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Crítica | A Colônia (2021)

Uma ilustração importante e inerte de uma resistência.

por Davi Lima
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A Colônia

A ilustração do cotidiano do bairro Antônio Justa, ou Colônia – por ter sido uma antiga colônia para tratamento da lepra denominada leprosário – , mostra a resistência das gerações e das moradias, o artifício ilustrativo, ora rígido, ora imediato no registro do documentário. Isso cria quebras e construções de diegesis, sem a  noção plena de um corpo de filme. A Colônia não nos transfere um fio dramático além da exposição e dos microcosmos reais entre pessoas, que acabam se tornando apenas flertes de uma impressionante naturalidade sentimental do registro de uma região cearense.

Em 1942, o leprosário Antônio Justa foi fundado para confinar pessoas doentes de hanseníase, em época que não havia ambulatório e os mesmos esquemas atuais de contenção de doenças transmissíveis por contato, ainda mais os conhecimentos que se tem  hoje sobre a doença bacteriana comumente chamada de lepra. O documentário, com narrativas de ficção com os moradores contemporâneos do local da região da antiga Colônia, espacializa bem a região do município de Maracanaú, no Ceará, para imergir na vocalização histórica da colônia. Isso consta principalmente na narração inicial do filme por cima da simulação fotográfica de uma câmera isométrica, passando um ângulo de cima pelo leprosário nas décadas passadas em que estavam ativas as internações compulsórias e segregantes dentro da colônia.

Essa introdução somada ao cotidiano dos moradores de Maracanaú do segmento de Antonio Justa, acompanhada por um rap com conteúdo mais direcionado a um protesto político, centraliza a ideia dos diretores de documentar a resistência do local aos intuitos governamentais de fecharem o que resta do leprosário. Há, por isso, uma preocupação narrativa nas partes das histórias dos moradores em comentar o aluguel de casas, a urbanização fragmentada e rememorar relatos da destruição dos pavimentos da Colônia como o desalojamento forçado, mediando assuntos correlacionados ao leprosário e as implicações contemporâneas. Tematicamente há essa pretensão de unir a subtramas, de uma personagem que quer alugar uma casa em Maracanaú, saindo de Fortaleza, do vendedor de garrafões que junto com o rapper local assumem papel da nova geração, e da cuidadora de idosos no que sobrou oficialmente do Instituto Antônio Justa.

Apesar dessa boa intenção, a forma para se contar tal emaranhado de tramas se enovela negativamente na montagem e nas escolhas de estilo para gravar as passagens que se conectam. A direção intenta contemplar uma unidade entre o registro estático e a narrativa livre, como as cenas da cuidadora de Antônio Justa com os idosos,  documentadas pela fotografia rígida e aberta. Ao mesmo tempo há uma transição com entrevistas mais diretas, no estilo clássico de filmagem. No entanto, cria-se uma necessidade de apresentar diretamente o Instituto e estrangular a passividade da rigidez da fotografia. Tal necessidade até parece um patamar novo, mas não passa de uma ilustração inerte.

A steadicam e a câmera na mão posta em cena – como nas gravações do cotidiano do vendedor de garrafões d’água e do rapper, ou  do plano sequência dentro do Instituto – quando a cuidadora apresenta o quadro da colônia Antonio Justa e toda a estrutura física do pavimento restante – são importantes para a unidade temática, e até no progresso da forma que o documentário caminhava. Entretanto, soa como um ser estranho na montagem, apenas um buraco de reforço, um traço mais grosso no desenho da obra do que parte do corpo do longa-metragem.

Dessa forma, A Colônia se torna uma incógnita, mesmo que haja posteriores reforços das pretensões dos diretores, como também dos moradores atuais serem subtramas para incrementarem um teor mais ficcional e real, simultaneamente, envolta do tema da Colônia como resistência ao tempo. O aniversário do bairro, comemorado pelos cidadãos de Maracanaú, dignifica as memórias registradas dos idosos remanescentes da colônia, sem confinamento, mas o documentário não passa de um registro informacional ilustrado. Importante e insuficiente no mesmo estigma temporal que a Colônia busca, sofrendo para sobreviver.

A Colônia (A Colônia) – 2021, Brasil
Direção: Mozart Freire, Virginia Pinho
Roteiro: Mozart Freire, Virginia Pinho, Miqueias de Moura Mesquita
Elenco: moradores do bairro Antônio Justa, ou Colônia
Duração: 73 minutos

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