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Crítica | 007 Contra Spectre

por Iann Jeliel
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007 Contra Spectre

“Isso se chama vida normal. Deveria tentar algum dia.” 007 Contra Spectre

  • Contém SPOILERS. Acesse aqui, nosso índice com o material completo da franquia 007/James Bond. 0

A fase Daniel Craig interpretando James Bond, apesar de possuir dois de seus melhores filmes, possui uma indecisão na abordagem temporal da mitologia do personagem, que fica bastante evidente na proposta de 007 Contra Spectre. Claro, na franquia 007, a continuidade nunca foi referência alguma. Como toda grande saga de espionagem, o novo capítulo chamava mais a atenção pela premissa da missão e o desafio do momento. Esse caráter episódico sempre a fez revezar constantemente entre títulos bons e ruins, literalmente de um ano para outro, mas ao menos, a ausência de sequenciamento permitia que cada filme levantasse e fechasse as próprias ideias a sua maneira.

Essa estrutura parecia que ia mudar no remake de 2005. Cassino Royale propôs origem e dramaturgia continua a persona de James Bond, um background correspondido pelo subsequente Quantum of Solace, que a aplicava em uma nova rede de missões aparentemente episódicas, mas que se interconectavam de alguma forma. Eis que em Operação Skyfall essas conexões e progressão dramática desenvolvendo a “experiência” do agente é parcialmente cessado pelo caráter homenagem de 50 anos de franquia. Ainda que seja um excelente filme – bem melhor que o segundo, embora ache ele melhor do que o rotulam –, Skyfall trouxe problemáticas ao que viria depois, por saltar toda uma engatinhada construção de personagem através da idade e colocá-lo já quase num fim de carreira após a queda na fantástica sequência de abertura no trem, para justificar o retorno temporário de elementos classicistas (vindo de um personagem mais velho) em ênfase.

Esse clima de “abandono” do manto reflete no novo filme, que fica no impasse de acabar ou não a fase de Craig, afinal, além do salto temporal dado, o ator já havia demonstrado não ter mais interesse no personagem, então que tivesse uma conclusão digna, mas ao mesmo tempo e se ele mudar de ideia e fazer outro filme? Tinham que continuar avançando esse universo compartilhado aberto, de modo que também pudesse ser usado como final. A indecisão entre fechar e abrir, leva Spectre a inúmeros desperdícios de ideias, começando pelo grande vilão. Quem se lembra de Blofeld de Com 007 só se Vive Duas Vezes? Talvez seja o mais icônico da franquia ao longo de seus 25 filmes. Um dos poucos que aparece em pequenas pontas em outros capítulos, vivido por outros atores, antes de ganhar o antagonismo principal na pele de Donald Pleasence.

A intenção aqui é construir sua origem “surpresa” – só considero Oberhauser ser Blofeld uma reviravolta caso tenha visto outros filmes e foi ao cinema sem saber de nada – de maneira organizada sobre as mesmas condições das fases antigas, amarrando as pontas soltas da trilogia Craig e direcionando para ele, interpretado aqui por Christopher Waltz e sua organização “suprema”, simbolizada pelo anel de Polvo, colocada como o maior desafio já encarado por esse James Bond. A atmosfera virtuosa de Sam Mendes, retomando a direção após ser ovacionado por Operação Skyfall, até corresponde na criação de sua periculosidade no imagético. Os primeiros trinta minutos são dedicados a enaltecer seu caráter misterioso e praticamente onipresente, que consegue ser refletido mais a frente num clima de possível queda ao projeto 007 da MI6, deixando Bond e a nova bond-girl, Madeleine Swann (Léa Seydoux) – e a Monica Bellucci? Esqueça… – à mercê de ajudas tecnológicas para a realização da missão, teoricamente aplicando vulnerabilidade a narrativa.

Na prática, infelizmente, esses artifícios não resultam numa crescente de escala. Primeiro pelas conexões anteriores soarem extremamente forçadas e superficiais, não demonstrando exatamente onde se conectam, apenas dizendo que tem a conexão com uma montagem de fotos e você que aceite essa informação. Segundo por não gerarem sequências de ação genuinamente inspiradas. No máximo, a inicial e a do trem possui algum charme na sua composição. As demais, parecem genéricas e alheias as características de seu personagem, igualmente alheio a consequência dos seus atos. Matando, explodindo e destruindo em e na praça pública, sem estar sofrendo pressão o suficiente para tornar inevitável visto o discernimento de que não deve ser visto de maneira tão exposta. Por fim, e não menos importante, quando vai ter o momento de entregar o embate frontal entre herói e vilão principal, o filme decepciona em pessoalidade e personalidade.

Sam Mendes, tenta replicar o primeiro encontro entre eles num monologar muito semelhante ao que fez com Silva (Javier Bardém), mas desta vez, com um Waltz desinteressado no papel, repetindo maneirismos de Bastardos Inglórios em tom mais sério, lendo seu plano maléfico de maneira expositivamente filosófica – aquele papo do meteoro… – e ainda pondo conexões, novamente, extremamente forçadas, para liga-los a uma origem de um mesmo parentesco, para deixar o enfrentamento com aquele tempero motivacional mais pessoal, mas que o gosto é somente, constrangedor, principalmente diante de um anticlímax – explodir a organização foi fácil assim? – e clímax – resgate a mocinha indefesa, again – completamente apáticos e sem entusiasmo. Certamente o Dave Bautista e seu capanga indestrutível forneceram material melhor para entretenimento escapista, no entanto, era em Oberhauser/Blofeld o potencial para fazer de Spectre um grande fechamento a era Craig, que na verdade fica mais para uma nova origem pensando no vilão, visto que ele não morre, embora em contrapartida, o James Bond genuinamente abandone o manto de “vez”, para viver uma aventura romântica?

Tudo bem que não é a primeira vez que isso acontece, inclusive na era Craig, fora que é facilmente conversível no futuro, o fim deste relacionamento para termos uma nova bond-girl interagindo com o garanhão, mas em 007 Contra Spectre, esse arco realmente parece ser colocado como um futuro definitivo ao espião. Sendo ou não sendo, é mal desenvolvido de todo modo. Falta uma conexão genuína entre os personagens fora do âmbito protetor/protegida e se essa for a promessa de Bond ao pai dela, eu prefiro acreditar que não tenha. Até tem alguns diálogos que desenvolveriam essa questão de ele querer abandonar o solteirismo de beijar várias  lindas moças e realmente escolher uma delas para constituir uma vida normal, mas isso não se reflete direto nos dilemas colocados em sua dramática de assassino e a agente especial que o impediriam de escolher tal vida de “casado”. Nem começar a questionar esses pontos e a virada do romance repentinamente acontece, num timing longe de ser suficiente para comprarmos o abandono de quase tudo do personagem ao final, para poder viver uma lua de mel com Madeleine, fugindo juntos em seu carrão, porque obvio, tem que acabar com a pose de mulherengo e a musiquinha clássica.

Fechando sem o menor sentido com a iconolatria do personagem, 007 Contra Spectre possui bons momentos alimentados por uma excelente fotográfica e diversificação de cenários, além de uma ótima música intro, com uma abertura que parece atingir mais o potencial artístico do projeto do que o próprio filme em si, recheado de escolhas duvidosas, cenas de ação preguiçosas e indecisões sobre qual o norte futuro da franquia, prejudicais ao que tinha tudo para ser uma conclusão triunfal da sua melhor fase.

007 Contra Spectre (Spectre | EUA – Reino Unido, 2015)
Direção: Sam Mendes
Roteiro:
John Logan, Neal Purvis, Robert Wade, Jez Butterworth (Baseado nos personagens criados por Ian Fleming)
Elenco: 
Daniel Craig, Ralph Fiennes, Christoph Waltz, Monica Bellucci, Léa Sydoux, Ben Whishaw, Naomie Harris, Dave Bautista, Andrew Scott, Rory Kinnear, Jesper Christensen
Duração: 
148 minutos

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