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Crítica | 3% – 2ª Temporada

por Luiz Santiago
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Leves SPOILERS!

Tendo polarizado opiniões durante a sua Primeira Temporada, mas garantindo um público e também clamor internauta grandes o bastante para convencer a Netflix de que uma Segunda Temporada valeria a pena, 3% tem uma continuação bem satisfatória se comparada ao seu ano de estreia; focando de maneira instigante nos dramas pessoais (cujas consequências se refletem em todos lados) e em um elemento de investigação que nos prende pela dúvida de saber quem é o culpado e pelo prazer de acompanhar bons mistérios ganharem espaço na tela.

Embora alguns ingredientes problemáticos da temporada anterior ainda apareçam nos 4 primeiros episódios desta temporada, nota-se um passo à frente em relação ao estabelecimento do drama. Com o elenco jovem mais afiado e os diretores atentando para o fato de que os diálogos são entregues em um contexto maior, fica mais fácil digerir as cenas e acompanhar a criação dos conflitos, que são muitos e todos eles ganham impactantes viradas de jogo ao longo dos 10 episódios. Se perdoarmos a falta de uma montagem mais inteligente, especialmente na interligação simbólica entre as sequências (os episódios Espelho, Torradeira e Estática sofrem até o último minuto por isso) — para que a passagem não pareça uma colagem convencional de cenas de documentário sobre morros, com propaganda de condomínios de luxo — a série sai na vantagem de se conectar mais facilmente com o público. Claro que agora isso é mais fácil, porque conhecemos os personagens e estamos curiosos pela história. Mas mesmo assim. Existem inúmeras maneiras da coisa ainda dar errado. Aqui, porém, os erros foram bem menores.

Todo discurso ideológico de sociedades utópicas, de grande bondade generalizada, de paz e harmonia eternas, esconde algo de podre em sua raiz, naquilo que faz para ser mantido como realidade, ou naquilo que fez para que essa imagem fosse propagada por tanto tempo. Os roteiros desta 2ª Temporada focam exclusivamente, e de maneira muito bem pensada, nessas contradições sociológicas e histórias que são tão reais e tão relacionáveis com o nosso tempo como a crítica à meritocracia hipócrita levada a cabo pelos indivíduos do Mar Alto. O bom disso é que os enredos não expõem a coisa como uma negação pura e simples. O elemento meritocrático é a base da criação de um valor pessoal e existe, quer queiramos ou não. “Fazer por merecer” é uma das estratégias básicas de nossa educação familiar, escolar e vai ao longo de disputas esportivas ou da aquisição de valores alheios, como confiança e amizade. Disso o texto não arreda o pé. Mas há uma bem dada e necessária alfinetada na pregação de que “a meritocracia é a salvação final” dita e sustentada por grupos que não entendem o princípio básico do funcionamento do sistema e da geração de oportunidades + condições iguais para todos os envolvidos disputarem algo. Em um campo macro, as loas meritocráticas são afetações cada vez mais irrealistas para defender situações que não querem mudar, de fato. Um olhar para o Continente e sua relação com o Mar Alto deixa isso bem claro.

Nessa esfera, A Causa entra como um agente de luta que procura o melhor para os que estão “do lado de cá”. A proposta mistura conceitos ideológicos e modus operandi de diversos grupos guerrilheiros aqui mesmo na América Latina. É então que vemos Silas (Samuel de Assis) ganhar destaque, ao lado da desforra de Joana (Vaneza Oliveira) e de Fernando (Michel Gomes), os três com destinos diferentes ao longo da temporada. Silas começa e se desenvolve muitíssimo bem, mas cai em um patetismo indefensável na reta final. Joana tem um dos melhores arcos de toda a temporada e Fernando parece ser condenado a sofrer com decisões loucas do roteiro, mas quando ele está agindo sob suas próprias regras, se sai muito bem. O que irrita são os empurrões para que ele circule à volta de Michele (Bianca Comparato) o tempo inteiro. E por falar em Michele, posso dizer que é a personagem com o ciclo mais inconstante do ano, e isso não tem nada a ver com a atriz, que se esforça para dar conta do que é cobrado cada estágio. O problema é que o enredo, sem saber como colocá-la ativa (prestem atenção na forma como Michele aparece nos 5 primeiros episódios!), testa as mais variáveis possibilidades, raramente acertando uma delas. A posição final da personagem é boa no sentido dramatúrgico (Comparato está muito bem em cena), mas abrupta e um tanto incoerente no sentido narrativo.

Como o ano é pautado pelas lutas anteriores à realização de mais um Processo, a direção explora um número muito maior de espaços, e aqui devemos elogiar a direção de arte, os figurinos, a fotografia e a mão-guia dos diretores dos episódios para mesclar a ação ao drama e ao suspense que esta fase nos traz. São muitos núcleos ativos, cada um contendo um ou alguns segredos e todos convergindo para um mesmo ponto, acabando em um final instigante e angustiante ao mesmo tempo. Meu lamento é mais por conta de Rafael (Rodolfo Valente), que tendo ganhado pontos no sentido de humanização, entrou em uma encruzilhada de “má sorte” que o fez voltar para os braços da namorada de uma forma difícil de engolir, especialmente naquele momento da história, às portas do Processo e com uma ação da Causa em cena. Pesquei algumas reclamações de espectadores em redes sociais sobre a “falta de foco para o plano“, mas de todos os defeitos que esta temporada tem, “falta de foco para o plano” não é um deles. Percebam que estamos falando de grupos distintos, agindo de maneira que acham que é o certo. Não há unidade. O que existe é uma absurda falta de comunicação e entendimento. Estes elementos podem ser criticados, claro, mas o plano, em si, não se perde. Ele se altera porque ninguém, nem os infiltrados, nem os da Causa no Continente, nem os moderados ou extremistas de ambos os lados estão em plena vantagem. E, sinceramente, para um mundo caótico como é o de 3%, essa variante de possibilidades é a melhor escolha. Um mundo assim DEVE ser marcado por imprevistos e ações difíceis ou impossíveis de remediar.

O destino de Ezequiel (João Miguel) parece ter sido apenas a decisão natural para a forma pouco animada com que os roteiros trataram o personagem desde o início da temporada. A estranha redenção e a forma como ele se perdeu no próprio loop de ideias, de planos para uma sociedade melhor e de conflitos íntimos colocou tudo a perder, inclusive o apelo que tinha para nós no ano anterior. A Marcela, de Laila Garin, é uma boa personagem, mas vejam como ela passa de provocadora para uma vilã fácil e sem meandros no final. Simplesmente a maldade pela maldade, que é um clichê estranho para uma pessoa em seu cargo, com o seu poder e com o bom desenvolvimento que tivera… até o momento em que se encontra com… bom, vocês sabem. E aquilo é tão absurdamente ruim que nem vale a pena ser explorado. É triste, porque o ator faz algo muitíssimo melhor do que fez no ano passado, com uma transformação física e composição emocional incríveis. Mas não. Dramaticamente, seu novo arco é uma atrocidade que, infelizmente, parece que terá continuação. Desgraça pouca é bobagem, não é mesmo?

A verdade sobre o casal fundador e os excelentes flashbacks dos episódios Colar e Sangue deram à série um significado maior, diante da maturidade geral que o ano exibiu. Eu realmente esperava que o roteiro fosse trabalhar em cima dessa contradição da origem, mas optou-se pela ideia de salvação que, até agora, não consigo me decidir sobre seu impacto na série. A certeza é que, em uma terceira temporada, a narrativa estará segmentada em mais um bloco, com novas regras para serem obedecidas, novas alianças para serem feitas e, pegando pelo gancho aqui, uma porção de pontas ainda para serem amarradas e um processo polêmico para acontecer. A maior parte dos cliffhangers deixados funcionaram, enquanto outros trazem uma carga de novidade tão grande e uma proposta de mudança tão grande, que lamentamos o fato de alguns episódios terem sido gastos com contexto de espaço e cultura local em vez de preparar melhor o terreno para a visão de uma Nova Era. Confiando que a produção da série seguirá ascendendo e considerando que, mesmo bastante falho, este ano dois do show foi bem superior ao primeiro, só nos resta esperar por um terceiro ano realmente impactante. Independente do que possa acontecer, a semente aqui plantada, apesar de um pouco tortuosa, segue bastante promissora.

3% – 2ª Temporada (Brasil, 2018)
Direção: Philippe Barcinski, Daina Giannecchini
Roteiro: Denis Nielsen, Pedro Aguilera, Ivan Nakamura, André Sirangelo
Elenco: João Miguel, Bianca Comparato, Michel Gomes, Rodolfo Valente, Vaneza Oliveira, Viviane Porto, Samuel de Assis, Cynthia Senek, Laila Garin, Bruno Fagundes, Thais Lago, Mel Fronckowiak, Zezé Motta, Celso Frateschi, Luciana Paes, Rita Batata, Leonardo Garcez, Clarissa Kiste, Julio Silverio, Thiago Amaral, Geraldo Rodrigues, Ediana Souza
Duração: 35 a 50 min. cada episódio

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