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Crítica | 1492: A Conquista do Paraíso

Paraíso perdido.

por Ritter Fan
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Conforme aprendemos em 1492: A Conquista do Paraíso, segundo filme noventista de Ridley Scott produzido como parte das comemorações dos 500 anos da viagem de seu protagonista, Cristóvão Colombo foi um homem bondoso, honesto, pio, mas respeitoso à ciência e, claro, um visionário único que enfrentou as autoridades da época e que, com muito sacrifício, descobriu o Novo Mundo e abriu as portas das Américas para os demais europeus, bem menos iluminados do que ele, obviamente. Ele foi, basicamente um santo que a Igreja Católica esqueceu de canonizar, ou, claro, a figura histórica que era ensinada na escola em priscas eras, ainda que, na escola, sendo muito sincero, tudo o que aprendi sobre ele foi seu nome, o que ele fez em uma frase composta de três palavras – “descobriu a América” – e os nomes dos três navios, mais nada seja elogioso, seja condenatório…

Minha ironia acima não quer dizer, porém, que o filme de Scott não é o que poderia ter sido em razão das imprecisões históricas (eufemismo, eu sei), pois condenar um longa metragem ficcional, mesmo que baseado em fatos reais, por esse defeito que sequer considero um defeito é no mínimo estranho e uma preguiça gigantesca se a conclusão for que as pessoas assistem a obras audiovisuais e automaticamente aceitam tudo o que está lá como verdade absoluta (isso sempre existiu, muito antes de o Cinema ser inventado e tem uns livrinhos religiosos por aí que são levados ao pé da letra que deixam meu ponto bem claro). Uma obra ficcional não tem e não precisa ter compromisso com a verdade fática, ainda que eu volta e meia ainda tenha esse tipo de discussão com muita gente.

O que Ridley Scott fez, muito claramente, foi uma obra comemorativa, com o objetivo expresso e evidente de santificar Cristóvão Colombo, fechando os olhos para tudo o que ele fez quando colocou os pés na ilha de Guanahani, rebatizada de São Salvador e que o próprio explorador escreveu que fez, ou seja, nem ele escondia que não era o santo mostrado no longa. Dito isso, aqueles adjetivos elogiosos que usei no primeiro parágrafo para jocosamente qualificar Colombo são tão verdadeiros no filme e levados tão ao pé da letra pelo roteiro que eles tornam o personagem vivido por Gérard Depardieu completamente desinteressante, sem um arco de desenvolvimento minimamente decente para além do “queria descobrir o Paraíso, mas ele foi retirado de mim” ou coisa semelhante, que o ator francês fala inglês com seu forte sotaque original como se seu personagem não fosse um genovês radicado na Espanha.

Esse e não as inconsistências históricas é o verdadeiro grande problema de 1492: A Conquista do Paraíso, já que um protagonista modorrento como o que ocupa a tela por tempo demais acaba contaminando toda a progressão narrativa sem que efetivamente seja possível mergulhar em seu drama ou acreditar em sua pureza de coração. E eu de forma alguma quero dizer que a roteirista e o diretor precisavam transformar Colombo na figura malvadona de seu inimigo nas Índias Ocidentais, o nobre espanhol Adrián de Moxica (Michael Wincott vivendo mais um vilão que é tão vilanesco que chega a ser cômico), mas sim que ele poderiam ter feito algum esforço para ele parecer humano, ter atitudes temperadas e não sempre puras e perfeitas. Nem mesmo as melhores cinebiografias de Jesus Cristo fazem isso com seu protagonista, oras!

O filme, portanto, sofre muito com essas escolhas estranhas para o personagem de Depardieu, algo que só é solidificado pela constelação de outros personagens que, mesmo vividos por atores de qualidade como Sigourney Weaver, Fernando Rey, Frank Langella, Armand Assante e Mark Margolis, ou parecem caricaturas ou arquétipos de um gênero, sem a menor tentativa de emprestar-lhes algum tipo de profundidade dramática para além de seus objetivos imediatos nas breves aparições que têm. É quase como ver um filme que só tem um protagonista unidimensional cercado por diversos outros que eu nem sei se classificaria de verdade como personagens, pois mais parecem parte do cenário, talvez com exceção de Moxica que é, como não poderia deixar de ser, o antagonista unidimensional.

Mas, falando em cenário, a coisa muda completamente de figura. O longa é mais uma demonstração do quanto Ridley Scott preza pelo design de produção de suas obras, algo demonstrado desde sua estreia na direção para o cinema, com Os Duelistas. A equipe comandada por Norris Spencer, seja a direção de arte de Benjamín Fernández, os figurinos de Charles Knode e Barbara Rutter ou os cenários de Emilio Ardura e Ann Mollo, é de um primor técnico inacreditável, especialmente nas locações na Europa, algo que a fotografia de Adrian Biddle captura com muita luz natural ou iluminação artificial com esse efeito em mente, de forma a capturar as sombras e a escuridão que refletem as mentes e intenções dos futuros invasores, algo que é contrastado pela abordagem naturalista quando o Novo Mundo é finalmente alcançado.

E, claro, não posso me esquecer – é impossível, na verdade! – da magnífica trilha sonora composta por Vangelis em sua segunda e última colaboração com Scott. Se o design de produção empresta o caráter épico que o filme precisava, são as notas do compositor grego que elevam a produção a algo de efetivo destaque, mesmo com seus graves problemas. Eis um caso razoavelmente raro em que a trilha sonora real e profundamente enobrece uma obra audiovisual ao ponto de ser claramente muito melhor do que o material a que foi sincronizada. Mesmo que ela, no filme, exista para “falar” de Cristóvão Colombo com as lentes mais do que benevolentes de Scott, não há como não abrir um sorriso quando ela toma conta dos quadros da história sendo contada.

1492: A Conquista do Paraíso tenta contar uma fábula eurocêntrica sobre Cristóvão Colombo, mas falha até nisso, restando, apenas, um longa-metragem que vale a conferência por sua beleza estética e por sua magnífica trilha sonora e, talvez, para ver alguns atores veteranos normalmente esquecidos em grandes produções. Ridley Scott demoraria ainda oito anos para voltar a filmes de época, mas seu retorno seria triunfal e inegavelmente superior ao que ele fez aqui, mais uma vez mostrando que ele não se abate com seus fracassos, muito ao contrário.

1492: A Conquista do Paraíso (1492: Conquest of Paradise – Reino Unido/França/Espanha, 1992)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Rose Bosch (Roselyne Bosch)
Elenco: Gérard Depardieu, Armand Assante, Sigourney Weaver, Loren Dean, Ángela Molina, Fernando Rey, Michael Wincott, Tchéky Karyo, Kevin Dunn, Frank Langella, Mark Margolis, Kario Salem, Billy L. Sullivan, John Heffernan, Arnold Vosloo, Steven Waddington, Fernando Guillén Cuervo, José Luis Ferrer, Bercelio Moya, Juan Diego Botto, Achero Mañas, Fernando García Rimada, Albert Vidal, Isabel Prinz, Jack Taylor, Ángela Rosal, Silvia Montero
Duração: 156 min.

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