é muito diferente do que Kavalier e demais faziam com ela e com seus irmãos, como também de seus próprios irmãos, criando um pequeno e poderoso – mas não tanto quanto ela, vale lembrar – destacamento de sintéticos sencientes.
A forma como ela põe seu plano em andamento é a essência do episódio, como se ela estivesse jogando xadrez, movimentando suas peças à distância e colhendo seus resultados um a um que levam à substituição dos cinco híbridos na cela por todos os humanos e não humanos relevantes ao final, em uma virada de mesa muito bem bolada e carregada de um misto de sentimento de vingança com triunfo pessoal que, claro, agrada Kavalier por ele provavelmente enxergar que, agora, as crianças (suas crianças, claro!) dominam a Terra do Nunca e, quem sabe, o futuro da Terra. No entanto, quando Wendy diz que, agora, ela está no comando, nós sabemos, por termos visto logo antes, que a Weyland-Yutani está chegando com força total para invadir a ilha e isso significa que as regras do jogo podem muito rapidamente ser alteradas, algo que Wendy, por ainda ser criança lá no fundo, talvez não tenha capacidade de compreender mesmo dentro de seu poderoso corpo.
E o jogo jogado por Wendy nos leva a ótimas sequências, como é a luta entre Kirsch e Morrow, Audrey se alimentando de uma soldada e, claro, o Polvo Zoiudo tentando controlar Joe, apanhando de Wendy e percebendo que o melhor é uma saída estratégica que, finalmente, o leva ao pobre coitado do corpo de Arthur, o único cientista que tinha um mínimo de moralidade, que nem morrer em paz pode, agora que foi reanimado à la Um Morto Muito Louco. O xenomorfo, diria, permanece em segundo plano, algo que não reputo como negativo, pois é um segundo plano bastante presente e constante, especialmente aqui em que há um retorno ao estilo clássico de trabalhá-lo nas sombras, em ataques mais sorrateiros.
Com isso, portanto, eu volto ao começo para abordar o ponto negativo que vem do positivo. Noah Hawley não arrisca em Os Monstros de Verdade. Ele faz exatamente aquilo que decorre do que ele construiu antes, o que, repito, é sempre uma boa notícia, pois se tem uma coisa que eu desgosto profundamente são as “surpresas imprevisíveis” tiradas da cartola de qualquer showrunner. No entanto, ao fazer exatamente aquilo que ele deveria fazer, ele joga seguro. Nenhum personagem central à narrativa foi morto (ou destruído, no caso de sintéticos). Nenhuma criatura alienígena foi morta. A ilha não foi destruída. A Weyland-Yutani nem pousou por lá ainda para além da força comandada por Morrow. Sim, houve a “troca da guarda”, com os pós-humanos tomando o controle, mas Hawley preservou intactas todas as possibilidades para uma eventual nova temporada fazendo até mesmo Arthur retornar daquele jeito deliciosamente bizarro. Faltou, diria, Hawley ser mais Hawley e apostar suas fichas todas em algo mais impactante e, ainda que eu não saiba dizer que “algo” seria esse, posso afirmar com todas as letras que não é o que ele fez, que me pareceu muito “domado”, por assim dizer.
Mas se “jogar seguro” é entregar um episódio de encerramento de temporada que efetivamente fecha todo um arco narrativo, entregando excelentes sequências de ação e uma perturbadora evolução de Wendy que, parafraseando Nietzsche, precisa tomar cuidado para também não se tornar um monstro, então que venham mais jogos seguros como esse. Hawley, mesmo quando desaponta um pouco, acerta em cheio e, com Os Monstros de Verdade, ele prova que talvez seu mundo seja povoado somente de monstros, sejam eles de carne e osso (e exoesqueleto – aliás, que “fofo” foi o encontro do xenomorfo com o caranguejo, não?), de transístores ou dos dois. Agora é aguardar e torcer para que Alien: Earth ganhe a renovação que inegavelmente merece.
Alien: Earth – 1X08: Os Monstros de Verdade (Alien: Earth – 1X08: The Real Monsters – EUA, 23 de setembro de 2025)
Desenvolvimento: Noah Hawley
Direção: Dana Gonzales
Roteiro: Noah Hawley, Migizi Pensoneau
Elenco: Sydney Chandler, Babou Ceesay, Alex Lawther, Timothy Olyphant, Essie Davis, Samuel Blenkin, Adarsh Gourav, Erana James, Lily Newmark, Jonathan Ajayi, David Rysdahl, Diêm Camille, Moe Bar-El as Rashidi, Adrian Edmondson, Sandra Yi Sencindiver
Duração: 49 min.