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Crítica | 100 Sunset (2025)

O cinema independente mostra uma tendência ao desencontro com a forma.

por Ismael Vilela
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O espectro da pretensão parece pairar sobre o cinema contemporâneo, e 100 Sunset, de Kunsang Kyirong, é mais uma evidência desse fenômeno. A crença de que a lentidão, a ausência de impulso dramático e a opacidade narrativa constituem, per se, uma elevada expressão artística é o erro fundamental que corrói o cerne deste exercício fílmico. A obra, formalmente, aspira à categoria de meditação artística, mas o que oferece ao espectador é uma viagem arrastada, vazia e, ouso afirmar, desnecessária.

A mera distinção de ser um filme em língua tibetana e a sua inspiração na comunidade diaspórica de Parkdale são, ironicamente, o único lastro que o salva do completo anonimato. A diretora Kunsang Kyirong sem dúvidas estava munida de boas intenções e agradecimentos à sua cultura — e isso é meritório, a inclusão de celebrações, vestimentas e rituais tradicionais tibetanos é uma raridade bem-vinda —, mas o filme resultante é a prova cabal de que intenções nobres não se traduzem em bom cinema. Se o objetivo precípuo era celebrar uma experiência cultural distinta, o resultado é uma lentidão off-putting que confunde o tédio existencial com uma forma sofisticada de arte. Kyirong, em sua estreia na longa-metragem, demonstra uma atração por uma cinematografia, digamos, repulsiva, e uma experimentação frouxa e sem medo de entediar.

Testemunhamos a jornada de Kunsel, interpretada por Tenzin Kunsel, uma protagonista que é pouco mais que um vácuo no centro da tela. É descrita pelo próprio material como alheia, quieta, adolescente e ladra de pequenos objetos, e a sua vida, tal como a cadência do filme, se resume à rotina tediosa em uma comunidade de expatriados tibetanos, confinada à monotonia das paredes bege de um complexo de apartamentos de Parkdale. Essa reclusão não é explorada com nuance ou profundidade psicológica; é apenas um ponto de partida visualmente desinteressante, uma metáfora preguiçosa para o mundo interno da personagem que Kyirong não consegue desenvolver.

A obra, a partir disso, se mostra vacilante, incapaz de optar por uma única linha discursiva: não se decide se deve abraçar a contemplação etérea, se é um tratado de realismo cru sobre a diáspora, ou se sua vocação é a de capturar o desconforto quieto de uma alma apática. Se o espectador esperava qualquer forma de narrativa ou impulso dramático, o filme o preparará para ser cruelmente desapontado. A tensão que se manifesta é artificial, mal explicada e etérea, arrastando-se como um fantasma apático, que simplesmente não leva a lugar nenhum, exigindo uma paciência extrema sem jamais entregar uma recompensa dramática justificável. A beleza, quando falta a clareza, é apenas decoração.

Quando Kunsel finalmente se aventura para fora com uma filmadora roubada — um tesouro recém-roubado que se torna rapidamente um dispositivo narrativo cansado, uma muleta conceitual —, a cidade de Toronto se abre. Contudo, a promessa de vida e energia da cidade rapidamente se dissolve no foco excessivo e intrusivo da protagonista em sua nova vizinha, Passang, interpretada por Sonam Choekyi. O desenvolvimento entre as duas é a única fonte de calor no filme, mas logo se transforma em uma desculpa para longas sequências sem propósito onde Passang é reduzida a uma musa videográfica passiva. O tempo que passam perdidas nas maravilhas intermináveis da cidade é, na verdade, tempo irremediavelmente perdido para o público, que assiste a cenas sem direção, onde a clareza temática – e até formal – se esvai sob o peso da pseudo-poesia.

O que é mais gritante é o erro de cálculo na tentativa de criar uma estrutura dramática por meio do dhikuti, uma troca de dinheiro rotativa na comunidade. Este é o maior erro estrutural que Kyirong, também a roteirista, consegue forçar em seu enredo. O material promocional eleva o evento a um momento de alto risco, mas na tela, é um evento burocrático e mal explicado, cujos temas de intimidade, desejo e mistério se manifestam apenas em formas abstratas e ininteligíveis. O público é deixado a supor a importância emocional de algo que é retratado de forma opaca. É como se fôssemos incapazes de compreender a profundidade de um rito. 100 Sunset falha miseravelmente em tratar a sua própria forma.

A diretora Kunsang Kyirong elege o voyeurismo como motivo central, mas, visualmente, isso se traduz em uma série de planos inconsistentes e muitas vezes desnecessários, em colaboração com o diretor de fotografia Nikolay Michaylov: planos aéreos sem sentido, planos fixos que duram tempo demais e um uso exaustivo de janelas e portas para enquadrar cenas de maneira claustrofóbica. Reitero: Kyirong cria um estilo que, em vez de sofisticado, é irritantemente afetado, transformando a arquitetura familiar de Parkdale em metáforas preguiçosas para a vida interna da protagonista. O prédio não parece uma entidade viva; é apenas um cenário opaco que reflete a falta de vida da personagem principal, Kunsel, encenada por Tenzin Kunsel.

A utilização da cultura tibetana é inserida mais como decoração de fundo do que como um motor de enredo, impedindo que a comunidade, de fato, se sinta totalmente real ou cinematizada. A crítica pode elogiar o conforto de ver a estação Bloor-Yonge ou ouvir um anúncio de transporte, mas esse é o maior problema do filme: sua maior emoção é o reconhecimento de um ponto turístico local. Isso é nostalgia barata, e não arte. Kyirong prova ser uma cineasta intrigante no mau sentido da palavra com 100 Sunset, demonstrando uma atração pela experimentação frouxa e sem medo de entediar. A filmadora, ao invés de evocar um sentido de união, apenas enfatiza o distanciamento. A obra torna-se apenas mais um filme lento e desinteressante, que, em vez de oferecer uma passagem secreta, oferece uma saída de emergência que a maioria dos espectadores desejará tomar.

Enfim, o filme se torna óbvio demais em sua própria tentativa de inovação, confundindo o minimalismo com a inação dramática. Há notável inconstância típica de filmes que sempre querem se achar cult demais e, nessa pegada, duvidam ou subestimam a inteligência de nós espectadores para compreender que há, aqui, uma conjunção vazia de cenas pouco inspiradoras. 100 Sunset falha em sua tentativa de celebração cultural; o filme, em sua totalidade, demonstra que o silêncio e o slow cinema requerem a mão de um artífice que saiba refinar e sofisticar os elementos, algo que a direção e o roteiro de Kunsang Kyirong, a despeito de suas boas intenções, não conseguiram entregar. Falta-lhe o essencial: a ousadia para construir uma grande verdade a partir de um grande nada. O que resta é o vazio de um olhar que se recusa a ser envolvente.

100 Sunset (Idem) – Canadá, 2025
Direção: Kunsang Kyirong
Roteiro: Kunsang Kyirong
Elenco:  Tenzin Kunsel, Sonam Choekyi, Tsering Bawa, Tsering Gyatso, Lobsang Tenzin, Tsering Dolma, Kelsang Dolma, Sherab Sangpo, Tsering Dorjee Bawa, Kunsang Kyirong.
Duração: 99 min.

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