“No dia em que eu saí de casa
minha mãe me disse: Filho, vem cá!
Passou a mão em meus cabelos
olhou em meus olhos e começou falar
‘Por onde você for eu sigo
com meu pensamento sempre onde estiver
Em minhas orações eu vou pedir a Deus que ilumine os passos seus’…” –
Estrofe da música ‘No Dia em que eu saí de casa’, da dupla Zezé di Camargo e Luciano.
Contando a história de uma das duplas sertanejas de maior sucesso do Brasil, o filme 2 Filhos de Francisco – A História de Zezé di Camargo & Luciano foi um sucesso de bilheteria quando estreou, em 2005, arrancando lágrimas e emoção do público brasileiro, seja você fã ou não da dupla sertaneja citada. Além dos dois, a trama — baseada em fatos — conta a história de vida de Francisco Camargo, vivido pelo ator Ângelo Antônio, um trabalhador rural apaixonado por música e que sonhava com a carreira musical dos filhos. Sem dinheiro, sem instrução e, ainda, sem comida, o homem é um típico brasileiro como tantos pelo país afora, mas, ao mesmo tempo, tão poucos, afinal o talento é de muitos, ao passo que o sucesso se restringe a um número ínfimo de artistas. É brilhante e emocionante o tanto que o pai acreditou nos filhos apesar de todos os percalços da vida, em meio a uma ingenuidade e uma humildade, as quais se tornaram o maior trunfo dele: a luta em não desistir de um sonho.
No longa, embora haja poetização, como em qualquer obra cinematográfica – caso contrário, estaríamos debatendo a respeito de um documentário -, os elementos mais importantes estavam retratados da maneira mais realista e honesta possível, como a fome, o frio, os deslumbramentos da chegada à cidade grande, das decepções e, até mesmo, a presença de uma paralisia infantil, a qual acometeu um dos irmãos da dupla sertaneja. Tudo flui perfeitamente embora houve alguns pequenos deslizes no roteiro, como os excessivos e os intrusivos merchandisings (propagandas), a citar, por exemplo, a famosa logomarca do banco Bradesco, criada em 1997, perdida em uma cena ambientada no começo dos anos de 1990. Outro ponto negativo é a atuação um tanto engessada de Márcio Kieling, que, apesar da assustadora semelhança física com Zezé di Camargo, trouxe um quebra no ritmo da fase adulta dos personagens.
Já a direção de 2 Filhos de Francisco consegue agradar a todos quase de uma maneira unânime, pois não há apelo para pieguices ou a necessidade de passar imagens com o intuito de promover a carreira da dupla sertaneja, até mesmo porque antes do longa ser lançado eles já eram um estouro de sucesso pelo território nacional. É um filme cativante por si só, ou seja, sem precisar de apelações, a emoção é colossal nas duas horas de duração. Com a direção do então estreante Breno Silveira, temos um clima dinâmico, em que nenhuma cena é desperdiçada ou sem sentido, criando um longa exemplarmente encaixado. Ele, o Breno, conseguiu transmitir diversos sentimentos aos telespectadores, como a tristeza, na cena em que a família recebe o corpo do irmão falecido, o Emival (Marcos Henrique), após um gravíssimo acidente na estrada; a emoção, na parte em que uma das irmãs da dupla fala que está com fome, mas a mãe, a Dona Helena, interpretada pela atriz Dira Paes, pede a pequena que ela se deitasse para que, assim, a vontade passasse; e a comédia, na cena em que Emival e Mirosmar/Zezé di Camargo (Dablio Moreira) comem ovo cru dado por Francisco, todos eles no momento certo, em uma linda e delicada harmonia.
Acredito que a primeira metade do filme é a mais interessante, principalmente pelas excelentes interpretações dos atores mirins da época: Dablio Moreira e Marcos Henrique, os quais interpretaram a primeira dupla com muita verdade na primeira fase. No caso, a trajetória dos garotos é a verdadeira imagem de milhões de brasileiros que passam por dificuldades e buscam – por meio da conquista de um sonho – mudar de vida, seja na música, seja no futebol, por exemplo. Contudo, o grande trunfo é o elenco de veteranos: Dira Paes confere uma Dona Helena firme, uma mãe protetora, que faz de tudo para cuidar dos 09 filhos, seja na alimentação, seja na educação. Aliado a isso, temos o grande destaque que é a atuação de Ângelo Antônio: um homem ímpar, dando vida a um personagem rude, carinhoso, atencioso e, principalmente, lutador, para que os seus filhos pudessem ter uma mudança drástica de vida e, com isso, não vivenciassem mais as mesmas dificuldades que ele teve que enfrentar sendo um trabalhador comum. Nessa luta, ele vende diversos objetos, como queijo, porco e, até mesmo, uma arma para alavancar a carreira musical dos filhos e, ainda, vende centenas de fichas telefônicas para que a canção pudesse, dessa maneira, ser tocada nas rádios.
Outros personagens também são importantes, mas não têm grande destaque, a saber: Zilú, esposa de Zezé, interpretada por Palomma Duarte; Jackson Antunes e Lima Duarte, na pele de Zé do Fole e de Benedito, respectivamente, também aparecem de forma tímida, todavia garantem um charme à produção, a qual conta a trajetória singular de um simples agricultor brasileiro. É uma odisséia única e, completamente, especial. Destaque, inclusive, para a bela e tocante fotografia, mostrando o interior do estado de Goiás, mais especificamente na Fazenda Sítio Novo, no município de Pirenópolis, e a movimentada vida agitada da cidade de São Paulo, locações que serviram de cenário para grande parte das cenas da trama.
Portanto, em um trabalho primoroso, 2 Filhos de Francisco – A História de Zezé di Camargo & Luciano é um excelente filme, que emociona em todas as cenas, assim como Central do Brasil, sendo guardado na memória de todos nós, brasileiros. Dos conhecidos contos de fadas, ele só tem mesmo a concretização do “final feliz”, com os verdadeiros pais da dupla subindo ao palco em um show no interior de São Paulo ao som de “É o Amor”. A trajetória de ambos é fantástica e digna, é claro, de muitos aplausos. Quando o filme foi divulgado, muitas pessoas conceberam pré-ideias errôneas a respeito dele: a primeira, de que só os fãs do gênero sertanejo iriam ao cinema prestigiar o trabalho, e a segunda, de que produções baseadas em ídolos musicais nacionais seriam feitas em demasia; muito em virtude de no ano anterior, em 2004, ter sido lançado o filme Cazuza: O Tempo Não Para. Felizmente, então, quem apostou nessas pré-concepções estava inteiramente errado, porque 2 Filhos de Francisco é indubitavelmente um dos melhores filmes nacionais dos últimos tempos. Quem aí também não soltou uma lágrima sequer em alguma cena, hein?!
2 Filhos de Francisco: A História de Zezé di Camargo & Luciano | Brasil, 2005
Diretores: Breno Silveira
Roteiristas: Carolina Kotscho, Patrícia Andrade
Elenco: Ângelo Antônio, Dira Paes, Márcio Kieling, Thiago Mendonça, Palomma Duarte, Dablio Moreira, Marcos Henrique, Natália Lage, Wigor Lima, Zezé di Camargo, Luciano Camargo, Jackson Antunes, José Dumont, Lima Duarte, Cid Moreira
Duração: 2h12 (132 minutos)
