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Crítica | A Babá (2017)

por Iann Jeliel
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A Babá

CONTÉM SPOILERS MODERADOS

McG é um cineasta, no mínimo, peculiar. De certo modo, ele se parece com Quentin Tarantino, utilizando referências de seu repertório para brincar com as possibilidades do gênero de suas narrativas. A grande diferença entre os dois talvez esteja na criação de marca em seu nome, enquanto Tarantino preza por deixar seu selo em todos os filmes, McG é um cara mais de bastidores, ou seja, aquele que de algum modo aplica seu estilo de acordo com as necessidades de uma produção. Não à toa, seus filmes mais conhecidos foram a duologia As Panteras e o quarto filme da franquia Exterminador do Futuro.

Contudo, diferente da maioria desses autores de estúdio, McG possui um método próprio de corresponder ao processo de “venda” do filme com sua autoridade de estilo.  Suas películas lidam eloquentemente com o exagero conceitual de seus universos, assim, do mesmo modo que parece apelativo, os artifícios usados sempre permitem um efeito de antítese, porque o diretor no exagero amplia o cenário de possibilidades para fazer diversas experimentações com seu filme e torná-lo liberto o suficiente para ultrapassar as reges do estúdio. A Netflix parece ter percebido o potencial desse estilo para o seu desejo mercadológico à época, ter um “terrir” de peso no catálogo, logo, chamou McG e lhe deu carta branca, como um recado à indústria e aos estúdios que o futuro do cinema autoral estaria nas mãos do streaming.

De fato, A Babá é reflexo do diretor totalmente liberto, assumindo em grande peso sua carga referencial de cinema B em detrimento da fundamentação dos exageros, distribuídos entre os espaços cênicos com o intuito de trocarem de vertente a cada segundo da minutagem, criando uma comédia de constante quebra de expectativa junto de um terror graficamente sem limites. O filme é bem objetivo, estabelecendo seus estereótipos de forma assíncrona com a quebra deles, tornando a quebra um grande estereótipo a ser trabalhado na transformação do arco do personagem. O contraste natural gerado com isso é muito divertido, refletindo o tom de brincadeira séria que permeia todo o exercício de sobrevivência satírico, além de dar subsídio sobre camadas temáticas inesperadas. Não se trata de uma transformação de amadurecimento como normalmente se orquestra em filmes onde crianças passam por grandes provações. Cole só é inocente aos olhares de gerações passadas, seus pais que o tratam com uma ingenuidade que ele não possui mais, apesar de seus 12 anos.

Ao lado da babá, o garoto se solta de uma forma a consolidar a personalidade espertinha da nova geração para o público. As interações entre os dois levantam uma química em que o adereço está no espectro comunicativo moderno, onde a diferença de idade é um mero detalhe, a mentalidade é a mesma, e o principal, o arquétipo de “gostosa” trazido pela babá fortalece a ideia de que na nova geração representativa, não existem mais esses conflitos estereotipados.  Lógico, esse artifício também é usado pelo roteiro para promover uma das primeiras quebras, quando achamos que a babá namora um nerd bem característico – tal como o protagonista – e na verdade era só a vítima de um dos seus sacrifícios, mas essa subversão – que instaura a premissa no terror – não invalida o processo dramático da construção igualitária de amizade entre ela e o protagonista. Samara Weaving está perfeita nessas ambíguas transições de personalidade, onde nada se anula, seu aspecto caloroso e aconchegante só a faz parecer mais perigosa quando descoberta como satanista.

É muito legal como o filme valoriza a construção inicial da relação dos dois para criar representações novas, galhofas e extremamente divertidas para um embate final no terror ser empolgante. McG não abandona suas origens e articula o processo de gameficação da narrativa – com a sucessão de desafios – para construir dentro daquele microespaço um caráter épico, validado pelos exageros e pela significação dos feitos do garoto, que em sua perspectiva, será o mote de sua autoafirmação. Há umas sacadas bem boas, como a amizade dele com uma garota da escola que vira um par romântico estereotipado engraçadíssimo quando vê a coragem dele ao enfrentar os vilões, ou o bully da escola, negro e gordinho que rende uma piada de ironia fantástica no terço final quando Cole busca sua ajuda no meio da confusão. Aliás, todas as piadas envolvendo o conceito mesclado de estereotipação de cada vilão secundário são hilárias, e todas corroboram para a ideia central de igualdade entre arquétipos. Assim como a babá, todos têm seu caráter periculoso ao protagonista, mas as misturas rendem disputas justas no jogo, onde Cole precisa encontrar soluções criativas e inteligentes para conseguir se livrar de todos, o que só aumenta nossa afetividade pelo personagem e faz com que torçamos por ele.

Ter um filme de terror com personagem inteligente é gratificante, e essa vir de um garoto de apenas 12 anos e corresponder à gradação da lógica de gameplay do filme vai criando em nosso subconsciente a desvirtuação da inocência para essa nova geração. A partir desse filme, essa exploração do infantil com nova mentalidade se transformou em uma mini tendência – com filmes como Perigo Próximo, o remake de Brinquedo Assassino, ou o longe do terror Bons Meninos – que busca criar novos estereótipos para remodelar novas aventuras infantis cada vez mais distantes da inocência oitentista. Se Stranger Things e It surgiram pela necessidade nostálgica e referenciadora, A Babá se aproveitou dessa demanda de retorno a filmes de gêneros com crianças e propôs atualização geracional implícita em conceito e no novo ambiente. Uma proposta criativa, feita de modo surpreendente e bem orquestrada, dentro das peculiaridades de seu autor.

A Babá (The Babysitter | EUA, 2017)
Direção:
McG
Roteiro: Brian Duffield
Elenco: Andrew Bachelor, Bella Thorne, Hana Mae Lee, Judah Lewis, Robbie Amell, Samara Weaving, Chris Wylde, Doug Haley, Ken Marino, Emily Alyn
Disponibilidade no Brasil:
Netflix
Duração: 90 minutos

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