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Crítica | A Aventura do Pudim de Natal, de Agatha Christie

por Luiz Santiago
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Publicado em 24 de outubro de 1960, A Aventura do Pudim de Natal é uma coletânea de seis contos de Agatha Christie, contendo cinco histórias protagonizadas por Hercule Poirot e uma por Miss Marple. O título do livro é também o título do único conto natalino do livro (nesse ponto, a obra engana o leitor).

Algumas notas de publicação sobre essas histórias precisam ser dadas: 1) que a autora já havia publicado, em 1923, uma versão curta do conto-título A Aventura do Pudim de Natal; 2) O Reprimido já havia sido publicado em 1926; 3) O Sonho já havia sido publicado em 1938; 4) O Caso das Amores Pretas já havia sido publicado em 1941; 5) O Mistério do Baú Espanhol é também uma versão expandida de um conto publicado por ela em 1932; e, por último, A Extravagância de Greenshaw foi publicado na revista Woman’s Journal em agosto de 1960, apenas dois meses antes de ser oficialmente lançado nessa coletânea.

Todas as outras publicações citadas acima também foram originalmente publicadas em revistas do Reino Unido, como The Sketch, Strand Magazine, The London Magazine, Strand Magazine e a já citada Woman’s Journal.

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A Aventura do Pudim de Natal

The Adventure of the Christmas Pudding

Único conto de Natal do livro, essa história de Hercule Poirot é uma verdadeira brincadeira de obviedades natalinas, como se a autora estivesse nos forçando a brincar de um amigo secreto misterioso. Está elencado o sempre bem-vindo humor e até cinismo do detetive belga, que é convidado, em extremo desespero, por representantes do governo e de uma “nação amiga” a passar o Natal em uma casa de campo e tentar descobrir o desaparecimento de uma rara joia, “perdida” (sim, entre aspas mesmo) por um príncipe prestes a se casar.

Todo o ambiente de preparação para a ceia de Natal (que na verdade é um almoço de Natal… hum… bem interessante!) e o constantemente citado “Natal tradicional britânico” dá ao leitor aquela sensação calorosa de estar acompanhando um mistério que bem poderia ter acontecido no quintal de sua casa, na mesma data, guardadas as devidas proporções. Os adolescentes, jovens, adultos e velhos; os donos da casa, os empregados; as brincadeiras, birras e outras tentativas de desviar o leitor não funcionam. No meu caso, pela primeira vez depois de anos e anos lendo romances e contos de Agatha Christie, me deparei com uma história onde consegui desvendar o mistério quase que completamente (e acertei todas as minhas suposições), o que não é necessariamente algo glorioso, porque a autora não faz questão de esconder muita coisa.

Se levarmos em conta a introdução que ela escreve, falando de seu Natal em família e das lembranças dessa data em um passado nostálgico, a trama ganha ainda mais significado. Particularmente acho o final “fácil demais” — não digo a revelação do caso, mas a despedida de Poirot mesmo — e um último momento bastante insosso, mas ainda assim é possível aproveitar plenamente o trajeto percorrido até ali, quando o detetive conclui que tivera, de fato, um feliz Natal.
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O Mistério do Baú Espanhol / O Mistério da Arca Espanhola

The Mystery of the Spanish Chest

Bem mais intricada que a aventura anterior e com uma resolução nada óbvia, O Mistério do Baú Espanhol consegue dispersar o leitor no processo de investigação e se estrutura tanto em depoimentos quanto em detalhes dos cenários da casa onde o assassinato acontece, alguns dos quais são pistas falsas (como as azeitonas, que me fizeram imaginar as mais estúpidas ligações) enquanto outras, que menos esperamos, são verdadeiros motivos ou parte das explicações para o crime.

A princípio, Poirot está envolvido com a investigação de crimes fiscais de dirigentes de uma grande petrolífera, mas não pode deixar de se ver atraído pela fascinante notícia que lê nos jornais, sobre um corpo encontrado apunhalado no pescoço, dentro de um baú espanhol (ou “arca espanhola”, como também é intitulado este conto, em outras traduções). Como coadjuvante, a sua assistente, Miss Lemon é escalada como “princípio de pensamento” pelo detetive, que lhe faz perguntas soltas, solicita que ela prepare uma lista de detalhes jornalísticos sobre o caso e discute este ou aquele detalhe com ela, até que convenientemente — essas coisas sempre me incomodam um pouco na obra de Agatha Christie — um telefonema acaba colocando Poirot em contato com o caso pelo qual ele tanto havia se interessado.

O processo de investigação é divertido e cheio de detalhes. As perguntas e o método de Poirot são inteligentes e a forma como ele vai reunindo pontas soltas e detalhes que nos passam desapercebidos são essenciais para se ter uma ideia do todo, sempre impressionando no final… bom, exceto no caso de situações bem óbvias, como o conto natalino que abre esse volume. A explicação para o que aconteceu na noite do assassinato é convincente, mas novamente o conto padece um pouco na finalização, algo que também notei na história anterior: muita rapidez e, de repente, uma constatação definitiva que simplifica ou encerra uma situação que demandava bem mais cuidado.
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O Reprimido ou Poirot Sempre Espera

The Under Dog

Os dois títulos dessa história são bastante propícios para o que acontece na vida da família protagonista (e seus agregados) após o assassinato de Sir Reuben Astwell, ocasião em que Poirot é chamado para iniciar a investigação, tendo como um ponto de partida um elemento inteligentíssimo por parte da autora — e que se repete outras vezes no decorrer da narrativa –, ou seja, a explicação ou mesmo detalhamento de determinadas cenas/ocasiões de maneira orgânica, ou como parte natural de um diálogo, confissão ou como solilóquio do detetive belga, que neste caso em específico não tem de pronto as respostas que imaginaria ter e se prepara para passar algumas semanas na casa de Lady Astwell, a fim de resolver o caso.

Os ingredientes básicos dos romances e contos mais bojudos de Agatha Christie se fazem presentes aqui. Primeiro, um cenário de crime perfeito (no sentido de descrição dos eventos e número de pistas + suspeitos a seguir), explorado em diversas camadas, inclusive fazendo relação com outros casos resolvidos pelo detetive. Segundo, não existe facilidades no decorrer da investigação, mas a solução não é exatamente mind blow. A autora termina o conto com algo que já havia anunciado desde o início e que nós, com a leitura mais ou menos viciada, ou procurando por mais complicações, simplesmente rejeitamos (deixamos de exercer a lição de o próprio Poirot aprendeu cedo, em A Aventura da Cozinheira de Clapham).

Do meio para o final do conto, as coisas vão ficando mais interessantes. Isso porque algumas confissões já haviam sido feitas e parte das suspeitas já haviam sido transferidas para outras pessoas ou deixadas em suspenso, momento onde o leitor realmente procura encaixar o MOTIVO para o assassinato junto com a POSSIBILIDADE do assassinato dentro dos dados fornecidos ao longo da história. O mesmo motor de narração utilizado no princípio da trama aparece outras vezes, sempre dando detalhes ou acrescentando possibilidades. Cenas como as da hipnose de Lady Astwell ou as semanas em que Poirot resolve fazer um “jogo de amedrontar” as pessoas na casa onde está hospedado são inesquecíveis. O final é bem fechadinho, muito melhor que os dois contos que antecederam esse, mas a reação da pessoa culpada, até pela carga psicológica envolvida, poderia muito bem ganhar uns parágrafos a mais.
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O Caso das Amoras Pretas

Four and Twenty Blackbirds

Um conto curto sobre a obstinação de Poirot, que, como diz para o amigo com quem aparece jantando no início da narrativa, tem a mente organizada e gosta que tudo esteja em seus devidos lugares. Trata-se de um conto sobre comida, sobre ser guloso, avarento, sobre os hábitos das pessoas e sobre como certas coisas organizadas demais podem assustar indivíduos que gostam de padrões; mas não de todos os padrões. Essas nuances dramáticas sempre foram muito fortes nas obras de Agatha Christie e em situações menores como a desta história, se destacam com charme, embora dentro de um contexto não muito genial.

Pesa sobre O Caso das Amoras Pretas a forma não verossímil como Poirot vai atrás de um caso encerrado, como não encontra dificuldades maiores para ter acesso a ele e como chega rapidamente à conclusão que esperava chegar, com uma acareação junto ao sobrinho dos gêmeos falecidos. A conversa é rápida, com os detalhes necessários para dar fim ao conto, mas não para torná-lo bom, com o devido contexto e justificativas das coisas apresentadas.

Em alguns casos na literatura de Christie, a conveniência pode não ser tão negativa, como em Os Relógios (1963), por exemplo. Já em outros, não é exatamente o melhor ponto de partida, uma vez que a história, por ser curta, clama pelos mínimos detalhes que a autora puder lhe dar. O resultado final pode não ser ruim, mas é apenas ok, uma conclusão não muito animadora em se tratando da Rainha do Crime.
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O Sonho

The Dream

Se fosse possível enxugar ao máximo o cenário e os atores de um drama qualquer, em uma cena do crime, que caminhos possíveis um detetive ou um observador poderiam seguir para solucionar o caso? Esta é basicamente a pergunta-perspectiva que Agatha Christie se faz responder neste conto um tantinho confuso na explicação sobre o processo de assassinato de um milionário excêntrico (a autora sempre gostou de retratar milionários sob uma certa perspectiva cínica) que tem um sonho repetitivo onde que ele se suicidava em uma hora específica do dia. Curioso, muito curioso. Até Poirot sai confuso da entrevista estranha com o milionário e vai para casa pensando no ocorrido.

O “desfecho” do drama se dá na semana seguinte, quando o detetive recebe o telefonema do jovem Dr. Stillingfleet, um amigo que o chama de “bestalhão” e que o convida à mansão de Benedict Farley, que está morto. O leitor ri nevosamente ao receber essa informação, porque tudo parecia insanidade demais para ser verdade, e a cosia mais ou menos caminha para algo sobrenatural (em menor escala) ou para algo ligado à hipnose ou forte sugestão psíquica (em maior escala), algo na linha do que vemos no clássico À Meia-Luz, de Patrick Hamilton. A autora, inclusive, faz de tudo para distrair o leitor e levá-lo por esse caminho, insistindo, através de Poirot, em hipnose. Mas a resolução vai por um lado bem diferente.

O cenário e a forma como Poirot resolve o caso é brilhante, porque não há enrolação. Aliás, a ligação das perguntas feitas às pessoas da casa, a observação precisa do cenário, as deduções e induções, tudo é bem orquestrado, como um produto final de um “suicídio” já tido como fato consumado e caso encerrado, mas onde o detetive encontra uma brecha e chega à conclusão de que coisas arrumadinhas demais são um perigo, a mesma linha de pensamento que ele utilizara em O Caso das Amoras Pretas.
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A Extravagância de Greenshaw

Greenshaw’s Folly

De todos os contos desse volume, este é definitivamente o mais fraco. Eu sempre gostei da enorme paciência de Miss Marple, seu nível cultural que sempre é utilizado como parte das resoluções do caso, seu senso de moralidade de tia (e com idade para ser avó), resultando em uma responsabilidade que Poirot, por mais fino que seja, nem sonha em ter. Nesse conto, porém, essas qualidades são aplicadas em uma trama que até poderia ter algo maravilhoso, mas cobra demais do leitor a suspensão da descrença, falhando com sua própria linha de investigação.

Tudo nesse enredo é indireto. A tal “extravagância” (uma mansão que é um projeto arquitetônico insano) surge como parte de um “passeio turístico” para um amigo de Raymond West, sobrinho de Miss Marple. Nesse ponto, já fica terrivelmente complicado digerir a ideia de que a excêntrica Miss Greenshaw tenha pedido para que dois estranhos fossem testemunhas de seu testamento. Simplesmente não dá para aceitar a ação, logo no início do conto, mas a leitura prossegue com um quê de curiosidade, pois apresenta boas possibilidades criminosas, digamos assim.

Quase toda a totalidade da narrativa se passa em uma pacífica narração de eventos, até que no final tudo se atropela e tem uma resolução ainda mais excêntrica, com parentescos que são um verdadeiro deus ex machina. Uma das obras menos inspiradas de Agatha Christie.

A Aventura do Pudim de Natal (The Adventure of the Christmas Pudding and a Selection of Entrées) — Reino Unido, 1960
Autora: Agatha Christie
No Brasil: Círculo do Livro, 1985
Tradução: Vânia A. Salek
256 páginas

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