Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | As Viagens Espaciais de Gulliver

Crítica | As Viagens Espaciais de Gulliver

Fantasia como fuga da dura realidade.

por Luiz Santiago
478 views

Inspirado na obra As Viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift, este gracioso longa de Yoshio Kuroda conta a história de um garoto sem-teto chamado Ted (ou Ricky, na versão americana) que entra clandestinamente em um cinema onde estava sendo exibido As Viagens de Gulliver. Após ser expulso do local pelo lanterninha, o garoto reclama que não tem muita sorte na vida, e então sobem os créditos de abertura, como um gancho misterioso. Esse recurso serve perfeitamente para criar o ambiente de surpresa que constitui todo o filme, e que descobrimos apenas no final.

Com os principais elementos da obra de Swift, emprestando de Hans Christian Andersen e do cânone da ficção científica um bom número de ingredientes, o roteiro de As Viagens Espaciais de Gulliver é maravilhosamente imaginativo, não poupando do público o lado social que marca a vida do protagonista (ele é um morador de rua, afinal de contas), mas também mostrando com delicadeza a formação do caráter do menino, seu lado altruísta, fraterno e solidário. O interessante é que esses elementos não estão postos nas entrelinhas, como geralmente fazem bons animadores que provavelmente teriam problemas com o estúdio caso expusessem essas posturas para seus personagens. É claro que há simbolismos, mas eles são um espetáculo à parte. O trabalho de desenvolvimento para o personagem principal, no entanto, é o mais claro possível.

As Viagens Espaciais de Gulliver foi um dos primeiros trabalhos em que Hayao Miyazaki (na época, com 24 anos) esteve envolvido, e sua participação no longa chamou a atenção a Toei, o que não é de se espantar. O animador contribuiu com as sequências finais do filme, entre a luta de Ted, Gulliver e seus amigos (um cão, um pássaro e um “Coronelzinho de chumbo“) contra o grande robô; além da revelação da verdadeira face da princesa, um resultado poético e esteticamente belo. Até a cena final, embora reticente e fraca por seu caráter narrativo, recebe um bom tratamento de animação de cor, tendo, pelo menos nesse ponto, um resultado interessante.

O roteiro consegue prender o espectador e tem um conceito narrativo muitíssimo inteligente. O espectador pode achar estranho um ou outro elemento, mas, exceto para o encadeamento das coisas no desfecho, tudo é aceitável dentro do universo onírico e fantasioso que o texto propõe construir. Existem ótimas cenas musicais e tendências surrealistas que denotam um grande trabalho de animação e boa direção, já que esses elementos adicionam muito ao universo de Ted e não traem a base central da história, com acontecimentos estranhos e também críticos do livro de Jonathan Swift.

Bem humorada, humanitária e imaginativa, a história de As Viagens Espaciais de Gulliver não encantará ou interessará apenas ao público infantil, mas a todas as faixas etárias — ou pelo menos aos espectadores que possuem o mínimo de ímpeto sonhador dentro de si. Mesmo com um final marcado por falhas narrativas (faço questão de ressaltar que o problema é do roteiro, não de animação), o longa é uma ótima fantasia de ficção científica, com direito a retrocesso temporal, revolução de máquinas e exploração de uma parte curiosa do universo, com um desfecho extremamente realista, um dos melhores exemplos de sonho fantasioso em contraste com a dura realidade da vida.

Gulliver’s Travels Beyond the Moon / Space Gulliver (Gariba no uchu ryoko — Japão, 1965
Direção: Yoshio Kuroda
Roteiro: Hideo Osawa, Shin’ichi Sekizawa (inspirado na obra de Jonathan Swift)
Elenco (vozes): Herb Duncan, Robert Harter, Chiyoko Honma, Darla Hood, Masao Imanishi, Seiji Miyaguchi, Shôichi Ozawa, Kyû Sakamoto, Akira Ôizumi
Duração: 80 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais