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Crítica | 101 Dálmatas (1996)

por Ritter Fan
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Nós perdemos mais mulheres para o casamento do que para a guerra, fome e doenças.
– De Vil, Cruella

Trinta e cinco anos depois de lançar o longa animado 101 Dálmatas, baseado no clássico romance infanto-juvenil homônimo de Dodie Smith, e ainda na infância da febre de conversão de animações em filmes live-action (este foi apenas o segundo, dois anos depois de O Livro da Selva, por Stephen Sommers, e nada menos do que 10 anos antes de Alice no País das Maravilhas, o seguinte fora da franquia canina), a Disney arriscou transformar a história em uma obra com atores reais, alcançando imediato sucesso que alçou a nova versão às maiores bilheterias de 1996. Com Glenn Close vivendo a icônica vilã de cabelo preto e branco Cruella De Vil e com roteiro de ninguém menos do que John Hughes, que também atuou como co-produtor, Stephen Herek, então já responsável por alguns pequenos clássicos como Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica Nós Somos os Campeões conseguiu a proeza de transpor o roteiro do filme – e não o livro – para as telonas.

O maior acerto da produção nem foi a escalação de Close em provavelmente seu papel mais extravagante e histriônico, ainda que ela divirta justamente por esses exageros teatrais, mas sim a escolha de usar primordialmente animais reais, como em O Livro da Selva, com apenas um pouco de computação gráfica e animatrônicos, ambos eficientes, aliás. Além disso, Herek e Hughes resistiram à tentação de dar voz aos cachorros e demais animais, como na animação, mantendo-os constantemente realistas. Essas duas características, diria, são os verdadeiros diferenciais do longa, ainda que eles também representem riscos diante da razoavelmente pouca flexibilidade que animais reais permitem – mesmo cachorros bem treinados têm limites, lógico -, o que é tornado ainda mais complicado pela ausência de diálogos ou mesmo de narração para “explicar” seus sentimentos.

No entanto, nesses aspectos, o roteiro e principalmente a direção felizmente acertam em cheio, com uma presença animal marcante, bem trabalhada e que deve ter dado um trabalho infernal para a produção como um todo. Mesmo as sequências mais complexas, como a fuga do lugar para onde Cruella manda os filhotes sequestrados, ganham vida com os variados bichos ali presentes, algo que a montagem de Trudy Ship ajuda bastante também, além da boa, mas não terrivelmente inspirada trilha sonora de Michael Kamen.

No entanto, o longa, que conta a história do roubo de filhotes de dálmatas por Cruella De Vil, aqui dona de uma empresa de moda, que deseja fazer roupas com as pelas dos bichinhos, não traz absolutamente nada de novo – a não ser a atualização temporal – para a mesa, com talvez apenas uma débil tentativa de crítica social ao lidar com a questão da escolha que muitas mulheres precisam enfrentar entre ter família ou uma carreira. É quase que a transposição literal do longa de 1961 para o live-action sem arriscar muita coisa em termos narrativos. Lógico que fica a curiosidade de ver como a fusão de animais reais, com CGI e animatrônicos funciona harmonicamente e lógico que Glenn Close diverte com seus figurinos exagerados, maneirismos corporais quase atléticos e risadas de bruxa com as costas arqueadas como uma verdadeira personagem de animação, só que de carne e osso, mas esses elementos acabam sendo apenas isso mesmo, curiosidades, até porque as “novidades” logo cansam e se tornam, apenas, repetições eternas de artifícios apenas levemente engraçados que tentam emular a cinética de Esqueceram de Mim, escrito pelo próprio Hughes, mas sem ter nem de longe o mesmo charme e finesse do filme de Chris Columbus.

Nem mesmo a presença dos simpáticos Jeff Daniels e Joely Richardson, como o casal Dearly, cria oportunidade para Herek fazer mais do que apenas a mesma coisa, só que em live-action, pois os atores, se espremermos de verdade, apenas fundamentalmente repetem a sequência inicial da animação que leva ao casamento duplo de humanos e cachorros, desaparecendo logo em seguida para um pouco mais do que figuração de luxo, tudo de forma que Close pudesse ser todo o destaque humano necessário – e até desnecessário – ao ponto de ela também abafar Hugh Laurie e Mark Williams, que vivem seus capangas Horace e Jasper, além de John Shrapnel como o silencioso e sinistro peleteiro Skinner, personagem que não precisava existir, aliás, nas sequências de ação pastelão.

Ironicamente, com tudo isso, o live-action de 101 Dálmatas consegue ser ainda mais focado no público infantil do que a versão animada e não afirmo isso com viés positivo, pois o longa de Herek não é muito mais do que um daqueles filmes que subestimam os pequenos, tendo que tornar tudo preto ou branco, exatamente como os adoráveis cachorros. Faltou sutileza e refinamento na produção, que, mesmo se arriscando com o uso de animais reais sem diálogo ou narração para eles, jogou seguro ao simplesmente transpor – e diluir – o filme de 1961, sem sequer tentar se socorrer dos vários elementos não utilizados do livro de 1956 para robustecer a narrativa.

101 Dálmatas (101 Dalmatians – EUA/Reino Unido, 1996)
Direção: Stephen Herek
Roteiro: John Hughes (baseado em romance de Dodie Smith)
Elenco: Glenn Close, Jeff Daniels, Joely Richardson, Joan Plowright, Hugh Laurie, Mark Williams, John Shrapnel, Tim McInnerny, Hugh Fraser, Zohren Weiss, Brian Capron, Frank Welker
Duração: 103 min.

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