Home TVEpisódio Crítica | A Casa do Dragão – 1X04: O Rei do Mar Estreito

Crítica | A Casa do Dragão – 1X04: O Rei do Mar Estreito

Sexo em família.

por Kevin Rick
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos outros episódios da série, e, aqui, todo o nosso material de Game of Thrones.

Eu me lembro das controvérsias e discussões polêmicas que ocorreram na internet em relação a cena em que Khal Drogo consuma seu casamento com Daenerys. Muitos reclamaram do nudismo, outros disseram que a sequência é muito explícita com o estupro, e por aí vai. Nunca entendi esses protestos, porque é um momento propositalmente desconfortável e incômodo para retratar a subjugação de Daenerys e das mulheres no contexto medieval de Westeros. Game of Thrones teve diversas cenas apelativas e gratuitas de nudez e lascívia durantes seus anos no ar, mas o estupro de Daenerys não se enquadra nesses casos.

Trouxe isso à tona, pois o quarto episódio de A Casa do Dragão traz novamente o sexo como pauta de discussão narrativa e visual para este universo. Antes de falar mais sobre isso, é preciso estabelecer que O Rei do Mar Estreito continua examinando o que é ser uma mulher em Westeros, mantendo o foco em Rhaenyra, mas também explorando isso dramaticamente com Alicent. O episódio começa com a princesa tendo que escolher um pretendente na Pedra do Dragão e posteriormente vendo o conselho de seu pai discutir seu matrimônio. Mais tarde, a personagem assiste a misoginia dos plebeus com uma performance de rua que tira sarro da ideia de existir uma governante feminina, e o episódio termina com a princesa sendo forçada a se casar com Laenor e recebendo um “chá” para evitar uma possível gravidez.

Temos uma sucessão de eventos que giram em torno da perda da virgindade de Rhaenyra e do seu papel feminino no reinado de seu pai, servindo como moeda matrimonial para alianças políticas e precisando manter a sua “honra” enquanto donzela. É interessante perceber como o seriado tem dado destaque para esse arco de Rhaenyra, tornando a narrativa geral mais um exame sobre a cultura patriarcal de Westeros do que uma luta pelo trono e a sucessão da coroa. O elo temático ainda existe, mas cada vez mais o enredo se distancia de discussões políticas para se aproximar de discussões de gênero como fachada principal.

Nesse sentido, a sequência que Daemon leva a princesa ao bordel traz ângulos interessantes para a narrativa e o arco da personagem. Primeiramente, a cena entre o tio e sua sobrinha namorando representa a depravação e os costumes incestuosos dos Targaryen que tanto ouvimos em GoT, trazendo o mesmo sentimento desconfortável do estupro de Daenerys, ainda que por uma perspectiva diferente. Não sou exatamente fã de como a direção cria uma certa sensualidade à cena, mas existem outras camadas para além de sexo na sequência.

Há toda uma representação da desvirtuação de Rhaenyra por parte de Daemon, que a leva para saber como os súditos a caçoam, a deixa roubar, e basicamente diz a ela para fazer o que seus desejos mandarem, inclusive transar com quem quiser – fato que ela consome logo em seguida com Cole. Não confundam isso aqui com empoderamento feminino, por favor, mas sim como uma mudança de comportamento da personagem (algo que vem sendo insinuado por seus esparsos momentos de desobediência), com a garota assumindo a mesma irresponsabilidade e inconsequência de Daemon e dos privilégios da família real.

A montagem paralela de Daemon e Rhaenyra se beijando enquanto Alicent é abusada pelo rei oferece outra interpretação do evento. Por um lado, temos a libertinagem em um exemplo repulsivo, e do outro lado a subjugação em outro exemplo repulsivo. São dois extremos que representam as situações das duas personagens femininas, sendo interessante ver como serão suas devidas transformações e desenvolvimentos a partir disso. Por mais que tenha aceitado se casar com Laenor, prevejo Rhaenyra assumindo uma postura cada vez mais rebelde frente à coroa (vimos ela fazer sua primeira jogada de poder ao derrubar Otto), enquanto Alicent terá bastante controle em uma eventual morte de Viserys.

É um episódio que também transforma como vejo Daemon. Na estreia da série, citei o personagem como ambíguo, provavelmente similar a Jamie Lannister, mas este episódio demonstra um indivíduo realmente sombrio, tramando seu próprio jogo para tomar a coroa através das amarras de Rhaenyra. Assim como vimos na batalha do episódio anterior, Daemon é alguém disposto a sacrificar tudo por sua ambição, se provando ser mais próximo de Cersei em sua vilania. Matt Smith continua muito bem no papel.

Dito tudo isso, tenho ressalvas com a narrativa de O Rei do Mar Estreito. Se tem algo que me alarmou desde cedo na história é a rapidez dos eventos, resultado de uma narrativa que quer cobrir um longo período de tempo. Rhaenyra viajou para escolher pretendentes? A cena dura minutos. Daemon foi nomeado rei após sua vitória no campo de batalha? Ele já está aqui diante do rei proclamando seu falso respeito. A princesa estava num bordel? Os rumores chegam nos ouvidos do rei em questão de horas – me peguei relembrando de como GoT lidava bem com essa parte da história através de Mindinho e Varys. Rhaenyra coloca dúvidas na mente de Viserys sobre Otto? Ele perde seu cargo na sequência seguinte. É uma história instantânea de causa e efeito.

Basicamente, A Casa do Dragão é direta como uma flecha, sem paciência para extrair o máximo de determinados eventos e construir tensão narrativa com futuras recompensas (vai ser difícil ver uma boa reviravolta no seriado). Entendo que a proposta é mais restrita ao drama de cortes e as rivalidades familiares (gosto disso), mas parte do tempo desse episódio totalmente devoto para a pauta sexual e de virgindade de Rhaenyra poderia ter sido ofertado para desenvolver Otto, totalmente descartável neste ponto da história, ou então a lorde Corlys e a esquecida Rhaenys.

Ainda assim, O Rei do Mar Estreito é um episódio interessante em suas correrias narrativas e metáforas por vezes óbvias demais sobre patriarcado e o papel feminino em Westeros. Desde a montagem da cena do parto em Os Herdeiros do Dragão, já deu para entender: ser mulher neste universo, mesmo na realeza, é uma droga. Agora a série precisa usar esta proposta dramatúrgica e criar grandes arcos para suas personagens femininas, sejam em seus comportamentos (algo que vemos se reconfigurando bastante no episódio, com ótima representação do sexo para isso), seja pelos personagens ao redor deste conflito pela coroa. Viserys e Daemon continuam intrigantes, mas ainda precisamos de mais substância política na história, e também mais paciência para articular eventos e tensões narrativas.

A Casa do Dragão – 1X04: O Rei do Mar Estreito (House of The Dragon – 1X04: King of the Narrow Sea) | EUA, 11 de setembro de 2022
Criação: 
Ryan J. Condal, George R. R. Martin
Direção: Clare Kilner
Roteiro: Ira Parker
Elenco: Paddy Considine, Matt Smith, Emma D’Arcy, Rhys Ifans, Steve Toussaint, Eve Best, Sonoya Mizuno, Fabien Frankel, Milly Alcock, Emily Carey, Graham McTavish
Duração: 63 min.

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