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Crítica | A Árvore dos Morangos

por Luiz Santiago
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O documentário é um dos gêneros mais interessantes do cinema e abre as portas para tantas possibilidades, que é possível até defini-lo como um aglutinador de tendências. Documentários podem simular dramas e eventos hipotéticos, imaginários e cômicos (os mockumentários), podem usar animações em seu conteúdo, podem usar tecnologia 3D, entrevistas, fotografias e diversas outras imagens além do próprio cinema como representação. O documentário pode ser um revelador, um passo para a discussão de algum tema, a farsa de uma certa realidade, a exposição de uma situação qualquer. Como disse, trata-se de um gênero deveras interessante, se bem trabalhado pelo seu realizador.

A Árvore dos Morangos (2011), longa-metragem de Simone Rapisarda Casanova é um documentário sobre uma vila da região costeira noroeste de Cuba. A vila se chama Juan Antonio e está na rota das regiões exploradas por Cristóvão Colombo na sua expedição ao Novo Mundo, em 1492. Consta que o documentário foi o último registro feito da vila, já que foi rodado semanas antes de o furacão Ike destruí-la por completo.

À primeira vista, trata-se de um documentário imperdível. Seu título lírico e o tema sinóptico podem atiçar a curiosidade de qualquer espectador. Mas como é muito comum na vida e também na arte, as aparências enganam. A Árvore dos Morangos não é um documentário, é uma junção de cenas filmadas em Juan Antonio sem qualquer significado maior que a observação pura e simples de pessoas vivendo suas vidas. A diretora parece não saber o que significa ritmo interno e deixa passar diversas coisas na montagem final, como a interminável e odiosa cena da pescaria, onde vemos por um constrangedor período de tempo a passagem de peixes pela objetiva e pescadores recolhendo suas redes (se o leitor quer ver uma excelente representação de pesca no cinema, assista ao curta-metragem Contadini del Mare (1956) de Vittorio de Seta). Não há sequer um ângulo notável para a observação do acontecimento, apenas uma colocação gratuita que tem como único objetivo registrar, não importa o quê e nem como.

É quando vemos uma obra cinematográfica como esta que perguntamos: onde estava o diretor quando tudo isso foi realizado? Porque a impressão que temos é que a câmera foi ligada e deixada de lado enquanto a equipe se divertia nadando numa piscina natural ou jogando bola com as crianças. Podem existir outras explicações, mas nenhuma delas dará conta do que realmente foi feito aqui. O cinema, mesmo quando trabalha com um tema mais solto, livre de narrativas estreitas e significados intricados, deve, assim como qualquer arte, ultrapassar a linha da observação pela observação. É preciso incitar, metaforizar, fazer o espectador viajar pelo tema proposto e apresentar com detalhes o seu objeto de estudo. Para Simone Rapisarda Casanova, isso significa ignorar o corte e filmar o que tiver pela frente, sem critério algum.

É possível que alguém defenda a produção chamando como justificativa o pódio dos “documentários puros”. Bem, em primeiro lugar, é muita ingenuidade acreditar que exista qualquer produção cultural sem intenções. Não existe documentários puros assim como não existe arte sem influência de seu momento histórico, mesmo que essa influência seja a renúncia do que existe no momento. No caso de A Árvore dos Morangos, além de não haver coesão alguma no que é proposto, há um abismo intransponível entre o que acontece na vila e a futura tragédia que aconteceria. Mesmo sendo um filme barato, a diretora poderia cortar metade das cenas inúteis que se deu o trabalho de filmar – como a tenebrosa sequência do abatimento da cabra – e usar desse tempo para mostrar algo que desse ao filme uma função qualquer.

A sessão em que eu estava começou com uma sala lotada e eu pude presenciar a evasão de um gigantesco número de pessoas durante a projeção. O abatimento da cabra foi uma das cenas que fez umas seis senhoras saírem ao mesmo tempo. E por quê isso? Ora, todos nós que comemos carne sabemos o que acontece com os animais. Todavia, se é para isso ser mostrado em um filme, que haja algum propósito para tanto – com o abatimento do boi em A Árvore dos Tamancos (1978), de Ermanno Olmi. Mas nesse documentário a coisa acontece por acontecer.

Não há dúvidas de que este é um dos piores filmes exibidos nesta 36ª Mostra SP, e eu ainda me espanto em constatar que produtoras dão dinheiro para pessoas fazerem filmes sem nenhum significado, sentido ou propósito além de se tornar um voyeur de caiçaras isolados de Cuba, algo nada cool para qualquer espectador que se preze.

A Árvore dos Morangos (El árbol de las fresas) — Canadá, Cuba, 2011
Direção: Simone Rapisarda Casanova
Roteiro: Simone Rapisarda Casanova
Duração: 71 min.

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