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Crítica | A Canção do Pôr do Sol

por Guilherme Coral
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estrelas 4

A família, da mesma forma que pode representar um porto seguro diante das inúmeras adversidades da vida, pode, por outro lado, ser a fonte de inúmeros traumas adquiridos por uma pessoa. Até meados do século XX, contudo, a situação era muito mais complicada e a figura do pai significava muito mais que sua linhagem e sim um mestre dentro da casa. A Canção do Pôr do Sol, dirigido por Terence Davies, baseado no romance homônimo de Lewis Grassic Gibbon aborda essa situação, retratando as profundas mudanças pelas quais a sociedade, à beira da Primeira Guerra, passara.

A trama gira em torno de Chris Guthrie (Agyness Deyn), uma jovem que está prestes a entrar na vida adulta. Em uma pequena comunidade rural em Kinraddie, Escócia, ela vive com seus pais e irmão. Sua vida, contudo, é consideravelmente limitada pelo seu rígido pai, John (Peter Mullan), que trata a família como fossem todos subordinados a ele. Com isso, Chris vê sua única forma de libertação a morte do pai ou seu próprio casamento e não demora para que esse sonho venha a se concretizar, quando ela conhece Ewan Tavendale (Kevin Guthrie), um jovem que mora não muito longe dali.

Temos aqui uma obra cinematográfica levada prioritariamente pela progressão de seus personagens, pela forma como amadurecem ao longo do período retratado. O roteiro adaptado de Terence Davies consegue nos prender através da comparação que, inevitavelmente, fazemos com a nossa própria sociedade. A claustrofobia sentida pela protagonista passa para nós com toda a força e não podemos deixar de sentir certa revolta em relação a seu pai, que trata a família como um lixo, colocando-os em uma miséria constante. Temos aqui o clássico quadro de uma família paternalista, o que chega a nos assustar, visto que estamos na mesma época da Belle Époque, uma eclosão cultural que, não por acaso, entrava em oposição com as ideias retrógadas desse ambiente rural.

Vemos isso com evidencia quando, em uma festa, alguns personagens são contra a ideia da Universidade, vendo isso como uma simples perda de tempo. O filme, portanto, já conta com esse valor pelo mero fato de nos mostrar como a realidade urbana muito se diferenciava de sua contraparte do campo. Chris representa perfeitamente essa ideia do progresso, alguém que decide estudar e ansia para fugir de tudo aquilo – é a mudança personificada, a evolução, tragicamente impedida em virtude do estouro da Grande Guerra, que jogou o mundo em um estado de terror e depressão, com um número assustador de mortes no front.

Nesse cenário, a direção de Terence Davies desempenha um papel que transforma o que vemos, garantindo uma profundidade ainda maior à narrativa. Seus extasiantes planos abertos, que nos mostram as belas paisagens da Escócia fazem os personagens aqui retratados parecerem pequenos dentro desse universo – estão perdidos no meio dessa vastidão e mesmo nos ambientes internos, os planos contam com uma profundidade notável, evidenciando o papel que cumprem dentro da casa e como são essenciais ali dentro se, de fato, decidirem seguir essa vida regrada.

O ritmo lento estabelecido, aliado de uma duração prolongada, acaba por cansar o espectador. Há muito a ser mostrado dessa vida da protagonista, com uma história que se estende por vários anos, mas não podemos deixar de sentir como se a trama não pudesse ser conduzida de forma mais ágil. Dessa forma, nossa imersão seria garantida com uma maior eficácia. Felizmente, pela forma como nos identificamos com os personagens, em virtude do realismo inerente a eles, esse fator não prova ser um grande empecilho, apenas piora o que poderia ser muito melhor.

A Canção do Pôr do Sol nos deixa com a percepção de que acabamos de assistir um belo e, ao mesmo tempo, triste olhar sobre a vida antes e durante a Primeira Guerra. Não há como não tecer comparações da vida no campo com a da cidade nessa época, o que garante uma nítida pluralidade ao filme, que sempre deixa esse outro ambiente, tão diferente, em segundo plano, sendo citado por personagens ou até sonhado por eles. Embora não flua como deveria, temos aqui uma obra que consegue nos engajar, nos transportando direto para a primeira metade do século XX.

A Canção do Pôr do Sol (Sunset Song) – Reino Unido/ Luxemburgo, 2015
Direção:
 Terence Davies
Roteiro: Terence Davies (baseado no livro de Lewis Grassic Gibbon)
Elenco: Peter Mullan, Agyness Deyn, Mark Bonnar,  Kevin Guthrie, Stuart Bowman, Ron Donachie
Duração: 135 min.

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