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Crítica | 007 – Cassino Royale (2006)

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Cassino Royale, primeira obra de Ian Fleming no universo de James Bond, já havia sido adaptada duas vezes para o meio audiovisual. A primeira foi para uma série de TV chamada Climax! em que James Bond era Jimmy Bond, um agente americano da CIA, vivido por Barry Nelson. Na segunda vez, já nos cinemas, o livro transformou-se em uma sátira com um elenco estelar encabeçada por David Niven, em 1967.

Como a obra literária não fez parte do pacote de direitos adquiridos pela Eon Productions, nunca houve uma adaptação canônica. Os direitos sobre o livro estavam, depois de muitas trocas, com a Sony Pictures Entertainment que, em 1999, trocou-os pelos direitos da MGM sobre o Homem-Aranha. Com isso, a Eon decidiu trabalhar em cima de material original de Fleming, o que acabou gerando um roteiro de Neal Purvis e Robert Wade, mais tarde alterado substancialmente por Paul Haggis. Como os dois primeiros foram responsáveis pelos fracos roteiros de 007 – O Mundo Não é o Bastante e 007 – Um Novo Dia Para Morrer, a inevitável conclusão a que se chega é que a presença do veterano Haggis (Crash – No LimiteMenina de OuroA Conquista da HonraCartas de Iwo Jima) foi uma verdadeira lufada de ar fresco à já cansada franquia.

Assim, os roteiristas voltaram à origem, ao molde do que era James Bond no início e na literatura e trouxeram à tona um roteiro que, ao mesmo tempo que é muito fiel ao livro de 1953, é atual e moderno, trazendo o agente secreto definitivamente para o século XXI. Uma grande aposta, sem dúvida.

Cassino Royale é, também, a primeira vez que a série de 007 sofre um reboot completo. Escrito no começo da intensificação dos reinícios de série, a franquia de James Bond talvez fosse a que mais merecesse um recomeço, uma nova chance. Os produtores e os roteiristas viram nisso uma oportunidade e partiram literalmente para a origem de Bond, com uma sequência pré-creditos magistralmente montada que, misturando flashbacks em preto-e-branco e cenas no presente coloridas, revela como o agente conseguiu sua licença “00”, para matar. O roteiro também brinca com as origens de Bond, em instigante e inteligente diálogo entre ele e Vesper Lynd (Eva Green) a bordo de um trem.

Com um roteiro desses em mãos, os produtores depois de pensarem brevemente em usar Pierce Brosnan novamente, descartaram a hipótese. Afinal, ele já estava chegando aos 50 anos. Nomes como os de Goran Visnijic e Henry Cavill foram cotados, mas o papel ficou mesmo com Daniel Craig, o que gerou críticas e repúdio quase geral. Afinal de contas, não só Craig é louro como, também, não teria o physique du rôle para viver James Bond. Mal sabiam os detratores que o roteiro exigia alguém como Craig, até porque o que vemos na tela é a formação do homem que conhecemos como James Bond. Ele é uma pedra de mármore bruta que precisa de muita lapidação por parte de M (mantiveram acertadamente Judi Dench no papel, mas é possível inferir que é uma “nova” M) e pela vida mesmo e os eventos de Cassino Royale ajudam a explicar a criação de uma blindagem fria na personalidade do agente. De homem, ele se transforma em uma máquina sem sentimentos ou, pelo menos, com sentimentos tão soterrados e esmagados em seu interior, que é como se não existissem.

O interessante é que essa pegada não é original nem mesmo dentro da franquia, pois Timothy Dalton, em 007 – Marcado Para a Morte e 007 – Permissão Para Matar, já havia nos brindado com esse tipo de atuação. Dalton é uma espécie de precursor de Craig que, apenas por ter retratado um James Bond durão antes do modismo dos filmes sombrios, foi e ainda é um tanto esquecido e até execrado pelos espectadores. Uma grande injustiça na verdade.

Em Cassino Royale, James Bond investiga uma espécie de banqueiro de terroristas e criminosos em geral chamado Le Chiffre (Mads Mikkelsen). Tudo acaba culminando em um jogo de altas apostas no Cassino Royale, em Montenegro, em que a missão de Bond é ganhar o jogo e levar Le Chiffer à falência, tornando-o alvo fácil para seus “clientes” e, portanto, passível de confessar suas ligações no mundo do crime ao MI6. Bond é ajudado por Vesper, contadora do governo britânico que cuida do dinheiro que ele vai apostar, Rene Mathis (Giancarlo Giannini), um agente local e Felix Leiter (Jeffrey Wright), agente da CIA.

A ação é ininterrupta é muito bem coreografada e montada pelo mestre Stuart Baird, que trabalhou em A ProfeciaSuperman – O Filme e Máquina Mortífera, além de diversos outros clássicos. Os cortes são abruptos, mas não confusos. Conseguimos entender tudo que se passa na tela, mesmo quando estamos no meio de um embate entre Bond e dois soldados de um mestre da guerra africano ao longo de uma escada de emergência. Vemos a violência da situação, assim como o medo (sim, medo) de Bond.

Craig foi uma escalação genial. Ele trouxe para o papel do espião uma qualidade que nunca havíamos visto antes: força bruta inteligente. Bond nunca foi de brigar longamente com seus inimigos. Alguns socos aqui e ali sempre bastaram. Mesmo Dalton não tinha essa intensidade toda. No entanto, Craig não é só um troglodita. Ele demonstra sentimento o tempo todo. Por isso escrevi sobre medo na cena da escada de emergência. Sentimos isso exalando daquele homem, que ainda tem pouca experiência com esse mundo selvagem ao seu redor. Ele sabe o que fazer e como fazer, mas isso não é suficiente para torna-lo insensível ao fato que ele tem que matar alguém literalmente com suas próprias mãos.

A direção segura de Martin Campbell, responsável por duas ressurreições de James Bond (a primeira foi em 007 Contra GoldenEye), mostra o amadurecimento do diretor. Enquanto GoldenEye – excelente por seus próprios méritos – era uma aventura de ação, em Cassino Royale ele foca suas câmeras cirúrgicas na criação de um suspense investigativo que é apenas o pano de fundo para o crescimento e evolução de um agente secreto. Ou seria involução? Afinal de contas, Bond passa de um agente claramente cheio de sentimentos para um monstro frio e calculista.

Seja como for, Campbell cria sequências que enchem os olhos e que são costuradas com linha invisível. Um acontecimento leva ao outro naturalmente e acompanhamos Bond nessa evolução da trama e de sua personalidade. Nada é gratuito, nada está fora do lugar, mesmo quando ele viaja mundo afora em sua investigação, algo que, muitas vezes, acabava criando situações forçadas nos roteiros dos filmes de 007.

Cassino Royale é o 007 para a geração Bourne (aliás, o filme vem literalmente como uma resposta à atualização de produções de agente secreto trazida pela fita de Doug Liman), para a geração que exige filmes sombrios e violentos. Cassino Royale consegue ser tudo isso sem nem de longe ser maniqueísta, simplista ou formuláico. Merece todo o sucesso que fez e o desejo de que a franquia não se perca novamente, com a saída mais fácil pelo espetáculo se sobressaindo à  substância, como se deu na “era Brosnan”.

007 – Cassino Royale (Casino Royale, EUA/Reino Unido/República Tcheca/Alemanha/Bahamas – 2006)
Direção: Martin Campbell
Roteiro: Neal Purvis, Robert Wade, Paul Haggis
Elenco: Daniel Craig, Eva Green, Judy Dench, Mads Mikkelsen, Jeffrey Wright, Giancarlo Giannini, Caterina Murino, Simon Abkarian, Isaach De Bankolé, Jesper Christensen
Duração: 144 min.

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