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Crítica | 1883

Explorando as Grandes Planícies.

por Kevin Rick
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A primeira expansão de Yellowstone toma forma em 1883, uma série que nos leva ao início da linhagem Dutton no final do século 19, antes da família dominar Montana. Já temos mais spin-offs confirmados e outros em rumores do que agora é um universo televisivo criado por Taylor Sheridan ao redor do meio oeste americano. O primeiro passo é extremamente interessante, saindo do contexto contemporâneo da obra protagonizada por Kevin Costner, para nos levar a uma jornada pelas Grandes Planícies, narrando a história da família Dutton durante a grande migração ocidental americana.

A narrativa acompanha James Dutton (Tim McGraw) e sua esposa Margaret (Faith Hill) – ambos atores casados na vida real e também famosos cantores de música country, em um curioso casting de Sheridan -, juntos de seus filhos John Sr. (Audie Rick) e Elsa (Isabel May), procurando uma terra no oeste para se estabelecerem. No caminho, a família forja uma parceria com os agentes da Pinkerton Shea Brennan (Sam Elliott) e Thomas (LaMonica Garrett), que estão liderando um trem de carroças cheio de imigrantes europeus e um rebanho de gado, saindo de Fort Worth, Texas, para algum lugar em Oregon.

Enquanto Yellowstone é um ranch story tratando sobre transição e revisionismo crítico do gênero, 1883 apresenta uma história de expedição e um olhar clássico para a violência e o deslumbramento do faroeste. Seguindo a corrente do trabalho televisivo de Sheridan até o momento, a série tem visuais cinematográficos arrebatadores, se aproveitando da história de exploração para usar e abusar dos espaços da jornada, de sequências panorâmicas e recriações de momentos que nos colocam diegeticamente no ano que dá título à obra. O desenho de produção é esteticamente metódico e vistoso em todas as frontes, desde os excelente figurinos, a cenografia das poucas cidades e tabernas, e as trilhas de carroças lindamente encenadas.

Em suma, a obra se aproveita do seu encadeamento de exploração e descobrimento para criar força com as imagens (como a que temos em destaque) e nos envolver na perigosa jornada do oeste com inúmeros momentos visualmente memoráveis. Yellowstone também contém uma produção de alto valor, mas Sheridan entende como o diferencial de 1883 está no período e no seu olhar tradicional do gênero,  oferecendo ares épicos ao spin-off. No entanto, também é possível notar similaridades na abordagem do showrunner, tanto na narrativa que circula dramas familiares quanto na busca de um retrato natural do modo de vida que estamos assistindo.

Sheridan faz uma representação de como seria uma viagem no oeste, seus perigos, seu encanto e suas diferentes culturas. Como eu disse, é semelhante a maneira como o artista aborda a vida caubói em Yellowstone, mas na minissérie existe uma busca ainda maior pela iconografia do gênero, desde duelos armados, perseguições de bandidos, lutas com povos indígenas e todo o alfabeto do faroeste incrustado no imaginário coletivo. Até mesmo a escalação de dois ícones da música country e também de Sam Elliott, provavelmente o ator vivo que mais se assemelha à figura masculina do gênero, são indicativos da homenagem e reprodução artística que ele faz deste recorte territorial americano que viemos a amar no audiovisual.

Além disso, há uma ilustração raramente vista no western, a versão “antagonista” da própria natureza. Começamos vendo o efeito impiedoso da varíola; depois a morte pela cólera após personagens beberem água do rio sem ferver; homens esmagados por vagões; cobras atrás de arbustos; as planícies e desertos sem vida; a força de um tornado; e até mesmo atravessar um rio de carroça era um desafio à morte. A abordagem realista é parte intrínseca do estilo narrativo de Sheridan, criando, aqui, um panorama geral do inferno na Terra que é o dia-a-dia dos viajantes. Confesso que o tratamento de “o velho-oeste é perigoso” perde um pouco do brilho com a repetição a cada episódio, mas existe algo realmente especial no desenvolvimento autêntico e cotidiano que Sheridan empresta à jornada. É uma série épica? Com certeza, mas banhada pela forma banal e ordinária que a morte chega, como, por exemplo, a cruel sequência do afogamento de imigrantes.

Chegamos, agora, à curiosa e divisiva escolha da série: trabalhar a narrativa através da perspectiva de Elsa, a verdadeira protagonista de 1883.  Logo de cara, existe um comportamento anacrônico da personagem (uma mulher) no período, mais e mais gritante à medida que o grupo avança na viagem, trazendo momentos divertidos nas reações dos homens, uma ironia gostosa em situações de aventura e a representatividade feminina que falta no gênero. Pelos olhos e atitudes de Elsa, a obra mostra a crueldade e a beleza do período. Ela é curiosa, quer explorar aquele mundo e está sempre “vagando”. Quando conhece uma cultura (caubói, indígena), Elsa se torna parte daquilo com fervor, se vestindo, aprendendo costumes, lutando pelo modo de vida e amando homens. Sheridan empresta um olhar observador e ingênuo à personagem, transformando-a em simbologia da proposta da obra: afirmar a violência mas enxergando a beleza. Nesse sentido, o desfecho da personagem é perfeito, tornando-se parte da jornada do oeste.

A principal dificuldade que tenho com este caminho narrativo, porém, está em como o cunho pessoal rouba a sensação de aventura e exploração, gradativamente diminuindo o escopo do faroeste de expedição para um estudo de personagem. Sei que, aqui, estou lutando com a proposta, mas confesso que meu gosto subjetivo prefere o tom épico que existe no começo e no desfecho da minissérie. Além de que Sheridan se enamora demais com Elsa em vários episódios, dando extremo enfoque para seus dilemas internos no enfadonho voice-over, também falhando em explorar núcleos apresentados, como o contexto da guerra, a cultura nativo-americana, a camada íntima dos imigrantes e o drama familiar dos Dutton, assim como peca no desenvolvimento de outros personagens importantes na trama, em especial o estranhamente desperdiçado Sam Elliott.

Ainda assim, o personagem interpretado pelo eterno bigodudo protagoniza, na minha opinião, a melhor cena da minissérie, encapsulando os temas da obra em um momento sobre a contradição de viver no velho-oeste, me lembrando a catarse do filme Fogos de Artifício. Por fim, eu diria que 1883 é uma obra com valor de produção de alta qualidade, uma experiência autêntica da perigosa jornada pelo oeste, uma poesia bela e trágica, onde tudo que os personagens têm é a jornada, seu fascínio e suas ameaças. Em sua própria travessia narrativa, a obra encontra problemas, mas se mantém como uma grandiosa expansão do universo criado em Yellowstone.

1883 — EUA, 2022
Criação: Taylor Sheridan
Direção: Christina Voros, Taylor Sheridan, Ben Richardson
Roteiro: Taylor Sheridan
Elenco: Sam Elliott, Tim McGraw, Faith Hill, Isabel May, LaMonica Garrett, Marc Rissmann, Audie Rick, Eric Nelsen, James Landry Hébert, Noah Le Gros
Duração: 10 episódios de aprox. 60 min.

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