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Crítica | We’re Taking Everyone Down With Us

Uma deliciosa fusão de gêneros.

por Ritter Fan
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É curioso como temos uma tendência a tentar encaixar em convenções – que podem ser universais, regionais ou apenas nossas mesmo – tudo aquilo que nos parece fora delas e, portanto, estranhas, descombobuladas, fora do eixo. Diante do diferente, tentamos nos agarrar com unhas e dentes ao que conhecemos e, portanto, temos intimidade, e depende quase unicamente de nós mesmos nos desencilharmos das linhas de programação que parecem imutáveis em nosso sistema operacional. Digo isso, pois senti com mais força esse embate interno durante a leitura de We’re Taking Everyone Down with Us, minissérie em seis edições da Image Comics escrita por Matthew Rosenberg e desenhada por Stefano Landini que, conforme é indicado em um discreto (mas não muito) selo no canto superior direito das capas, é Um Thriller de Espionagem de Rook (A Rook Spy Thriller), dando a entender que é o começo de um pequeno universo compartilhado pela dupla criativa que gira em torno de Alistair Rook, personagem que debuta aqui.

E um dos fatores que leva a essa tentativa de encaixar a leitura em moldes confortáveis passa justamente por essa indicação quase críptica sobre a minissérie ser “um thriller de espionagem de Rook”, pois é natural esperarmos que esse tal de Rook apareça logo de imediato e seja o protagonista, algo que definitivamente não acontece, com ele e seu primeiro nome só aparecendo em quatro páginas próximas do final da primeira edição que, em linhas gerais, lida com o momento em que a vida de Annalise, uma jovem de 13 anos que vive reclusa e constantemente protegida por robôs no esconderijo secreto de seu pai, o Dr. Dante Alderman, um cientista excêntrico (só para não chamar de maluco) também conhecido pela alcunha O Vitruviano, é virada de cabeça para baixo com ela, em um estalar de dedos, passando a ser órfã e, com seu guarda-costas cibernético, partindo para vingar-se do assassino que ela sequer sabe direito quem é.

Existem diversos outros aspectos que causam aquela estranheza boa na leitura e o principal deles talvez seja o ponto de vista narrativo a partir do relacionamento entre filha e pai – ou a falta de relacionamento, considerando a obsessão do pai com seus experimentos que acaba preterindo a filha – para contar uma história de pancadaria e muita violência que subverte o que normalmente esperarmos da dinâmica entre os heróis e vilões. Rosenberg demonstra muita preocupação em contar uma história já em franco andamento, com mitologia de décadas, mas sem parar para explicar os detalhes do que aconteceu no passado distante ou está acontecendo no momento para além do que vemos se desenrolar nas páginas, evitando ao máximo textos expositivos e entregando ao leitor uma intrigante narrativa que é repleta de momentos chocantes e reviravoltas, mas nada – ainda bem! – completamente deslocado ou tirado da cartola e sim muito mais consequências lógicas dentro daquilo que foi mostrado antes.

Não pretendo abordar muitos detalhes da história para evitar spoilers, mas creio ser importante dizer que o que Rosenberg faz está muito mais para o embaralhamento da ordem a que estamos normalmente acostumados a acompanhar uma história do que subversões geniais. Ao começar por Annalise e O Vitruviano, deixando o espião Alistair Rook em segundo plano, o roteiro conta uma história familiar, mas que só fica realmente reconhecível depois que ela já está em andamento há algumas edições, com a manutenção constante da ambiguidade sobre toda a quadra central de personagens, ou seja, os três mencionados e mais o guarda-costas robótico. Há ficção científica, thriller de ação e espionagem, história de mistério, vilões fantasiados, armas laser, gadgets mil e toda uma atmosfera setentista que a arte de Landini captura maravilhosamente bem, seja no design dos autômatos, seja nos figurinos ou, talvez principalmente, na aparência de Burt Reynolds que ele empresta a Rook, como se realmente estivéssemos vendo uma versão diferentona dos filmes do ator da década de 70.

Landini mostra-se, também, mestre na forma como ele consegue variar o ritmo da história. Ele acelera sempre que precisa, lida com brutalidade sem perder seu estilo e, quando a trama pede, ele sabe desacelerar, sabe criar composições visuais que ou realmente abrem espaço para um descanso para o leitor ou criam oportunidade para diálogos espirituosos em situações improváveis e entre personagens que não esperamos. O desenhista vai de uso de páginas inteiras para quadros únicos de impacto até o uso de páginas duplas picotadas em pequenos quadradinhos para permitir trocas de farpas e uma agilidade verbal e visual muito agradáveis. É como ver um filme particularmente exagerado de James Bond, só que com o famoso espião britânico vivido pelo mencionado Burt Reynolds sendo classicamente Burt Reynolds em meio a uma miríade de grupos com interesses opostos, revelações sobre a família de Annalise, reviravoltas de último segundo e toda sorte de situações que nem sempre o roteiro aborda ou mesmo encerra, algo que o roteirista faz propositalmente e que fica evidente em determinada altura dada a quantidade de personagens e de entidades e grupos escusos que pululam ao longo da história. Minha única dúvida, depois de recompor mentalmente a não convencionalidade da narrativa, é se a já anunciada segunda minissérie desse universo (cujo título será In Good Hands with Bad Company) será uma continuação direta desta primeira ou se Rosenberg e Landini pretendem construir algo mais solto, talvez parecido com a festejada série Criminal, da dupla Ed Brubaker e Sean Phillips. Seja uma coisa ou outra – ou algo completamente diferente – podem ter certeza de que conferirei!

Obs: Decidi não traduzir o título para a presente crítica, mas, em português, We’re Taking Everyone Down With Us seria algo como Levaremos Todos Conosco no sentido de “se vamos morrer, então vamos matar todo mundo junto”.

We’re Taking Everyone Down With Us (EUA, 2025)
Contendo: We’re Taking Everyone Down With Us #1 a 6
Roteiro: Matthew Rosenberg
Arte: Stefano Landini
Cores: Jason Wordie
Letras: Hassan Otsmane-Elhaou
Editoria: Steve Foxe, Eric Harburn
Editora: Image Comics
Datas originais de publicação: 26 de março, 30 de abril, 28 de maio, 25 de junho, 27 de agosto e 20 de novembro de 2025
Páginas: 256

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