Home TVTemporadas Crítica | 13 Reasons Why – 2ª Temporada

Crítica | 13 Reasons Why – 2ª Temporada

por Gabriel Carvalho
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Contém spoilers da primeira temporada e leves revelações da segunda.

Hannah Baker (Katherine Langford) se foi. A história por trás da decisão que levaria uma jovem garota a tirar a sua própria vida foi contada na primeira temporada de 13 Reasons Why, marcando muitas pessoas através de fitas gravadas por ela antes de sua morte. As omissões de alguns foram realçadas fortemente e os erros de outros deram espaço para o arrependimento, mas também para a esquiva, para a covardia que tanto afetou Hannah Baker no passado quanto, na segunda temporada, ameaça fazer com que a sua imagem seja desgastada pelos veículos midiáticos e a justiça se volte a favor daqueles que deveriam ter feito algo para impedir uma tragédia. Olivia Baker (Kate Walsh) se mantém contrária à escola em que Hannah, sua filha, estudou, movendo com unhas e dentes um processo que revelará mais camadas da história da garota. Em termos de experiência audiovisual, indo além da história em si, temos uma espécie de drama de tribunal. Assim como a temporada passada, que decidiu por esticar cada fita em um único episódio, das mais importantes às menos, a segunda temporada opta pela mesma coisa, colocando cada um dos depoentes para mover uma narrativa própria. Dessa forma, o seriado mantém aquela estrutura de voice-over, buscando deixar bem claro, através do que é dito nos depoimentos, a intenção dos realizadores com as demais cenas, que acontecem ao mesmo tempo. 13 Reasons Why quer tocar os adolescentes, mudar suas vidas, mas será que ela faz isso da melhor maneira?

Com isso, primeiramente, a temporada assume uma posição emburrecedora, previsivelmente encaminhando um futuro para o que quer que esteja acontecendo paralelamente ao julgamento, ao ponto que a verdadeira natureza do que é dito pelos personagens acaba sendo questionada. Afinal, por que todos os adolescentes querem passar alguma lição de vida, mostrar algum conhecimento sobre a mentalidade humana e desenhar traços da personalidade de Hannah, além dos componentes que lhe afligia? Por que não distinguir a personalidade de cada um dos coadjuvantes, moldando uma fala mais encorpada para o garoto da poesia, uma mais persuasiva para o político e uma mais emotiva para algum outro? Na realidade, o que a segunda temporada de 13 Reasons Why passa é uma confusão discursiva, que vai se mesclando nessa insanidade dos realizadores em espremer o máximo possível de um formato desnecessário. Para piorar, essa tática cansa um espectador já entediado por ouvir diversas falas redundantes, que martelam a mesma mensagem na cabeça e faz juízo de valor da capacidade do fã em assimilar a intenção discursiva do seriado. São monólogos extensos e sem sentido, visto que, dentro do tribunal, os personagens nunca falam tão extensivamente e de uma maneira tão subjetiva quanto a feita nos voice-overs. Sendo assim, em qual ponto o seriado realmente acerta na abordagem de temas tão delicados?

Se a primeira temporada foi alvo de críticas ferrenhas, por parte de especialistas e críticos de cinema, sobre a responsabilidade da mídia na hora de trabalhar o suicídio para o grande público, a segunda temporada mantém seus olhares mais atentos para a questão da cultura do estupro. No colégio em que Hannah Baker estudava, muitas outras garotas também foram atacadas, assediadas e violentadas por rapazes. Hannah não foi a única, como aponta a primeira polaroide, objeto que desperta um senso de mistério tanto no público quanto em Clay Jensen (Dylan Minnette, ainda bem no papel), melhor amigo da menina e que recebe a foto anonimamente. De uma maneira mais responsável, 13 Reasons Why abrange essa temática e diferentes aspectos dela. O comportamento destrutivo de Hollywood é referenciado no apontamento da série às pessoas que, apesar de não se envolverem diretamente com os criminosos, acobertam seus crimes. Em montagem específica, fora do cânone ou não; uma dúvida é deixada para o público responder, entendendo, mesmo assim, a dimensão desse fenômeno; diversas personagens femininas revelam as situações de abuso que passaram no passado ou ainda passam. A segunda temporada da série também expande o discurso para o machismo entrelaçado no discurso de julgamento sobre a atividade sexual de garotas. Sua melhor amiga se tornaria uma completa desconhecida se você descobrisse que ela teve relações com vários garotos? E o seu amigo? O discurso se manteria o mesmo?

Mas Hannah Baker não se foi realmente. A personagem retorna para o seriado como uma espécie de fantasma, permeando os pensamentos de Clay. O óbvio artefato narrativo, pedinte de uma suspensão da descrença fortíssima, alavanca uma outra faceta dessa segunda temporada, também relacionada com essa questão machista: quem Hannah Baker passa a se tornar para aquelas pessoas após certas descobertas? Infelizmente, toda essa carga é depositada sobre o personagem de Clay, que passa a se tornar extremamente antipático para o público, ao ponto que contraria qualquer crença na realidade de quem sua amiga era, não como uma verdade absoluta, mas como uma verdade própria, subjetiva, mas ainda assim válida. A impulsividade do garoto, contudo, o fará tomar decisões realmente problemáticas, não apenas para a história em si, mas para a funcionalidade da construção de personagem sendo feita. Clay demora muito para mostrar qualquer evolução – como exaltado pela inesperada relação com Justin Foley (Brandon Flynn). Ao mesmo tempo em que não perdoa Hannah pelo que ela fez, anseia uma vingança corrosiva por aqueles “responsáveis” pelo suicídio. De certa forma, isso também pode ser dito a demais personagens. Em um exemplo de contrapartida, Tyler Down (Devin Druid) passa por um arco bem definido e estruturado, desenvolvendo uma bonita amizade com Cyrus (Bryce Cass), além de estabelecer na série uma forma diferente de se responder a uma sociedade quebrada. Em um dos pontos altos da temporada, a violência assume uma vertente curiosa de união. Mas os realizadores anseiam por destruir tudo para priorizar uma abertura ainda maior para demais temáticas.

Sendo assim, a discussão sobre porte de armas, uma alusão aos massacres em escolas, realidade trágica do solo norte-americano, surge em cena, desenvolvida para que 13 Reasons Why seja ainda mais “relevante” para o público. Um alvo não basta, os realizadores querem atingir todos. A série acaba sendo cruel com o público, que acompanha a descoberta de uma felicidade para certo personagem, fazendo-o testemunhar mais desgraça, retratada de uma maneira consideravelmente explícita. A irresponsabilidade, no caso, beira o sadismo, visto que se dá espaço para mais ações irreversíveis, enquanto problemáticas relacionadas a sexualidade poderiam ser abertas de um modo não tão agressivo, como se é feito pontualmente, durante uma ida ao cinema, a qual é esquecida posteriormente. O evento que acontece, dessa forma, é a mera causa para o que realmente está em pauta, mas não a pauta por si. Todavia, o seriado vai ganhando mais forma quando estabelece as relações humanas entre os personagens. Embora falhe em diversas tentativas, algumas deixadas de lado a medida que o seriado progride na temporada, as interações ganham mais força na dupla Zach Dempsey (Ross Butler) e Alex Standall (Miles Heizer). O primeiro desenvolve camadas, moldando-se como uma ilustração mais relacionável para o público, porém ainda questionável. Já Ryan Shaver (Tommy Dorfman), Sheri Holland (Ajiona Alexus) e Courtney Crimsen (Michele Selene Ang) ficam completamente avulsos a tudo isso, não sendo bem amarrados ao todo da trama como Marcus (Steven Silver), outro personagem menor, é. A costura dos eventos e da importância dos personagens, o que eles têm para fazer na narrativa, é, enfim, desalinhada.

Contudo, o objetivo dado pelo roteiro ao conselheiro do colégio, Kevin Porter (Derek Luke), combina com a resolução da narrativa envolvendo a mãe de Hannah, Olivia. Ambos se culpam de um passado de omissões, de desacordos com a real gravidade das situações em que se envolveram. 13 Reasons Why faz um bom trabalho em explicitar esses desacordos, criando montagens entre o que aconteceu com o que poderia ter acontecido, o que se configura em um senso de contraste e, acima de tudo, de desesperança. A escola poderia ter feito algo para impedir a tragédia, deveria no caso, como parte da relação de serviço estabelecida contratualmente, mas Olivia sente a parcela de sua culpa, da sua ausência como mãe. Já no caso de Kevin Porter, as coisas tomam diferentes proporções. O sentimento de impotência é extremo, e o conselheiro, movido por um aprendizado, transforma-se completamente, começando a correr atrás dos problemas, e não esperando eles chegarem até ele. Dessa forma, Derek Luke ganha um cenário favorável para uma exploração maior de sua interpretação, indo de um camada brutal, pontuada também sobre uma vertente cômica, passando pela atenciosa, capaz de ouvir mais o que os seus estudantes têm para falar, e chegando finalmente a sua faceta inconsolável, um vazio incurável. Por último, o marido de Olivia, Andy (Brian d’Arcy James), também retoma suas funções na narrativa, mais afastado do cerne que a esposa, porém ainda presente, responsável por certas reviravoltas no status quo daqueles ao seu redor. O seguir em frente ganha outras denotações, as quais fazem parte de um processo de enfrentamento da vida depois de Hannah Baker.

Completando uma visão desfavorável acerca do retorno da série, o já mencionado desnecessário alongamento da segunda temporada também acaba evidenciando as falhas na elaboração do thriller adolescente factual. Os efeitos disso, consequentes a uma fraca costura, acabam diminuindo a fluidez do desenrolar do drama de tribunal. Novas figuras, algumas vindas de um passado distante de Hannah, aparecem, mas há pouco a ser extraído delas. As digressões são inúmeras, e o senso de perigo não é verdadeiro, sendo mais evidente em situações corpo a corpo do que nas meras ameaças, as quais pouco afetam realmente o dia-a-dia dos personagens. Ademais, enquanto certos flashbacks funcionam, outros são reiterações repetitivas, como quando Jessica começa a entrar em pânico em um provador. A atriz Alisha Boa tem uma poderosa performance nesse momento, que, todavia, é “amenizada” por uma montagem incapaz de permitir o guia do espectador ser a atuação. No mais, certas subtramas revelam-se interessantes, como a envolvendo a nova namorada do maligno Bryce (Justin Prentice), ao passo que outras desapontam, como a que surge diante da tentativa de suicídio de Alex, no final da primeira temporada. Sendo assim,  apesar de 13 Reasons Why provar ter realmente algo a dizer, manejando para atuar, na hora de proferir seu discurso, de uma maneira mais responsável – não integralmente, porém – a execução de sua segunda temporada é dada por meio de várias falhas, permanecendo-se, portanto, abaixo de outras realizações sobre o universo adolescente, mesmo ao depositar considerável carisma em seus personagens.

13 Reasons Why – 2ª Temporada — EUA, 2018
Criado por:
 Brian Yorkey
Direção: Gregg Araki, Karen Moncrieff, Eliza Hittman, Michael Morris, Kat Candler, Jessica Yu, Kyle Patrick Alvarez
Roteiro: Brian Yorkey, Thomas Higgins, Marissa Jo Cerar, Hayley Tyler, Nic Sheff, Julia Bicknell, Felischa Marye, Kirk Moore, Rohit Kumar
Elenco: Dylan Minnette, Kate Walsh, Katherine Langford, Christian Navarro, Alisha Boa, Brandon Flynn, Derek Luke, Amy Hargreaves, Justin Prentice, Ross Butler, Devin Druid, Jillian Nordby, Miles Heizer, Anne Winters, Michele Selene Ang, Samantha Logan, Steven Silver, Ajiona Alexus, Tommy Dorfman, Bryce Cass, Brian d’Arcy James, Timothy Granaderos, Sosie Bacon, Josh Hamilton, Chelsea Alden, Jake Weber, Brenda Strong, Meredith Monroe, Brandon Butler, R.J. Brown, Joseph C. Phillips, Kelli O’Hara, Cindy Cheung, Ben Lawson
Duração: 13 episódios de aprox. 1h cada.

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