Home FilmesCríticas Crítica | 1922 (2017)

Crítica | 1922 (2017)

por Gabriel Carvalho
860 views

2017 está sendo um glorioso ano para as adaptações cinematográficas das obras de Stephen King, o qual tem seu nome vinculado a filmes como It – A Coisa e Jogo Perigoso. A mais nova produção inspirada nos seus escritos chegou recentemente pela Netflix e, baseada em um conto do autor lançado no livro Escuridão Total, Sem Estrelas, apresenta, dentre as adaptações lançadas este ano, a mais mórbida de todas. Em uma pacata fazenda, as definições de tradicional família estadunidense, fundada em bons valores e ensinamentos cristãos, escondem as verdadeiras feições da mulher avarenta; do filho impulsivo; do homem calculista. Não estamos diante de um terror de proporções gigantescas, escapista, e/ou extremamente complexo, mas sim de uma história simples, relacionável na desesperança do homem com o próprio homem, às cegas diante de tantos erros. Os meios são grotescos e os fins são ilusórios. O crime não compensa em 1922.

O roteiro, do também diretor Zak Hilditch, nos leva à confissão de Wilfred James (Thomas Jane), um homem de princípios questionáveis, que outrora tivera uma presumida família ideal, mas que hoje lamenta na solidão os seus pecados arrependidos – mas não perdoados. Isto porque, após assassinar a sua esposa, a qual ameaçava Wilfred de vender os seus 40 hectares de fazenda e de levar Henry (Dylan Schmid), filho do casal, consigo, Wilf acaba trazendo extrema desgraça para a vida dos que restaram vivos. O jovem Henry, tendenciado a se envolver em uma vida criminosa, tem que lidar com um amor juvenil inconsequente, enquanto Wilf é revisitado pelo fantasma de sua antiga esposa.

Sendo assim, o desenrolar dos fatos que acometem pai e filho é conduzido de modo mordaz por Zak, desacelerando a obra em prol de um aprofundamento das metáforas abordadas por Stephen King em seu conto. Os primeiros pensamentos perturbados de Wilf (que vai de uma relação antagônica a sua esposa para uma relação homicida), são apresentados com extrema naturalidade e funciona, o que traz ao projeto uma conjuntura doentia e mundana. A forte presença de Thomas Jane é a maior aliada de Zak, não permitindo ao seu personagem cair em uma sátira de sua própria representação. É insanamente acreditável a atitude de Wilfred, e mesmo os mais otimistas acerca da prevalência da bondade humana sobre o mal, se pegarão pensando nos reais limites para a corrosão.

O diretor também acerta na densidade atribuída à “vingança” de Arlette (Molly Parker). Sem nunca ser diagnosticada definitivamente como ilusão ou realidade – tais suposições apenas por pinceladas agoniantes (a sequência no porão emerge uma claustrofobia devastadora; um senso de impotência intensificado novamente pela performance de Thomas Jane) – a presença da esposa de Wilf é maior do que se esperaria. A “graça” de 1922 é ver como o ato vil do passado é retomado no presente de forma a desconstruir a sanidade mental de Wilfred. Surpreendentemente, mesmo interpretando um assassino impiedoso, símbolo de flagelos morais, Jane consegue trazer empatia do público para o seu personagem, algo que também pode ser creditado ao roteiro de Hilditch e aos verdadeiros – e mais assustadores – vilões da obra: os ratos. Quem sofre de musofobia terá com 1922 um prato aterrorizantemente cheio.

Quem acaba, infelizmente, sendo colocado de lado por Hilditch é Henry, visto que o seu intérprete, Dylan Schmid, também não consegue empurrá-lo para frente, mesmo com os inúmeros ótimos diálogos entre pai e filho que hora ou outra surgem para ilustrar a relação. Hank, embora tenha colaborado com o assassinato de sua própria mãe, não foi movido pela mesma perversidade escondida no intrínseco de Wilf. Foi mais algo movido a oportunidades fáceis, não tão menos condenáveis quanto. Essa “oportunidade”, todavia, nunca teria sido prevista pela cabeça de Henry. Se dependesse apenas dele, provavelmente outro jeito teria sido encontrado. Como não dependeu, o garoto, devidamente influenciável, também aguardaria seu declínio o ver-se diante da namorada grávida, Shannon (Kaitlyn Bernard), levada consigo em uma jornada no melhor estilo Bonnie e Clyde.

Ademais, o ritmo de 1922 é desengonçado em certos momentos, com a obra dando sinais claros de arraste ao público. A obra, entretanto, ainda consegue entregar uma competente cinematografia e duas participações notáveis de Neal McDonough e Brian d’Arcy James, sendo este mais um bom representativo da literatura do Mestre do Horror. Thomas Jane é certamente uma grande surpresa, entregando uma forte figura e personificando um estudo de desconstrução eficaz. O mais novo lançamento da Netflix pode até não ser tão sufocante quanto Jogo Perigoso – apesar de se ter uma conclusão deveras mais satisfatória – porém certamente vale muito a pena desvencilhar-se nesse retrato de uma obscuridade tão presente hoje quanto em um já longínquo ano de 1922.

1922 — EUA, 2017
Direção:
Zak Hilditch
Roteiro: Zak Hilditch
Elenco: Thomas Jane, Molly Parker, Neal McDonough, Brian d’Arcy James, Dylan Schmid, Kaitlyn Bernard, Bob Frazer, Patrick Keating
Duração: 101 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais