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Crítica | A Casa é a Viagem + Resto e Memórias de Filmagens

por Davi Lima
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Há uma fusão bastante conveniente e criativa que percorre as produções cinematográficas do Festival Ecrã de 2021 quanto ao contexto da Pandemia em relação ao vírus Covid-19, em que o filme Natalis, por exemplo, se tematiza quanto ao vazio, ou Sombra que dialoga com algum sentimento de isolamento. O curta A Casa é Viagem da diretora Bárbara Bergamaschi não esconde a conveniência criativa, em que o recurso do Cinema Experimental, no qual ela é doutora, reflete plenamente a impossibilidade de as pessoas viajarem quando em 2020 houve o surto do vírus. Essa plenitude temática, por mais conveniente que seja, é criativa, elaborando uma ilustração audiovisual sobre o livro-diário Sendas de Oku do escritor Matsuo Bashô no século XVII, uma ilustração harmônica com a produção do mesmo livro: uma caminhada pelo Japão. Nisso consiste a potência de Bárbara em expor a interface do computador como uma maneira de recontar a história de Matsuo com base na interpretação superficial do filósofo Walter Benjamin sobre os “agoras” que cada história contada subscreve como objeto e lugar. 

A narração de Idjahure Achkar Kadiwel como intérprete de Matsuo ao longo do curta A Casa é a Viagem vai se tornando mais uma descrição do que uma narrativa. Isso capta essa noção de “agoras” de Walter Benjamin, da mesma maneira que o usufruto do livro-diário, com uma linguagem poética e tematicamente espiritual sobre uma viagem, torna uma história mais fluida sobre o tempo, em que Matsuo circunscreve em sua maneira de enxergar o mundo algo atemporal. Mas nesse sentido não é uma compreensão de como o passado tem uma conflito agressivo com o presente, como um salto de tigre que Benjamin, marxista, acredita para conceitos historiográficos. Mesmo a diretora Bárbara inclua a citação ao filósofo alemão como finalização do curta, como um realce representativo da sua execução cinematográfica experimental, feita por sinal com muito esmero quanto ao locus japonês e o evidenciamento dele com sistemas geográficos de interface computadorizada, ainda assim a criatividade acaba caindo mais na conveniência de relações, mesmo que harmônicas. O conflito entre um texto do século XVII sobre viagens, período de pandemia que se necessita isolamento em casa e o conceito temporal que permite a liberdade de contar histórias em meio a conexão de um espaço.

Por fim, Bárbara delineia muito bem qual seu projeto de casa e viagem, qual pesquisa, qual tese quer colocar para o espectador refletir, mas nisso também limita-se a raiz do cinema, ao menos em meandros da arte moderna quanto ao efeito, de que o curta mantém descritivo em bom aparelhamento narrativo de tecnologia moderna, no entanto circula numa constante que não sai do ponto originário da explicação conceitual. Soa como uma conclusão clássica de como uma matéria de pesquisa não vai além por não produzir efeitos emocionais, como um ponto racionalista sendo colocado em cheque, porém é inegável que os “agoras” importam, e a experiência de assistir é o imediato tempo que num sistema passivo transborda efeito. A ausência dele diz muito sobre a arte que não é feita apenas de conceitos conflitantes bem postos na execução experimental, há os implícitos que parecem não interessar Bárbara, ou que parece que esse tipo de projeto necessita em seu projeto de criação.

A Casa é a Viagem (A Casa é Viagem) – Brasil, 2020
Direção: Bárbara Bergamaschi
Roteiro: Bárbara Bergamaschi
Elenco: Idjahure Achkar Kadiwel
Duração: 15 minutos

Resto e Memórias de Filmagens

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A grandiosidade do curta Resto e Memórias de Filmagens do diretor Alex Cox se faz pela matéria da pequeneza dos efeitos práticos que carregam o escopo e o grande espaço que o espectador sente ao assistir um faroeste ou um sci-fi de qualidade. A narrativa do curta é a construção e o comentário sobre ela, mas não um explicado. A dinâmica que Alex coloca de “quebrar a quarta parede”, de na verdade gravar um documentário sobre memórias de produções audiovisual citadas como Bill Galactic Hero e Tombstone Rashomon, sci-fi e faroeste, respectivamente, entre pensar o espaço de maquetes e suas construções com a inserção narrativa nos clipes das produções citadas, o diretor consegue tornar seu ambiente real de estar numa casa isolada na floresta quase uma metalinguagem sobre os espaços que cada narrativa anseia por ter para existir em imaginário. 

O curta todo volta-se para o questionamento e a atenção para o espaço construído em efeitos práticos para o cinema, que usa maquete feita de madeira, papelão e outros materiais conhecidos para formar miniaturas e escalas menores. Para a produção Bill Galactic Hero Alex Cox faz um espaço fantasioso que monstros recortados e desenhados em papel que surgem desse espaço fantasioso levemente plano, como um vortex que os monstros querem surgir, enquanto os personagens no clipe querem impedir que eles alcancem a saída. Talvez essa não seja a história do filme, mas o próprio efeito prático de movimento dos monstros subindo e descendo nos buracos do vortex cria um imaginário, pois o espaço conta uma história própria que se precisa harmonizar com a narrativa com o resto do filme, sem necessariamente ser uma apêndice. 

Enquanto isso no sci-fi, na maquete que Cox faz para Tombstone Rashomon não tem a mesma funcionalidade que um espaço que é usado em tela de gravação, mas é o planejamento espacial para um faroeste em toda a sua dramaticidade do universo de uma vila do século XIX. Cox comentando sobre como a compreensão das setas de caminho que os personagens andam dentro da vila, que a fotografia vai apontando na maquete as casinhas em miniatura e paralelamente mostra para onde os personagens nos clipes da produção vão caminhando entre elas, é possível entender o drama do duel clássico do faroeste, em vista que geografando onde os personagens vão se encontrar, e passando isso para o espectador, a ânsia e a expectativa provoca um conflito. Nessas duas produções criam-se imaginários em dois gêneros, sci-fi e faroeste, entendendo-se as maquetes e o espaço em que as histórias se passam, mas a graça mesmo é ver isso na própria produção realista do curta com Cox andando e explicando.

Se o questionamento é objetivo sobre o cinema e a construção planejada do espaço, algo bastante único dentro da arte do cinema em relação ao teatro que precisa se reinventar a cada apresentação, as escalas e maquetes criam espaços sem espaço. E é mais ou menos isso que o diretor faz com sua casinha no meio da floresta, forjando-a na imagem como o local da criação, em que o som de serragem é ouvido, mas não se mostra o trabalho, ou quando vai se pensar na maquete do faroeste Cox olha para a janela falando com o público em meio a uma iluminação natural que ajuda a criar um imaginário específico. Mesmo com aparências de um documentário, o outsider de Hollywood, o diretor britânico chamado Alex Cox, enquanto anda fora da sua casa e ensina sobre o pegar da madeira para a maquete parece que a fotografia vai captando uma outra realidade. A luz, em certo momento, torna o 3D em 2D, como se houvesse um recorte transversal luminoso sobre o corpo do apresentador, e a câmera estática anula de que alguém está gravando, colocando o diretor como a própria história, como dois planos, criação e criador, não tivesse separação. Eis a tal linguagem dos restos de memórias de filmagens.

Esses são os imaginários dos gêneros sci-fi e faroeste quanto ao espaço e a construção narrativa das produções, mas agora numa metalinguagem inusitada do curta Resto e Memórias de Filmagens. O espaço usado para se comentar o espaço cinematográfico com materiais de arquitetura em pequena escala é a interface para conectar o comentador ao seu próprio espaço de criação. Mesmo que o curta seja realista e não permita essa abrangência de interpretação do imaginário percebido por essa crítica, ainda assim é certo que Alex Cox põe bem em seu curta como a grandiosidade de certos filmes é pela pequeneza dos planejamentos de maquete de uma pré-produção.

Restos e Memórias de Filmagens (Film-Related Scrap and Wood Projects) – EUA, 2021
Direção: Alex Cox
Roteiro: Alex Cox
Elenco: Alex Cox
Duração: 7 minutos

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