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Crítica | A Casa Animada (Drawn Together) – 1X01: Hot Tub

por Ritter Fan
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Bem-vindos ao Plano Piloto, coluna semanal dedicada a abordar exclusivamente os pilotos de séries de TV.

Número de temporadas: 3
Número de episódios: 36
Período de exibição: 27 de outubro de 2004 a 14 de novembro de 2007.
Há continuação ou reboot?: Sim. A série foi sucedida por um longa-metragem, A Casa Animada: O Filme, que a encerrou.

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Drawn Together, que teve esse genial título em inglês vertido para o sem-graça A Casa Animada no Brasil, tem uma premissa imediatamente engajadora para quem, como eu, não gosta (eufemismo para “odeia com todas as forças”) de reality shows. Na série, cinco personagens representativos de diversos tipos de animação, são colocados em uma casa à la Big Brother, ainda que a inspiração direta tenha sido o programa americano The Real World, que antecede o Big Brother em nada menos do que sete anos, são colocados dentro de uma casa vigiada por câmeras durante 24 horas e têm que lidar com as diversas situações que decorrem daí.

Com uma cajadada só, a criação de Dave Jeser e Matt Silverstein mata diversos proverbiais coelhos, primeiro satirizando os reality shows e, de quebra, o culto à celebridade, assim como todas as animações que pudermos imaginar, pegando extremamente pesado com as mais diversas situações polêmicas possíveis, seja racismo, homossexualidade, misoginia e assim por diante ao ponto de constantemente desafiar a tênue fronteira entre a crítica social e o mau-gosto. Diferente de South Park, que faz o mesmo, mas com algum grau de sofisticação, sutileza e muita inteligência, Drawn Together não se preocupa em lidar com escatologia explícita ou levar situações ao extremo do extremo, o que, especialmente no dias de hoje, pode ofender muita gente e não sem razão.

Usando um estilo de animação digital muito simples, a preocupação visual primordial está em materializar personagens que encapsulam à perfeição avatares de animações conhecidos, mas cujos “clones” que vemos nas telas estão ali no limite do que pode seria violação de direitos autorais. Com isso, temos o sociopata e machista Capitão Herói (Captain Hero, voz original de Jess Harnell), que é uma versão do Superman, mas que representa todo o panteão de super-heróis; o tarado e escatológico Onanias (Spanky Ham, voz de Adam Carolla), uma espécie de confluência das centenas de personagens criados em Flash na forma de um porco antropomórfico; a preconceituosa e mimada Princesa Clara (Princess Clara, voz Tara Strong), a amálgama de todas as princesas da Disney; o muito gay Xande (Xandir P. Wifflebottom, voz de Jack Plotnick), um fusão de Link, de A Lenda de Zelda com Cloud Strife, de Final Fantasy, que, claro, representa todos os personagens de videogames; a sexy e desbocada Chica Ximbica (Foxxy Love, voz de Cree Summer), cópia carbono de Valerie Brown, de Josie e as Gatinhas e representando as animações dos anos 60 e 70; o homicida psicopata Ling Ling (Abbey DiGregorio), exatamente igual ao Pikachu e, claro, fazendo confluir por seu intermédio todas as animações orientais; o hiperativo e imbecil Imeia Delano (Wooldoor Jebediah Sockbat, voz de James Arnold Taylor), visualmente semelhante ao Bob Esponja, mas representando todos os personagens bizarros das animações, incluindo Pica-Pau e Ren & Stimpy e, finalmente, Toot Braunstein (também voz de Tara Strong), uma versão “acabada” e alcoólatra de Betty Boop que funciona como o avatar das animações mais antigas, dos anos 30 e 40, além de toda uma cultura de objetificação feminina com as pin-ups da era.

Fiz questão de descrever os personagens, pois eles realmente foram muito bem pensados para cumprirem suas funções não só como estereótipos de animações, mas também como estereótipos de recortes da sociedade, seja a negra cheia de ginga, a branca que não faz ideia do quão racista é, o homem machista que também não se dá conta de sua visão distorcida da realidade e assim por diante. Percebe-se um cuidado grande nesse quesito que, porém, neste primeiro episódio – e, reiterando, a crítica é apenas deste primeiro episódio, vide o nome da coluna – não traduz todo o potencial que tem. E a principal razão para isso é que, apesar de Hot Tub ser eficiente em apresentar cada um dos personagens e a situação em que se encontram, a sátira ao redor do preconceito racial materializada pelo conflito entre a Princesa Clara e Chica Ximbica não sabe ficar apenas na sátira e resvala em momentos realmente incômodos que, diria, cruzam a fronteira entre crítica e ofensa.

Talvez eu esteja sendo purista – e eu não sou purista! -, mas a repetição temática, aqui neste episódio inaugural descamba para o “choque pelo choque”, inserindo a questão racial e não a largando mais. Ao contrário até, ela é insistentemente aprofundada no sentido de novas tentativas de chocar a cada 10 segundos, com um resultado “conciliador” que me pareceu varrer o assunto muito facilmente para debaixo do tapete. Claro que, porém, essa ousadia toda do roteiro geral algumas situações realmente muito boas, como o beijo na banheira de hidromassagem – com direito a música, a primeira do que seria uma marca da série – que usei para ilustrar a presente crítica, mas faltou mais cuidado na forma como o assunto foi desenvolvido.

De toda maneira, se o espectador souber o que esperar e tiver estômago para o grau de explicitude de todas as formas de piada, até aquelas francamente de mau gosto, Drawn Together será uma fonte inesgotável de risos e gargalhadas, nem que por vezes sejam risos e gargalhadas de nervoso, de incômodo. Com o filtro correto, essa breve e razoavelmente esquecida animação do começo dos anos 2000 pode ter muito a oferecer em termos de comentário social, seja por sua incorreção política, seja pela forma como destrói os reality shows, seja tratando de queridas animações com todo o veneno possível, mesmo que isso signifique que, às vezes, ela acabe indo longe demais.

A Casa Animada – 1X01: Hot Tub (Drawn Together – EUA, 27 de outubro de 2004)
Criação: Dave Jeser, Matt Silverstein
Direção: Peter Avanzino
Roteiro: Matt Silverstein, Dave Jeser
Elenco: Jess Harnell, James Arnold Taylor, Tara Strong, Cree Summer, Jack Plotnick, Adam Carolla, Abbey DiGregorio
Duração: 22 min.

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