Home FilmesCríticas Crítica | A Arte de Ser Adulto (The King Of Staten Island)

Crítica | A Arte de Ser Adulto (The King Of Staten Island)

por Michel Gutwilen
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Ao retirar os acessórios que cobrem os esqueletos do argumento de O Virgem de 40 Anos, a primeira direção de Judd Apatow, e de A Arte de Ser Adulto, seu mais novo filme, vemos que as diferenças não são muitas. Ambos são sobre homens adultos que agem como crianças por conta de traumas do passado e prolongam mais do que deveriam a fuga de suas responsabilidades. Porém, se, em 2005, o alvo de piadas era o nerd velho sem experiência sexual, cujo arco de desenvolvimento tinha como objetivo conseguir se relacionar amorosamente, em 2020, o protagonista é o “recém-adulto” que ainda se acha adolescente, mesmo tendo 24 anos, apenas fumando maconha e sendo um aspirante a tatuador, tendo agora que amadurecer. 

Scott Darlin (Pete Davdison, que também co-escreve o roteiro, baseado vagamente em sua vida) acumula todas as características típicas de uma geração maconheira moderna que o transformam mais em um arquétipo e menos numa pessoa real. Logo, o primeiro ato do filme estabelece essas marcas do protagonista. Descobre-se que ele usa antidepressivos (que acarretam problemas sexuais), têm o café da manhã na mesa pela mãe, passa a maior parte do tempo fumando maconha e jogando video game, evadiu da faculdade de artes por ter déficit de atenção, usa o corpo de seus amigos (e crianças) para testar suas habilidades na única coisa que ama, a tatuagem, além da rebeldia ao se portar diante de eventos sociais. 

Dito isso, A Arte de Ser Adulto não é um daqueles filmes em que a localização é apenas um pano de fundo e poderia ser qualquer cidade do mundo, mas, teoricamente, Staten Island, a ilha adjacente a cidade de Nova Iorque e que certamente não possui seu charme, é um personagem central à trama. Tanto que o título original do filme se chama “O Rei de Staten Island”. De certo modo, a primeira metade da narrativa se assemelha a Os Boas-Vidas, clássico de Federico Fellini, no qual jovens apenas vagueiam sem rumo pela cidade pequena, cujas cenas mais seguiam uma estrutura episódica e menos uma progressão narrativa. Aqui reside o maior êxito de Judd Apatow: quando seus personagens estão perambulando por pátios de orfanatos vazios e praias desertas, conversando sobre o nada e suas desilusões, ocupando espaços abandonados de uma ilha medíocre. Inclusive, decadência essa que a fotografia exagera ao tentar dar um tom pessimista, com um cinza nublado contaminando todo a estética. 

É aqui que está o resquício de uma mise-en-scène por parte de Apatow, não em movimentos em câmera elaborados, mas na estética meio niilista, no deboche encarnado pelo ator-revelação Davidson, que parece mais um cadáver branco de olhos cavos e marcado de tatuagens, além do próprio figurino sempre provocativo e rebelde vestido por Scott. Durante estes momentos, não há julgamentos do diretor, que entende aquelas pessoas como fruto da realidade que vivem, o que fica até bem explícito na sequência até literal demais em que há uma luta dos garçons por gorjetas. Mas o que se segue não é a exploração e o desenvolvimento de tal aspecto socioeconômico. A história vira quase que freudiana e se rende aos padrões hollywoodianos de roteiro no qual as ações parecem existir apenas para levar seus personagens a algum lugar. Explico: sendo órfão de um pai, que morreu salvando uma vida como bombeiro, Scott passa a surtar quando sua mãe (Marisa Tomei), após anos, decide se relacionar novamente com um homem (Bill Burr), também um bombeiro. Assim, de maneira previsível, o longa se torna sobre o aceitamento por parte do jovem em relação ao padrasto e o desenvolvimento de uma relação de ambos. 

Portanto, a frustração deste que escreve não cai no erro de reclamar daquilo que ele queria que A Arte de Ser Adulto tivesse sido e nunca prometeu ser, mas de algo que foi apresentado, flertado (até pelo próprio título!) e depois deixado em segundo plano. O filme deixa de carregar uma ambiguidade sobre fracasso de seu protagonista como consequência do meio e de seus traumas pessoais, virando apenas o segundo. A partir disso, as escolhas narrativas mais preguiçosas e literais possíveis são tomadas para que Scott evolua. Ele presencia do padrasto sendo um herói, passando a valorizá-lo; ele mesmo salva uma pessoa; descobre defeitos do pai; vê amigos que escolheram o caminho errado sendo presos; além de ser acolhido pela força de bombeiros. Até por isso, boa parte da ação passa a ser em cenários interiores e, aí sim, podemos dizer que Staten Island deixa de ser uma personagem.

Não que nada se salve da segunda metade de A Arte de Ser Adulto, porque as cenas em que Scott está com os filhos do padrasto soam mais genuínas e menos como um artifício de roteiro, uma vez que Apatow é um bom escritor de diálogos (o que é diferente de criar uma história coesa). No fim, a evolução do protagonista é como a de Andy, em O Virgem de 40 Anos. Eles não rejeitam completamente suas personalidades, mas a mudança vem justamente de saber como melhor aproveitá-las e potencializá-las. Portanto, significativo (e cara de pau, visto que tal aspecto foi esquecido ao longo do filme) que a última sequência seja justamente a travessia de Staten Island para Nova Iorque, com os céus de Manhattan se impondo sobre ele representando a possibilidade de uma nova vida após finalmente exorcizar os traumas e inseguranças do passado.

A Arte de Ser Adulto (O rei de Staten Island)  – EUA, 2020
Direção: Judd Apatow
Roteiro: Judd Apatow, Pete Davidson, Dave Sirus
Elenco: Pete Davidson, Marisa Tomei, Steve Buscemi, Bill Burr, Bel Powley, Maude Apatow, Pamela Adlon, Action Bronson, Kevin Corrigan, Ricky Velez, Moisés Arias, Lou Wilson.
Duração: 137 min.

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