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Crítica | Os Assassinos (1956)

por Luiz Santiago
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Creio que não existam muito espectadores que não consigam ligar o nome de Andrei Tarkóvski a um verdadeiro cinema poético. Um dos raros diretores a fazer de toda sua obra uma explosão de poesia em imagem, Tarkóvski também é lembrado pela beleza estonteante de seus filmes, por sua delicada direção de atores e trabalho crítico e filosófico com o roteiro. Geralmente lembramos de seus filmes como profundas reflexões sobre um determinado tema, filmes com um desenvolvimento bastante eficaz e realização plenamente autoral.

Mas se é seguro mantermos essas definições para os longas do diretor, o mesmo não pode ser aplicado à sua estreia no cinema, Os Assassinos (1956), curta-metragem universitário que dirigiu com os colegas Aleksandr Gordon e Marika Beiku para o Instituto Estatal de Cinematografia (VGIK), a mais antiga escola de cinema do mundo.

O filme, de apenas 20 minutos, não é uma pérola cinematográfica, mas contém muitas nuances do que seriam as bases autorais do cinema tarkovskiano a partir de 1961, com O Rolo Compressor e o Violinista.

É preciso levar em consideração, no entanto, que Tarkovski não estava no projeto sozinho, logo, o filme traz uma mescla da visão de três estudantes de cinema que alçavam o seu primeiro voo em película.

O roteiro de Os Assassinos é uma das coisas a serem observadas mais de perto. Trata-se da adaptação de um conto de Ernest Hemingway, curiosamente, a primeira vez que um grupo de alunos da VGIK escrevia um roteiro com base em um texto Ocidental. A ideia veio de Tarkovski, e só foi possível ser realizada porque as regras do realismo socialista haviam esfriado consideravelmente após 1953, com a morte de Stálin e o recuo de sua dura repressão contra qualquer material artístico considerado “pequeno burguês”. A censura de produção artística – principalmente cinematográfica – ainda existia, mas durante o governo de Nikita Kruschev (1953 – 1964) foi mais burocrática do que cerceadora.

Aproveitando-se desse suspiro político mais livre na URSS, Tarkovski aliou os elementos trabalhados por Hemingway em The Killers, e junto com Gordon, escreveu um roteiro que pode também ter uma interpretação social e mesmo política. Em essência, o filme é a história de uma dupla de assassinos de aluguel que deseja matar um sueco. O procurado, por sua vez, sabe que está acossado, e se refugia em seu apartamento, tentando pensar numa saída, muito embora saiba que ela não exista. Seus amigos também pensam da mesma forma, mas a morte e a própria situação de ameaça alcançam um outro patamar ao final do curta, perdendo seus contornos plenamente negativos e ganhando outras cores – a morte não seria uma saída ideal para essa angústia e espera pelo pior?

As cenas no restaurante, dirigidas por Takovski, nos indicam domínio de câmera, extremo cuidado com a composição dos planos e ângulos, além de escrupulosa direção de arte e composição de figurinos. Há um ótimo jogo de espelhos (ainda melhor que o citado no conto) algo muito recorrente nos futuros filmes de Tarkovski; um plano de detalhe em uma garrafa jogada no chão e destaque para as sombras nas paredes. Além das locações serem em internas, o que aumenta a sensação de claustrofobia das personagens (que curiosamente têm em seu discurso a indicação de fugir daquele lugar), a iluminação e a constituição das personagens nos lembram bastante um filme noir, só que em Os Assassinos a femme fatale não existe como pessoa, ela é a própria situação.

Os figurinos, como dito no parágrafo acima, também se destacam e seguem muito fielmente o que Hemingway escreve sobre eles. Os assassinos de aluguel são os mais interessantes, do chapéu às luvas de couro, um visual intrigante para o tipo mafioso russo com pitadas de bandido ocidental. Os clientes, o próprio proprietário do restaurante e o sueco procurado pelos bandidos também possuem um ótimo visual, que além de condizer com a composição psicológica dos personagens, ajudam na configuração do contraste entre eles, uma característica admirável do filme.

Exceto pela segunda cena, no quarto de Ole Anderson, e o final da terceira cena, onde Max e George conversam sobre o futuro de Ole, Os Assassinos é um ótimo exercício cinematográfico de estreia. É possível ver nele o primeiro e um pouco desajeitado suspiro de uma carreira impecável como seria a de Tarkóvski, mas também vê-se um fruto da curta “liberdade artística” que o cinema soviético conheceria antes do recrudescimento do regime que viria com Leonid Brejnev, a partir de outubro de 1964.

Os Assassinos (Ubiytsy) – URSS, 1956
Direção: Andrei Tarkóvski, Marika Beiku, Aleksandr Gordon
Elenco: Yuli Fait, Aleksandr Gordon, Valentin Vinogradov, Vadim Novikov, Yuriy Dubrovin, Andrei Tarkóvski, Vasiliy Shukshin
Duração: 19 min.

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