Depois de um primeiro ano decepcionante, mas ainda com bastante potencial, 1923 retorna para sua segunda e última temporada. Mais uma vez, acompanhamos Jacob Dutton (Harrison Ford) e Cara Dutton (Helen Mirren) protegendo o rancho do magnata Donald Whitfield (Timothy Dalton), que quer transformar o espaço em um cenário turístico – praticamente uma repetição do plot final de Yellowstone -, esperando a chegada de Spencer Dutton (Brandon Sklenar) para ajudá-los. Enquanto o sobrinho dos octogenários está desbravando o oceano e o meio-oeste americano, sua esposa Alexandra (Julia Schlaepfer) decide deixar a Inglaterra para encontrá-lo em Montana. Paralelamente a tudo isso, Teonna Rainwater (Aminah Nieves) segue fugindo depois de matar as freiras que estupraram e torturaram ela.
Novamente, a qualidade de produção do seriado é um grande destaque. Das paisagens áridas do meio-oeste, a cobertura da neve no longo inverno de Montana, a ebulição de civilizações urbanas em um EUA rapidamente se tornando moderno e passagens no oceano, temos uma temporada com grande escala e com um cuidado técnico primoroso na recriação do período, passando pelos figurinos, cenários, temas musicais e bom uso de efeitos especiais quando necessário. A direção de Ben Richardson, que comanda todos os episódios, é embebida de escopo em seus planos abertos e foco na vastidão dos cenários da época, enquanto o texto de Taylor Sheridan segue priorizando uma narrativa de grandes jornadas que auxiliam nessa proposta visual, passeando não apenas por locais, mas por recortes históricos, como a Lei Seca, os estágios iniciais da Grande Depressão, o aumento do número de imigrantes indo para o país e, claro, a modernização aliada com a destruição na natureza, na velha batalha que essa franquia gosta de abordar.
Dito isso, a estrutura narrativa de Sheridan continua deixando a desejar em seus diversos núcleos diferentes que nunca se convergem. Esse foi meu problema principal no ano anterior e segue sendo um problema aqui, com a temporada sendo dividida em quatro tramas diferentes: Montana, com Jacob, Cara e companhia; a jornada de Spencer; a viagem de Alexandra; e a fuga de Teonna. Mais uma vez, a obra parece fragmentada e picotada, com problemas de ritmo e foco, principalmente na forma como o bloco em Montana segue se arrastando para que possamos esperar a tão prometida vinda de Spencer, escanteando, outra vez, as participações de Ford e Mirren, além de diminuir a presença do antagonista interpretado por Dalton (que segue fazendo um ótimo trabalho, mesmo em um tempo de tela reduzido). Para piorar, o arco de Teonna é completamente tangente à história principal, não se convergindo nem no ato final da temporada, quase como se fosse uma outra série separada do conto dos Dutton.
O que segura a temporada e que inclusive fez eu gostar mais do segundo ano, é o constante senso de perigo e de urgência. Tudo, literalmente tudo nesse universo é uma ameaça. O clima, uma estação de trem, uma parada no riacho, uma viagem de carro e até sentar na varanda é perigoso (dois personagens se encontram com uma puma fazendo isso), então há um nível de tensão e de interesse nas diversas jornadas que assistimos, por mais que muitas delas tenham conceitos ou desenvolvimentos dramáticos frágeis – a trajetória de Alexandra, por exemplo, é uma sucessão de escolhas estúpidas por parte da personagem. Ironicamente, a divisão de trama entre Spencer e sua esposa fazem bem à obra, que deixa de lado aquele romance cafona que acompanhamos na África, para termos algo próximo de uma história de amor tragicamente épica, incluindo coincidências comoventes, ainda que relativamente bobas. Seja Spencer derrotando criminosos, Alexandra sofrendo com perigos à espreita em diferentes formas, Teonna matando seus perpetradores ou até Jacob e Cara segurando o forte até receberem ajuda, 1923 segura a atenção da audiência mesmo entre diversos problemas.
De muitas formas, essa segunda temporada é representativa do trabalho recente de Sheridan: alto valor de produção, obras tecnicamente cuidadosas e premissas instigantes para o espaço da televisão, mas diversos cacoetes melodramáticos, roteiros superficiais (claramente de um autor no automático, repetindo temas, diálogos e personagens) e estruturas narrativas ruins que não deixam suas obras alçarem a qualidade dos seus primeiros trabalhos. O positivo supera o negativo, porém, com o pequeno conto de duas temporadas de 1923 tendo um clímax competente que recompensa parcialmente a audiência por toda a construção de núcleos diferentes ao longo da série, terminando em uma nota violenta, bem dirigida, cheia de tensão e com um desfecho melancólico que faz jus aos perigos constantes desse universo.
1923 — 2ª Temporada | EUA, 2025
Criação: Taylor Sheridan
Direção: Ben Richardson
Roteiro: Taylor Sheridan
Elenco: Helen Mirren, Harrison Ford, Brandon Sklenar, Julia Schlaepfer, Jerome Flynn, Darren Mann, Isabel May, Brian Geraghty, Aminah Nieves, Michelle Randolph, Timothy Dalton, Michael Spears, Jamie McShane, Jennifer Carpenter
Duração: 444 min. (oito episódios)