Na ocasião de aprofundamento dos estudos em torno de Frankenstein, de Mary Shelley, descobri que o poema A Balada do Velho Marinheiro, de Samuel Taylor Coleridge, era uma das obras que integravam as leituras da escritora no período de composição do romance. Muito da aura misteriosa da poesia em questão, disposta em tradução de Weimar de Carvalho na edição disponibilizada ao longo de 120 pela Editora Disal, pode ser contemplada no clássico romance. Publicado em 1798, os versos do autor são considerados pela crítica literária como ponto de abertura do Romantismo na literatura britânica. Nebuloso e com uma atmosfera angustiante, o poema explora temas diversos, dentre eles, culpa, redenção, bem como a relação do ser humano com a natureza. Narrado por um marinheiro que compartilha sua história com um convidado em um casamento, essa estrutura enfatiza a função ficcional aqui, que funciona como um veículo de experiência e aprendizado, além de destacar a importância da transmissão de histórias.
Em linhas gerais, o poema narra as experiências sobrenaturais de um marinheiro que, durante uma viagem turbulenta, acaba desviando seu barco para a Antártica. Após um encontro com um albatroz, que guia a tripulação para fora da região, o marinheiro comete o erro fatal de matar a ave, que era considerada um símbolo de sorte. A ira dos espíritos sobrenaturais se manifesta e o barco enfrenta uma série de infortúnios, incluindo a falta de suprimentos e o aparecimento de um navio fantasma, onde “A Morte” e “O Pesadelo da Vida na Morte” apostam as almas da tripulação. A maldição resultante leva à morte gradual dos membros da tripulação, enquanto o marinheiro observa atormentado. Após uma longa agonia, durante a qual o marinheiro vê os cadáveres de seus companheiros, ele é confrontado por gloriosos espíritos que ressuscitam a tripulação por um breve momento, apenas para que todos afundem em um redemoinho.
O marinheiro, por sua vez, é resgatado por um eremita e seu filho, que, ao perceberem sua presença, temem que ele seja um demônio. Em consequência de seu crime contra o albatroz, o marinheiro é condenado a vagar pelo mundo, compartilhando sua história e a lição aprendida sobre respeito à natureza e suas forças sobrenaturais. Interessante observar que o poema começa com a celebração da beleza natural. O barco à vela, a viagem e as aves marinhas simbolizam a harmonia do mundo natural, que é rapidamente quebrada pela ação do marinheiro. A morte do albatroz representa a transgressão contra a natureza, um ato que resulta em consequências drásticas. Assim, o marinheiro, ao matar o albatroz, carrega um peso de culpa que o acompanha ao longo da narrativa. Essa ação impulsiona a história e reflete a ideia de que a transgressão contra a natureza e as suas criaturas pode levar a um ciclo de sofrimento e punição.
Após a morte da simbólica ave, o narrador e sua tripulação se encontram em uma situação de isolamento extremo. A falta de água e a presença de sentimentos intensos de culpa levam o marinheiro a ter visões e alucinações, enfatizando o tema da solidão e do desespero humano diante de situações extremas. Elementos sobrenaturais permeiam a narrativa, como a aparição de figuras fantasmagóricas e a presença de forças cósmicas que influenciam o destino do marinheiro. Esse aspecto reflete as crenças da época sobre a interconexão entre o humano e o sobrenatural. Ademais, a figura da Morte é personificada no poema, interagindo com o marinheiro e sua tripulação. Esta personificação cria um contraste entre vida e morte, sugerindo que a morte não é o fim, mas parte de um ciclo maior.
Em seu desenvolvimento, no entanto, há espaço para redenção e beleza. Isso é até didático se for mediado, num debate, por uma pessoa que entende profundamente de educação literária. A redenção do marinheiro começa quando ele é capaz de reconhecer a beleza das criaturas marinhas. Essa mudança de perspectiva simboliza a importância do amor e do respeito pela natureza como um caminho para a cura e a liberação da culpa. O mar, por aqui, é descrito como um elemento tanto belo quanto aterrador. A sua dualidade representa a força e a vulnerabilidade do ser humano, sugere que, ao desrespeitar a natureza, o marinheiro se torna prisioneiro da própria culpa. E, nessa jornada do marinheiro, observamos demarcada a luta entre a culpa e a busca por redenção, refletindo a busca humana por conexão espiritual. A oração e a meditação se tornam forças poderosas para a transformação pessoal, sugerindo que a conexão com o divino pode oferecer conforto em momentos de desespero. Ao final do poema, o marinheiro se torna um sábio que passa adiante a lição aprendida: respeito à natureza e uma vida em harmonia.
Um clássico da literatura romântica europeia que deve ser conhecido por todos aqueles interessados em experimentar o impacto emocional da poesia.
A Balada do Velho Marinheiro (The Rime of the Ancient Mariner – Reino Unido, 1798)
Autor: Samuel Taylor Coleridge
Editora: Disal
Tradução: Weimar de Carvalho
Páginas: 120