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Crítica | 65 – Ameaça Pré-Histórica

Um catado sem o menor senso estético ou originalidade.

por Frederico Franco
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Abro o texto falando brevemente da experiência extra-fílmica de assistir ao presente filme. A sessão se deu em uma monótona sexta-feira às 14h15; a sala, completamente vazia – eu estava acompanhado apenas de uma garrafa de refrigerante tamanho médio. O clima dentro da sala era melancólico, sequer parecia uma ida ao cinema: o silêncio total, a ausência do burburinho alheio e das conversas ao meio do filme tornaram a ida à sala de cinema algo anestésico, quase um anti-experiência cinematográfica. Esse relato, no entanto, dialoga perfeitamente com o resultado da película.  A premissa de 65: Ameaça Pré-Histórica já não é das mais empolgantes: há 65 milhões de anos, o piloto extraterrestre Mills colide com fragmentos de um meteorito e aterrissa emergencialmente no planeta Terra ainda habitado por dinossauros. Toda a tripulação morre após o impacto, com exceção do piloto e de uma menina chamada Koa. Ambos, agora, precisam sobreviver no inóspito planeta e encontrar uma saída. 

A primeira impressão que se tem de 65 é a de que a direção é a mais genérica possível. A construção da atmosfera inóspita da Terra é simplória que nem ao menos é capaz de despertar o interesse do espectador e o medo em seus personagens. As escolhas estéticas da mise en scène de Beck e Woods parece ter sido retirada de algum manual de regras; toda nova cena segue à risca característica dos primórdios da decupagem clássica – o que mostra certa preguiça criativa dos diretores. Plano de estabelecimento, plano médio, close, plano e contraplano: mais previsível impossível. Os planos parecem ter pouca ou nenhuma proposição autoral, servindo apenas como forma impessoal de mostrar a trajetória dos personagens. Algo que chama a atenção negativamente na encenação de 65 é a falta de poder dentro da própria lógica de seu universo. O planeta Terra, situado na pré-história, parece não exercer nenhuma opressão aos dois protagonistas, que caminham pela selva como se estivessem passeando em uma trilha na floresta. As ameaças em formato de dinossauros e insetos gigantes pouco são exploradas, fazendo Mills e Koa serem dominantes em um cenário no qual, logicamente, seriam presas fáceis dos perigos possíveis. 

Citando os atores, cabe, aqui, outro destaque negativo. As interações entre Adam Driver e Ariana Greenblatt nunca soam como algo orgânico dentro do microcosmo de 65. Tudo soa forçado, minuciosamente calculado. Em certos momentos, inclusive, a artificialidade é tamanha que se pode questionar se os atores, na verdade, não estavam lendo as exatas palavras do roteiro. É notório que Beck e Woods apostaram na relação Mills/Koa como carro chefe do filme; a ideia vai por água abaixo quando a dupla possui pouca ou nenhuma química. Aqui, também, vem outro detalhe: o trabalho dos atores é muito aquém das expectativas. Adam Driver, um dos artistas mais celebrados no mundo do cinema na última década, entrega uma atuação pífia, limitando-se a franzir o cenho em tom de preocupação e a berrar a cada cinco minutos. Sobre Ariana Greenblatt, pouco se tem a dizer; a atriz mirim possuía a difícil tarefa de interpretar uma personagem de poucas falas, mas quando foi necessário o destaque de seu trabalho corporal – em perseguições mal coreografadas e afins – o resultado foi paupérrimo. Por incrível que pareça, a incapacidade criativa de Beck e Woods conseguiu transformar caçadas de dinossauros em algo limitante e monótono – com exceção de um jumpscare, no restante da película sequer o espectador teme pela vida dos personagens.

De certa forma, originalidade estética não é algo notável em 65: Ameaça Pré-Histórica, desde sua concepção artística até sua narrativa. Os conflitos e arcos dramáticos aparentam ser uma grande mistura de outras referências contemporâneas. Que fique claro: inspirações e referências a produtos contemporâneos não necessariamente são um fator negativo, mas no caso do presente filme, tudo é jogado em um liquidificador que devolve um filme genérico. Uma recente conexão possível com obras audiovisuais da atualidade se dá na questão da paternidade e do sentimento de perda: é evidente que em 65 a ideia inicial é tornar a ação, o suspense, em algo marginal ao desenvolvimento da relação entre Mills e Koa. Toda a química entre os protagonistas é construída sem sutileza por meio da incomunicabilidade: os dois não falam a mesma língua. As dificuldades de comunicação são, desta forma, um elemento preguiçoso. Pega-se um exemplo contemporâneo e de sucesso, a série The Last of Us, capaz de desviar o foco do apocalipse zumbi para dar atenção ao real desenvolvimento da dinâmica de seus personagens. E engana-se quem pensa que não há na série da HBO a temática da incomunicabilidade – todas as rusgas entre os protagonistas são fruto de suas diferenças geracionais, criando uma imensa dificuldade de comunicação. Em 65 o efeito não é nem próximo do produzido pela série. Mills e Koa não desenvolvem sua relação em nenhum aspecto: não avançam sua comunicação e seguem com sua dinâmica artificial. Obviamente, não são apenas os atores os culpados, haja visto que as escolhas estéticas da direção não propiciam esse desenvolvimento; a construção da mise en scène segue a mesma até seu fim, não indicando mudança nenhuma na narrativa e na jornada dos personagens. Em termos gerais, 65 ao mesmo tempo em que pensa em aproximar seus protagonistas, também acaba por filmá-los de maneira quase impessoal, sem o menor senso de direção.

As referências a outros produtos culturais, obviamente, não para por aí. Dinossauros no cinema inevitavelmente são ligados a Jurassic Park. Se por um lado Spielberg dá uma dimensão quase mitológica aos animais pré-históricos, 65 literalmente nos apresenta cópias mal feitas das criaturas do filme dos anos 1990. Contudo, a falta de inspiração na direção do filme faz com que os predadores (e possíveis vilões da película) não surpreendam, assustem ou empolgue o espectador. Sua presença é completamente descartável. Por fim, Beck e Woods ainda conseguem encaixar nessa salada de frutas um quê de Interestelar, de Christopher Nolan. As constantes referências à filha abandonada para a realização de uma viagem intergaláctica e os recados em vídeo da mesma, sempre carregado com doses de tristeza e saudade. Em certos momentos, Adam Driver não apenas emula como aparenta ser o personagem de Matthew McConaughey. Novamente, as supostas referências à cultura de um tempo são, na realidade, o resultado patético de uma direção tão genérica que aparenta ter sido desenvolvida por uma inteligência artificial.

Enfim 65: Ameaça Pré-Histórica é um enorme catado. Não é de se duvidar que, dentro do mesmo filme, houveram outros vários pequenos filmes que foram colados na timeline da montagem. Os temas aqui levantados não dialogam entre si ao longo da obra, são lançados em cenas aleatórias e, logo em seguida, são esquecidos quando surgem novas temáticas. Assim como a sala escura vazia, o filme de Beck e Woods é melancólico do ponto de vista criativo, tornando a experiência fílmica próximo do intragável.  

65 – Ameaça Pré-Histórica (65) – Canadá, EUA, 2023
Direção: Scott Beck, Bryan Woods
Roteiro: Scott Beck, Bryan Woods
Elenco: Adam Driver, Ariana Greenblatt, Chloe Coleman, Nika King, Brian Dare
Duração: 93 min.

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