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Crítica | A Câmera de Claire

por Michel Gutwilen
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Em 2017, o cenário da vez para o prolífico diretor sul-coreano Hong Sang-soo (O Hotel às Margens do Rio) foi Cannes. Todavia, o lado glamouroso desta pequena cidade costeira que abriga um dos festivais mais prestigiados do mundo entre os cinéfilos não se faz presente em A Câmera de Claire. Não há um establishment shot, não há uma cena que se passe dentro do Palais des Festivals, não há pessoas passando em seus ternos luxuosos e vestidos brilhantes. Pelo contrário, estamos diante de uma Cannes ordinária, do lugar comum, dos pequenos bares, dos telhados, apartamentos e de um beco escuro na praia.

Filmado e escrito pelo próprio Sang-soo em pouquíssimos dias enquanto ele estava na cidade para o Festival, A Câmera de Claire acompanha um estranho triângulo amoroso e seu elo comum. Funcionária de uma distribuidora de cinema, Manhee (Kim Min-hee) é demitida por sua chefe, Yanghye (Chang Min-hee), devido a algum caso mal resolvido com o cineasta So Wansoo (Jung Jin-young). Enquanto isso, a francesa Claire (Isabelle Hupert), uma professora que fotografa por hobby, surge repentinamente na vida dos três.

Em um dado momento do longa, Claire afirma que vê beleza na fotografia “porque a única maneira de mudar as coisas é olhar para tudo de novo muito lentamente”. De certo modo, é isso que Sang-soo faz aqui. Não há como não notar a própria metalinguagem entre o ato de Claire em tirar fotos e o do diretor em filmar. Com seus longos planos estáticos que se movimentam apenas para dar um zoom, a câmera de Claire é também a câmera de Soo. Assim, acaba que um filme é como um grande retrato prolongado que, através do simples fato de existir, já muda seus protagonistas.

Todavia, não só estamos falando apenas de um momento transformador para os próprios personagens. Afinal, não é gratuito que o nome do personagem cineasta seja muito similar ao do próprio Sang-soo. Um pouco antes de A Câmera de Claire, a mídia divulgou a existência de um caso extraconjugal entre o diretor e Kim Min-hee. Justamente por isso, o que torna o filme tão fascinante para mim é que enquanto Min-hee faz uma versão de si mesma, eu não diria que Sang-Soo é Wansoo. Na verdade, ele é Claire. É quase como se o diretor usasse o cinema como um meio para realizar uma projeção astral, já que ele está olhando para essa mistura entre ficção e autobiografia de uma maneira distanciada, literalmente como um estrangeiro.

Se repararmos, a personagem de Claire jamais interage com os três protagonistas juntos. Ela está com Manhee em uma cena; e com Wansoo e Yanghye em outra. Tampouco, ela aparece nas fotos que tira, só querendo registrar as pessoas que conhece. Aliás, o próprio fato dela ser interpretada por Huppert, uma atriz tão acostumada com Cannes, mas que aqui é uma completa turista, já carrega uma existência praticamente paradoxal.

Logo, à primeira vista, é como se ela surgisse como essa presença até meio divina que ajuda os três personagens. Entretanto, ela está mais para uma espectadora, como quando surge para buscar o casaco no bar e logo após a briga no telhado. No fim, o ordenamento de A Câmera de Claire, que até começa meio caótico por conta de sua narrativa não-tão-linear, é meio natural e espontâneo. As coisas se ordenam porque existem dentro daquele universo fílmico.

Por fim, A Câmera de Claire poderia já ser o suficiente apenas por reafirmar a capacidade como cineasta minimalista de Sang-Soo (e de Huppert e Kim Min-Hee como grandes atrizes), neste exercício prático em uma Cannes diferente da que estamos habituados a ver. Todavia, por tudo que foi exposto acima, o longa vai além. Longe de ser um trabalho feito apenas para falar de si, Sang-Soo transforma A Câmera de Claire em um uso cinema como uma forma de burlar as próprias regras do tempo. Mais do que isso, ele aproveita a própria capacidade da câmera e, como um espectador, vê seus personagens se ordenarem no meio daquele mundo estranho.

A Câmera de Claire (Claire’s Camera) – Coréia do Sul, França, 2017
Direção: Hong Sang-Soo
Roteiro: Hong Sang-Soo
Elenco: Isabelle Huppert, Kim Min-hee, Chang Mi-hee, Jung Jin-young
Duração: 69 min.

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