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Crítica | 1900 (Novecento)

por Guilherme Rodrigues
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1900 abre revelando suas intenções épicas e românticas, com um zoom out do quadro “O Quarto Estado”, do pintor italiano Giuseppe Pellizza da Volpedo. A principio focado só em um rosto, o quadro se abre e revela a massa de trabalhadores, que caminha com expressões resolutas em seus olhos. Liderando a massa, estão dois homens e uma mulher, que carrega seu bebê a tiracolo, ao fundo, está a paisagem verdejante italiana.

Há um senso de coletividade na pintura, as figuras do grupo de proletários conversam umas com as outras, gesticulam, não são meras figuras sendo guiadas pelo trabalhador ao meio do quadro. Juntos caminham com confiança. Mesmo na tela é possível sentir que se trata de um quadro grande. E é, suas dimensões são de 3 metros por 5,45.

Ao longo das 5 horas de 1900 Bertolucci irá tentar capturar a atmosfera dessa pintura, um ode a coletividade dos proletários, mas toma certa decisões questionáveis para conseguir esse feito. A produção conta a história da Itália durante boa parte do século 20, começando em 1900, e indo até o fim da II Guerra Mundial, em 1945, e se foca em dois personagens, que apesar de estarem em lados opostos da história, estão intimamente ligados, e chegaram a nascer no mesmo dia. Olmo (Gerard Depardieu) é filho uma mãe solteira,  e é criado por camponeses, especialmente o seu avô (Sterling Hayden), um homem com grandes convicções socialistas e profundamente respeitado por outros trabalhadores, e até mesmo por seu chefe, Alfredo (Burt Lancaster), que também comemora um nascimento, o do seu neto, que carregará o seu nome, interpretado por Robert De Niro.

As coincidências da vida os levarão a ser amigos, mas as condições de cada um os darão caminho diferentes. Enquanto Olmo se torna uma espécie de líder para os camponeses tal qual seu avô, liderando greves e afins, Alfredo se torna dono de terras, e passa a se envolver com o fascismo, especialmente por meio da figura de Attila (Donald Sutherland), um capataz fascista que pouco a pouco passa a adquirir mais poderes na sua luta contra os trabalhadores.

A personificação dessas ideologias históricas acaba sendo uma faca de dois gumes para narrativa. Por um lado, funciona como uma espécie de síntese, dando um aspecto simbólico que ajuda a imbuir algumas cenas com grande significado, como o surgimento do fascismo, por exemplo, que se dá por meio de uma cena em que Attila coleta doações de fazendeiros ricos dentro de uma igreja.

Mas o resultado que predomina é que esse aspecto mais histórico do longa acaba se perdendo nessa perspectiva mais “micro” da história do século XX, tanto que a real tomada de poder pelo fascismo é informada subitamente por um personagem. A narrativa não parece fazer parte desse grande momento histórico, mas sim algo que acontece separadamente, com personagens que fazem alusão a essas questões. Assim, o senso de coletividade acaba se perdendo, o fascismo se reduz a Attila/Alfredo, e o socialismo é pontuado por breves momentos de ação coletiva entre os trabalhadores, mas nunca de modo muito organizado. Em certo momento, Olmo tenta ajudar dois colegas que estão sendo presos, e grita “O partido não te abandonará!”, a cena tem o tom romântico apropriado, Olmo está heroico com seu revólver em punho enquanto o sol pinta o céu de cores alaranjadas, mas a frase não tem muito efeito: que partido é esse que pouco apareceu na história?

Não ajuda muito as estranhas digressões que Bertolucci realiza ao longo da narrativa, como o momento em que os jovens Olmo e Alfredo comparam suas genitais, ou quando os dois, já adultos, tentam transar com uma mulher que se revela ser epilética. Cenas de sexo ou de cunho sexual são frequentes e pouco acrescentam a história.

Difícil deixar de reparar também que, para um filme que abre com o rosto rustico de um trabalhador, quem conduz efetivamente a trama são, na verdade, os rostos asseados e bem barbeados das grandes estrelas do longa, enquanto os rostos mais comuns são relegados a segundo plano, servindo para da ares de “autenticidade”, mas que só existem para dar suporte aos astros internacionais. 

Particularmente, não gosto de afirmar que determinado filme deveria ter duração X ou Y, mas é difícil não perceber que muito do que preenche 1900 pouco agrega ao todo, e que as 5 horas poderiam facilmente ser duas horas e meia de uma narrativa muito mais interessante do que o épico inchado do produto final.

1900 (Novecento) – 3 de setembro de 1976
Direção: Bernardo Bertolucci
Roteiro: Franco Arcali, Giuseppe e Bernardo Bertolucci
Elenco: Robert De Niro, Gerard DePardieu, Donald Sutherland, Burt Lancaster, Sterling Hayden, Dominique Sanda, Stefania Sandrelli
Duração: 317 min.

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