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Crítica | 1808, de Laurentino Gomes

Uma "Revista Caras" divertida sobre a História do Brasil.

por Luiz Santiago
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Quase tudo o que um leitor interessado em História precisa saber sobre a abordagem deste livro, pode ser encontrado no subtítulo da obra, que diz assim: “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil“. É com este ponto de vista meio cômico, meio cínico, meio “carona de brasileiro leitor de Revista Caras” e meio factualmente histórico que o escritor e jornalista Laurentino Gomes traça o seu caminho de abordagem sobre a transferência da Corte portuguesa para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, no ano de… adivinhem… 1808.

A obra é um híbrido entre romance histórico e pesquisa histórica mais séria. Não chega a ser nem uma coisa nem outra, mas, novamente, a proposta é tornar acessível, engraçada, fluída e comercial coisas que vão desde o finzinho da Revolução Francesa e chegada de um certo General baixinho ao poder, na França, até um pouquinho depois do retorno da Família Real para a metrópole, com um encerramento consideravelmente elegante, pensando em termos de organização do tema e da capacidade de o autor amarrar pontas soltas ao longo da narrativa. A leitura de 1808, portanto, é capaz de apresentar superficialmente os fatos em relação ao período que aborda, mas também toma a liberdade de jogar com o lado personalíssimo da História, dando aberturas para cacoetes, jequices, fofocas e inadequações de personalidades que, em caráter verdadeiramente histórico, não tem importância alguma. Mas para um livro híbrido como este, é a sua verdadeira identidade. E nesse ponto, sim, o autor faz bem o que propõe.

O que não se deve acreditar é que, com a leitura de 1808, o indivíduo se tornará capaz de analisar corretamente qualquer coisa relacionada aos temas da obra. Esta não é nem a intenção do livro e ele não fornece base alguma para esse tipo de direcionamento. Em vez de investigação econômica da metrópole em finais do século XVIII e início do século XIX, o que ganha espaço em suas páginas são as piadinhas com as coxas de frango devoradas por D. João VI. Em vez de exploração da organização social europeia a partir do Bloqueio Continental, o que ganha espaço são os gritos carolas da rainha D. Maria I, a Louca, achando que levavam-na para os ciclos infernais. Em vez de discussão sobre os nós da política de Corte em Portugal, sua relação com as colônias e especialmente com o Brasil após Pombal, o que ganha destaque são os xingamentos de D. Carlota Joaquina e as criancices de Pedro, que por ironia, seria o oficializador da independência do Brasil e seu primeiro Imperador.

A escrita de Laurentino Gomes é leve e instigante. E ele foi bastante honesto ao propor e divulgar algo com esse teor histórico misto, sem esconder a sua verdadeira intenção. Diferente de toneladas de “livros de História” (sim, as aspas aí são o puro deboche) que foram e são cometidos no Brasil e lá fora, até hoje, 1808 não se arvora como “bastião da verdade“; não se vende como distúrbios mentais do tipo “isso o seu professor-doutrinador de História comunista não te ensina“; e principalmente, não se propõe a dar palavra definitiva nenhuma, revelar verdades ocultas ou defender teses absurdas sobre esse período da História do Brasil. Exatamente o contrário do que a tal tonelada de “livros de História” nas últimas décadas faz por aí.

O mais legal é que o autor verdadeiramente trabalha fatos históricos no meio de toda a exposição à la Fofocas Quentinhas da Corte. Ele não apenas cita aleatoriamente documentos e livros, mas faz um correto uso dessas fontes na obra e, mais importante de tudo, não manipula, não oculta partes de documentos a fim de tentar mentir sobre alguma coisa ou simplesmente inventar groselhas que se encaixem em seus delírios pessoais, como vemos em qualquer sílaba já manipulada escrita por Leandro Narloch em seus podres “Guias“, por exemplo. Este é um livro que pode servir de porta de entrada para muita gente a conteúdos relacionados à História. Não é profundo, mas também não se pretende ser. Não é formador, no sentido crítico, mas também não pretende ser. É uma obra que coloca o leitor em contato com fatos históricos simples e uma grande quantidade de eventos cotidianos que podem chamar muita atenção do público geral. Não espanta nada que tenha feito tanto sucesso e gerado não só livros sobre importantes eventos seguintes (como a independência do Brasil em 1822, ou o golpe da proclamação da república, em 1889), escritas pelo próprio autor, como versões despreocupadas com qualquer honestidade, histórica ou literária, escritas pelas horrendas figurinhas carimbadas do lamaçal teórico e jornalístico brasileiro.

1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil — Brasil, 2008
Autor: Laurentino Gomes
Editora original: Planeta
414 páginas

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