Hyde Street surge sob o selo Ghost Machine da Image Comics como uma proposta de horror autoral intrigante, com Geoff Johns, mais conhecido por seu trabalho em super-heróis, mergulhando aqui no terror urbano com Ivan Reis na arte, auxiliado por Danny Miki, Francis Portela e Brad Anderson. A trama parte de uma premissa aparentemente simples, mas perturbadora, em que somos apresentados a uma rua chamada Hyde Street, situada entre mundos, que serve como palco para punições de almas, onde o misterioso Scorekeeper contabiliza os feitos e condena os pecadores de forma sobrenatural.
O que chama atenção em Hyde Street desde os primeiros números é a capacidade de Johns e sua equipe de criarem microcosmos distintos em cada edição. Muitos capítulos são centrados em personagens específicos, com suas histórias, seus pecados e seus segredos, conferindo ao volume introdutório um caráter quase antológico dentro de uma mitologia maior. Não é um horror episódico puro, pois há fios narrativos contínuos (a presença do Scorekeeper, a constante participação do protagonista Mr. X-Ray, a dinâmica da rua e o mistério do porque raios esse lugar existe), mas o formato permite que cada edição respire por conta própria, apresentando horrores internos tão diversos quanto os rostos envolvidos.
Em termos de criatividade de personagens, o quadrinho acerta. As figuras que habitam Hyde Street, sejam vítimas ou agentes desse universo distorcido, são bem pensadas, cada uma com traços que mesclam o grotesco e o simbólico, alguns em releituras de outros monstros, como Frankenstein, e outros como a personalização de coisas macabras, como uma criança diabólica. A arte é um ponto alto, com tudo sempre muito vivo e palpável (a forma como Reis traz textura é sempre um negócio maluco), e os visuais são bastante detalhistas, seja do ambiente soturno ou na bizarrice de certos personagens. Bacana como os traços limpos e definidos de Reis combinam com o terror e com o grotesco.
Por ser uma narrativa de caráter introdutório e fragmentada na ideia de apresentação dos personagens (com direito a info ao final das edições), fica uma certa sensação de pouca progressão ao longo desse primeiro arco. Esse modelo de micro-histórias é engenhoso, permitindo que o leitor conheça, peça a peça, os fragmentos de Hyde Street, mas é preciso equilíbrio dentro da história macro. E, até agora, Hyde Street fica justamente nessa corda bamba: introduz muito mais do que resolve, o que traz tensão e curiosidade, mas fica a espera de uma recompensa narrativa nos próximos arcos. Felizmente, esse problema faz parte da abordagem de Johns, claramente interessado em trabalhar seus personagens, em contar pequenos contos de terror com ótimos flashbacks e em estabelecer diversos enigmas antes de começar a explicá-los.
No terreno temático, Hyde Street opta por olhar para a humanidade em seus momentos de fraqueza e crueldade. Não há redenção fácil. Os pecados têm peso condenatório e as “vítimas” são muitas vezes piores do que os monstros. É um horror moral, tanto quanto sobrenatural e gráfico (um bloco no cinema, em especial, é perturbador e muito bem escrito, com Mr. X-Ray conduzindo a punição impiedosa do que há de pior em nós). É na incapacidade de distinguir quem é vítima ou agente que esses pequenos contos funcionam, especialmente nas edições em que o terror psicológico domina.
A leitura é divertida, sim, porque há o prazer mórbido de descobrir o segredo de cada personagem, mas também exige paciência. Nem todas as peças do quebra-cabeça são imediatamente coagidas a se encaixar, e para leitores que preferem tramas mais lineares, algumas voltas podem parecer lentas ou excessivamente fragmentadas. Mas para quem aprecia um terror de construção gradual, Hyde Street entrega recompensas visuais e conceituais.
Em suma, o primeiro volume de Hyde Street é uma ótima porta de entrada para um universo de horror autoral que aposta na caracterização de personagens, simbolismos e muitos enigmas. Há, sim, uma sensação ambígua, já que a HQ seduz com estilo, estética e mistério, mas ainda não provou que pode amarrar sua mitologia com firmeza suficiente. Se vier a conseguir isso, tem potencial para se tornar uma grande série do crescente horror moderno em quadrinhos. Por enquanto, é uma promessa ousada, curiosa, inquietante e visualmente potente.
Hyde Street – Vol. 1 | EUA, 2025
Contendo: Hyde Street #1 a 7
Roteiro: Geoff Johns, Ivan Reis
Arte: Ivan Reis, Danny Miki, Francis Portela
Cores: Brad Anderson
Letras: Rob Leigh
Editoria: Brian Cunningham
Editora: Image Comics
Páginas: 192