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Crítica | “4:44” – Jay-Z

por Handerson Ornelas
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É quase irônica a jornada musical de Jay-Z e de outros rappers americanos. De crítico do sistema e palavra das ruas a empresário milionário e controlador da indústria. De rebelde a ditador. De plebeu a rei.

Sequência de Magna Carta Holy Grail (2013), 4:44 chegou em 2017 como o décimo terceiro álbum do artista e após um longo hiato em sua carreira musical. Jay-Z nesse meio tempo passou a ser reconhecido bem mais por sua figura empreendedora, principalmente devido a seu polêmico serviço de streaming – Tidal – lançado para rivalizar o poderoso Spotify. E até mesmo devido a esse seu novo status, 4:44 poderia muito bem soar como uma mera atitude de marketing servindo de resposta aos rumores de sua traição a Beyoncé referenciados em Lemonade, além de atrair público para sua plataforma de streaming. No entanto, deve-se dar devidos méritos ao rapper, que em nenhum momento parece possuir pretensão de fazer um álbum meramente sensacionalista, ganancioso ou gratuito.

Temos aqui uma obra direta, sincera, sem floreios. A produção crua, sem exageros e abusando do uso de samples (que incluem Nina Simone, Stevie Wonder e até um grupo português chamado O Mundo e Ninguém) já denota a ideia do rapper em voltar a atenção para seus versos. Uma ótima escolha, por sinal, já que Jay-Z adota a imagem de uma espécie de velho sábio, discursando sobre suas experiências, lamentações e conselhos. Uma excelente abordagem para um artista que já passa de 20 anos de carreira, demonstrando aqui toda sua maturidade e humildade ganhada com o tempo, algo surpreendente se considerarmos que o hip-hop é dominado por discursos de ego e ostentação.

Por diversos momentos nos deparamos com um Jay-Z contemplativo sobre suas memórias, seja em conversa com sua filha a respeito de seu legado em Legacy, suas lembranças no início da carreira de rapper em Marcy Me, ou sobre as perseguições a sua figura na abertura exageradamente dramática e piegas de Kill Jay-Z. Já a faixa homônima é o clímax do álbum, localizado exatamente em seu centro. É Jay-Z batendo no peito e admitindo toda sua culpa e vergonha a respeito da tão comentada traição, algo que corria risco de soar forçado se não fosse tão sincero. Se o cantor orgulha de dizer que considera uma de suas melhores canções isso não é pra menos, o que encontramos aqui é de uma honestidade enorme e tocante.

Há momentos marcantes pelo disco que ficarão para sempre com o ouvinte. Seja o belíssimo poema proclamado por sua mãe assumindo sua homossexualidade no fim de Smile, o ótimo refrão de Moonlight debatendo com bom humor para onde nós, como sociedade, estamos rumando (“Nós estamos presos em La La Land, até quando vencemos nós perdemos”), ou o debate interessante de The Story Of O.J., que usa a polêmica história do ex-jogador para discursar sobre quedas e perdas após o sucesso.

Jay-Z constrói em 4:44 um interessante degrau para o hip-hop, provavelmente o gênero que mais vem se mostrando versátil nos últimos anos. Seja o rap gospel de Chance The Rapper, os versos esquizofrênicos e experimentais de Danny Brown, ou a genialidade crítica de Kendrick Lamar às desigualdades da sociedade americana, um fato é certo: o hip-hop está em constante mudança e se preocupando em inovar. Jay-Z sabe disso e ocupa uma posição de sábio em 4:44, quase como um monge meditando sua vida no alto de uma colina. Seus erros, seus acertos, suas recomendações e conselhos para novas gerações, tudo através de inteligentes e humildes versos.

Aumenta!: 4:44
Diminui!: Kill Jay-Z

4:44
Artista: Jay-Z
País: Estados Unidos
Lançamento: 30 de junho de 2017
Gravadora: Roc Nation
Estilo: Hip-hop

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