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Crítica | A Casa Negra, de Peter Straub e Stephen King

por Rafael Lima
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Existe certa continuidade dentro da bibliografia de Stephen King. Ao longo dos anos, a cada livro publicado, o autor foi criando um universo compartilhado, com várias de suas histórias partilhando cenários e personagens. Ainda assim, o autor escreveu poucas sequências diretas de suas histórias. King pode revisitar velhos cenários em seus romances, como as recorrentes cidades de Castle Rock ou Derry, mas não poderíamos dizer que Cão Raivoso é uma sequência de Zona Morta, ou que Insônia seja uma sequência de It- A Coisa, pois os personagens principais, temas e antagonistas são outros.

Claro, há exceções, como a série A Torre Negra, por exemplo, cujos livros acompanham o pistoleiro Roland Deschain; Doutor Sono, que deu sequência ao clássico O Iluminado; e o objeto desta resenha A Casa Negra, que junta novamente King com o autor Peter Straub para dar continuidade á historia de Jack Sawyer, iniciada em O Talismã.

Na trama, reencontramos Jack Sawyer vinte cinco anos depois dos eventos de O Talismã. O protagonista agora é um detetive de polícia que se aposentou precocemente após ter uma crise nervosa na cena de um crime; tendo então se retirado para a pequena cidade de French Landing, no Wisconsin, onde pretende levar uma vida tranquila. A tranquilidade de Jack, entretanto, é abalada quando um infanticida conhecido como O Pescador começa a atuar na cidade, deixando a pequena cidade em pânico. Ao concordar em investigar os crimes, Jack não apenas se vê diante de memórias reprimidas, envolvendo as suas viagens a uma dimensão mágica quando era garoto, como também de um plano que pode levar ao fim de toda a existência.

Se em O Talismã, Stephen King e Peter Straub encontraram dificuldade para encontrar coesão entre os seus estilos de escrita, nesta nova colaboração, a dupla consegue uma sintonia muito melhor, entregando um trabalho com maior unidade. Deixando a narrativa de jornada do livro anterior para trás para focarem mais no terror, os autores constroem de forma competente todo o clima de medo e tensão que vai se apoderando da pequena cidade de French Landing, graças às ações brutais do cruel serial killer que aterroriza a região. A obra não teme chocar o leitor através das descrições dos hediondos crimes cometidos pelo Pescador, vilão inspirado na figura verídica do infanticida Albert Fish, trazendo passagens perturbadoras. O livro assume um risco interessante ao transitar por diferentes estilos de terror, começando como um thriller policial de horror em seu primeiro terço para então assumir um caráter mergulhado no horror cósmico lovecraftiano a partir de certo ponto, mas tal transição é feita de forma muito eficiente.

Ainda que esteja longe de ser o protagonista mais multifacetado da bibliografia de Stephen King, o crescido Jack Sawyer é um personagem carismático, que tem uma jornada interessante onde precisa enfrentar os traumas de seu passado para poder solucionar o caso do Pescador e deter a ameaça cósmica que cresce na cidade. O conflito onde o protagonista precisa reviver os traumas de infância para enfrentar o presente é um tema recorrente na obra do autor, já visto em It- A Coisa, ou Doutor Sono, que tal como A Casa Negra traz um protagonista adulto, apresentado como um protagonista infantil em uma anterior. Há também um núcleo bastante carismático envolvendo uma gangue de velhos motoqueiros que buscam vingança contra o Pescador após a filha de um deles ser morta pelo vilão, o que gera uma inusitada e divertida parceria com Jack.

Mas apesar de ter grandes qualidades narrativas, A Casa Negra possui alguns defeitos que incomodam um pouco. Há um excesso de personagens coadjuvantes na narrativa, que parecem estar lá apenas para encher linguiça, sem acrescentar muita coisa na trama central, o que torna o livro maior do que ele precisava ser. Além disso, os dois autores utilizam-se muito mal do recurso de narrador observador, que parece surgir de forma aleatória ao longo do romance, o que acaba arrancando o leitor da imersão. Há também o velho calcanhar de Aquiles de King, que volta s se fazer presente aqui, já que o 3º ato de A Casa Negra é totalmente anticlimático. Por fim, a trama é lotada de Deus Ex Machina, onde momentos muito bem construídos de tensão absoluta são resolvidos por soluções milagrosas, que surgem do nada; revelando certa preguiça dos autores.

O livro possui um link direto com a série A Torre Negra (que não li), que embora não prejudique o entendimento da narrativa, acaba por desviar a atenção do leitor para a história que está sendo contada, passando a impressão de que A Casa Negra é só um Tie-In de uma trama maior que não conhecemos. De fato, King e Straub fazem um pequeno retcon fazendo dos Territórios, a dimensão habitada por duplos apresentada em O Talismã, como mais um dos vários níveis da Torre Negra, a construção que sustenta o multiverso do Kingverso, uma informação que acaba mais distraindo do que contribuindo para a obra.

A Casa Negra é um bom romance da dupla King/Straub, onde o estilo dos dois autores se articula de forma eficiente, para trazer uma história de terror extremamente atmosférica; que funciona tanto no terror humano nas ações do vilão infanticida quanto no campo mais fantástico do horror cósmico. O romance, entretanto, não consegue alçar voos mais altos por constantemente resolver seus conflitos com soluções fáceis tiradas da cartola, e um numero excessivo de personagens, que nem auxiliam na construção do universo da história, e nem funcionam como subtramas interessantes. Ainda assim, o livro é uma sequência interessante e bem diferente de O Talismã, que vale a pena ser conhecida.

A Casa Negra (Black House) – Estados Unidos, 2001
Autores: Peter Straub, Stephen King
Editora Original: Random House
Editora Brasileira: Suma de Letras
Tradução: Adalgisa Campos Da Silva
704 Páginas

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