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Crítica | 2001 – Uma Odisseia no Espaço

por Ritter Fan
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Fazer a crítica de 2001 – Uma Odisseia no Espaço não é fácil. Ele completou, em 2018, 50 anos de seu lançamento e a obra de Stanley Kubrick é normalmente considerada como um marco da ficção científica, adorado incondicionalmente por uma legião, mas também detestado por muitos.

Aqueles que detestam o filme normalmente reclamam da lentidão da narrativa e do final lisérgico. De fato, a fita é lenta, quase parada e sim, o final não é dos mais claros. Mas, foi exatamente pensando nas pessoas que detestam 2001 é que eu finalmente decidi que tipo de enfoque eu daria para essa crítica. E ele é muito simples. Não tentarei explicar o filme, pelo menos não completamente (nem mesmo me atrevo a dizer que teria essa capacidade), mas sim focar meus esforços em convencer mesmo que uma só pessoa que tenha detestado 2001 a dar outra chance ao que Kubrick fez juntamente com Arthur C. Clarke. Soou prepotente? Bom, talvez seja, mas prometo que só tenho as melhores intenções.

2001 – Uma Odisseia no Espaço foi lançado em 1968, pouco mais de um ano antes do primeiro homem colocar os pés na Lua. Assim, mesmo como mera curiosidade, o filme é extremamente interessante, pois Kubrick, com a forte ajuda do saudoso escritor e “futurista” Arthur C. Clarke (que tirou a ideia base de seu conto A Sentinela, escrito em 1948 e publicado em 1951), faz algo muito próximo da realidade. O resultado é uma aula de como nós, os seres humanos, nos comportaríamos no espaço, sem invencionices, sem explosões e sem raio laser. O que vemos e ouvimos é o espaço silencioso, com sequências longas e lentas exatamente como devem ser na realidade. Há um tom documental evidente em 2001 que é absolutamente fascinante.

E isso é claro em diversos detalhes: o voo comercial da PanAm para a Lua, com um pit stop em uma estação espacial, a falta de gravidade, a comida espacial, a inteligência artificial, as roupas dos astronautas, as naves espaciais. Apesar de Kubrick e Clarke terem “errado” o ano em que todas essas maravilhas aconteceriam, parem um pouco e pensem que todas elas estão logo ali, na esquina, prestes a acontecerem e quase exatamente como eles colocaram nas telas.

Mas vamos “rebobinar” um pouco o raciocínio. Uns quatro milhões de anos pelo menos. Pois é nesse momento, na Aurora do Homem, que o filme começa. Kubrick nos presenteia com imagens naturalistas de câmera parada da savana africana ao nascer do sol. De repente, somos apresentados a uma pequena tribo de hominídeos convivendo com antas, sendo atacados por leopardos e comendo o que está disponível ali na terra, provavelmente larvas e coisas do gênero. São seres em harmonia com a natureza, muito longe do topo da pirâmide evolucionária. A tribo é, então, hostilizada por outra, que pretende tomar posse do local, já que lá há uma preciosa fonte de água. A tentativa fracassa, mas os invasores não desistem muito facilmente.

Outro dia amanhece e a tribo acorda com algo que chama muito sua atenção e, como um choque de mil volts, Kubrick chacoalha o status quo da película. É a primeira aparição do imponente monólito negro. Sua geometria perfeita contrasta fortemente com o ambiente ao redor e os hominídeos, primeiro com medo, passam a se aproximar do objeto e a acaricia-lo.

Depois, já acostumados com o visitante inesperado, vemos uma sequência que talvez seja a mais linda já filmada: um hominídeo evolui e se “transforma” no Homem. Aquele ser observa uma carcaça de ossos no chão e, aos poucos, muito hesitante, pega um dos ossos mais robustos e começa a bater no chão e nos demais ossos. É a primeira vez que uma ferramenta é usada por ele ou por qualquer outro ser. Acabou a fome da tribo, pois as antas são abatidas para alimentá-la e, quando a tribo inimiga invade o território novamente, o osso é usado como ferramenta de dominação, marcando a tribo vencedora como a que, em alguns milhões de anos, tomaria o planeta Terra.

Se esse momento não o mover, não o fizer quase que derramar uma lágrima, nada mais fará. É, literalmente, o nascimento do Homem. E o que ele faz ao nascer? Ora, ele usa um instrumento de violência e morte, instrumento esse que, em uma brilhante transição, se transforma em um satélite militar orbitando a Terra. Será que somos definidos por nossa habilidade de ferir e matar?

E nossas ferramentas tomam de assalto o filme, quando, no terceiro ato, somos jogados para uma missão espacial batizada de Júpiter, que tem como objetivo investigar uma mensagem de rádio enviada par o planeta gigante pelo segundo monólito, dessa vez escavado na Lua. É nessa missão que somos apresentados a Dave Bowman (Keir Dullea) e Frank Poole (Gary Lockwood), os pilotos da gigantesca nave em formato de espermatozoide (não por coincidência, que fique claro) que singra o espaço. Mas, mais importante que isso, somos apresentados a HAL 9000, a inteligência artificial que comanda a nave e o precursor cinematográfico de Ash, Joshua, Skynet, a Matrix, Tron e diversos outros computadores com vontade própria.

Mas HAL é o mais humano dos personagens nessa parte do filme. Dave e Frank é que são os robôs. Insensíveis, completamente imutáveis e com expressões faciais fixas. HAL tem medo da morte e faz de tudo para sobreviver. Isso não é muito mais humano do que as ações que vemos ao encargo dos seres biológicos que transitam pela nave? É o instrumento humano – que começou lá com aquela ferramenta de osso – tomando o lugar do Homem.

Mas e o Homem, para onde ele vai então? É aí que entramos na quarta parte do filme, a chamada “viagem lisérgica”. Há dezenas de interpretações possíveis e todas elas muito boas. Há a interpretação de que esse é o próximo passo da evolução humana. Há a interpretação de que é o encontro do Homem com seu Criador. Há a interpretação de que é o Homem encarando sua mortalidade. Há a interpretação de que aquilo nada mais é do que um monte de cenas aleatórias montadas como se um filme fosse.

Independente de sua interpretação – e Kubrick deixa isso muito em aberto, ainda que Clarke tenha tentando explicar tudo no livro que escreveu com base no roteiro – um fato permanece: 2001 – Uma Odisseia no Espaço é de uma plasticidade quase que incomparável. A direção de Kubrick, completamente obcecado com centralizações e simetrias (repare como o foco do que ele quer mostrar está sempre no meio e como os lados esquerdo e direito são iguais), além de círculos (tudo, menos o monólito, é circular), nos transporta para um outro universo, um que precisamos desacelerar, diminuir nossa exigência por cortes a cada três segundos (ou menos) e por ação ininterrupta. É um universo em que devemos observar. Ir além da narrativa e verificar os detalhes. Apreciar como o design da produção dá soluções criativas para a falta de gravidade, como Kubrick usa – ou deixa de usar – o som, a música, para marcar os momentos.

Se 2001 – Uma Odisseia no Espaço puder fazer com que cada um de nós pare para pensar e apreciar com vagar o que temos ao nosso redor, ele terá alcançado sua missão evolutiva. E, se eu conseguir fazer com que uma só pessoa dê outra chance a esse impecável trabalho de Kubrick, serei um crítico feliz.

2001 – Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, EUA/Reino Unido – 1968)
Direção: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke (baseado em conto de Arthur C. Clarke)
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Daniel Richter, Leonard Rossiter, Margaret Tyzack, Douglas Rain
Duração: 160 min.

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