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Crítica | A Dança da Morte (1994)

por Rafael Lima
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A Dança da Morte, adaptação do livro homônimo de Stephen King, de 1978, levou um longo tempo para chegar às telas. George A. Romero passou quase toda a década de 1980 tentando levá-lo ao cinema, mas não teve êxito. Mas em 1993, a ABC procurou King, interessada em transformar o calhamaço de mil páginas em uma minissérie, oferecendo um orçamento generoso para os padrões de TV da época. O resultado chegou à televisão um ano depois, em uma minissérie de seis horas de duração dividida em quatro episódios, com roteiro do próprio King, e direção de Mick Garris, que começava a construir uma longa parceria com o autor.

A Dança da Morte se passa em um mundo devastado por um vírus conhecido como O Capitão Viajante, uma versão bélica da gripe, liberado acidentalmente de uma instalação militar. Acompanhamos um grupo de pessoas tentando sobreviver em um Estados Unidos devastado, até que começam a sonhar com duas figuras, a Mãe Abigail (Ruby Dee), uma velha senhora que os convoca a ir para o Nebraska para cumprir os desígnios de Deus, e Randall Flagg (Jamey Sheridan) um homem misterioso com poderes sobrenaturais que promete poder e prazer ilimitado para quem se juntar a ele em Las Vegas.

Os quatro episódios da minissérie tem cada um uma identidade própria, com o primeiro focando-se no impacto propriamente dito do apocalipse viral, e os restantes nos diferentes estágios da adaptação dos sobreviventes ao mundo que emerge daí, mas sem com isso atrapalhar a coesão da narrativa, ou fazê-la soar truncada. O primeiro episódio, The Plague, é competente em apresentar os diversos personagens da trama e o fato de não termos foco excessivo em apenas um protagonista ajuda a construir o caráter grandioso perseguido pela trama. Os elementos sobrenaturais são sutis nesta primeira parte, que é mais focada no caos e desespero gerado pelo vírus nas diferentes partes do país. O segundo episódio, The Dreams é o ponto alto do projeto. A maior parte dos valores de produção parecem se concentrar neste capítulo, mostrando as jornadas dos sobreviventes por diversos Estados americanos, criando uma boa variação de ambiente. O episódio não só estabelece a relação entre os sobreviventes, à medida em que eles se encontram e formam os seus grupos, mas também o grande tema da trama, a luta entre o bem e o mal sob uma ótica bíblica.

Os maiores problemas da minissérie surgem nos episódios finais, começando pelo caráter excessivamente maniqueísta adotado. Torna-se claro que todos que escolheram se juntar à Mãe Abigail para formar a comunidade da Zona Livre no Colorado são pessoas muito boas, sem nenhum tom mais cinzento, exceção feita à Harold (Corin Nemec), que mesmo assim, tem a sua virada dramática tratada de forma pouco convincente. A situação é pior nas cenas situadas em Las Vegas onde Randall Flagg estabeleceu seus domínios, já que de forma caricata, todos são maus, correndo e gritando pelas ruas com armas em punhos, fumando e bebendo a rodo, com Lloyd (Miguel Ferrer) o criminoso escolhido para ser o braço direito de Flagg, sendo o único a apresentar algum conflito dramático.

Por se configurar como um tipo de épico pós-apocalíptico bíblico, A Dança da Morte traz situações que remetem à Bíblia, como a peregrinação da Mãe Abigail pelo deserto, o conceito de uma Terra Prometida em Boulder, no Colorado, ou a esperança de salvação da humanidade representada em uma gravidez. O próprio Flagg, tal como o mal bíblico, não tem motivação clara. Não sabemos exatamente quem (ou o quê) ele é, ou qual o seu objetivo final, sabemos apenas que o vilão quer promover o caos e, dentro da proposta da obra, funciona. O problema da abordagem bíblica da narrativa surge quando as ações do próprio Deus tornam-se determinantes em pontos-chave da trama.

Desde o início sabemos que a Mãe Abigail é uma emissária de Deus e que ela envia sonhos a potenciais seguidores, mas isso é toda a interferência divina que temos até o terceiro episódio, The Betrayal. A partir de então temos personagens com visões salvadoras na hora H, e o terrível clímax no capítulo final, The Stand, envolvendo a Mão de Deus (feita em um CGI constrangedor) que salva o dia. De fato, The Stand não é problemático só por seu ofensivo Deus Ex Machina, mas por sua estrutura ser construída em uma base equivocada, já que a jornada feita pelo pequeno grupo liderado por Stu (Gary Sinise) até Las Vegas, para confrontar Flagg, não tem impacto narrativo algum, já que a queda do regime do vilão teria acontecido de qualquer forma. Um problema vindo do livro e que King não fez questão de ajustar em seu roteiro. Há quem possa argumentar que a jornada do grupo tinha muito mais a ver com um teste de fé em Deus do que propriamente objetiva (tendo em vista que a Zona Livre é basicamente uma comunidade baseada no Cristianismo), mas mesmo isso não é bem construído.

Apesar dos defeitos, não se pode negar que os quatro episódios tem um ritmo muito bem conduzido por Mick Garris, que faz as mais de seis horas da minissérie voarem, mesmo em seus episódios mais fracos. Por outro lado, não há como negar que a obra envelheceu mal e alguns efeitos soam não só constrangedores, mas desnecessários, como aqueles em que vemos o rosto de Flagg assumir um aspecto demoníaco. Garris também não é um grande diretor de atores e deixa que eles muitas vezes se entreguem ao Over Acting, reforçado muitas vezes pelos próprios enquadramentos de Garris, como pode ser percebido nos desempenhos de Matt Frewer como um piromaníaco, ou de Molly Ringwald como a chorosa Frannie.

Apesar de um trabalho de direção de atores trôpego em muitos momentos, a minissérie conta com boas atuações. O destaque maior vai para Jamey Sheridan, que constrói o diabólico Randall Flagg (um personagem recorrente da literatura de King) como um vilão charmoso e carismático, sendo mais ameaçador justamente quando está sendo simpático. Gary Sinise faz de Stu Redman um protagonista bastante relacionável e arquétipo do “Homem Comum”, com o carisma do ator superando as poucas camadas que o roteiro lhe concede. Ruby Dee por sua vez, mesmo sob uma pesada maquiagem para parecer ter 106 anos de idade, consegue transitar bem entre a doçura da Mãe Abigail, e a força e determinação que a velha senhora tem nos momentos em que precisa demonstrar liderança. Por fim, deve-se destacar as pequenas, mas poderosas participações dos tarimbados Ed Harris e Kathy Bates em The Plague, o primeiro como o general responsável pelo projeto que originou o Capitão Viajante, e a segunda como uma radialista que tenta expor a verdade por trás da Supergripe.

A Dança da Morte ainda funciona como entretenimento. Todo o trabalho de construção do mundo pós apocalíptico é muito bem realizado, a narrativa tem um ritmo que prende o espectador mesmo com seu gigantesco elenco (que conta com pontas de cineastas do cinema de terror como Tom Holland e John Landis), e ainda possui um vilão carismático e ameaçador na figura de Randall Flagg. Mas por outro lado, é evidente que a minissérie se tornou um pouco datada, e apesar de se notar o investimento, a montagem que contém os clássicos fades para os comerciais não nos deixa esquecer a natureza televisiva do projeto, o que incomoda um pouco. Mas o mais decepcionante é perceber que o roteiro de King não apenas repete alguns dos erros do material original, mas acaba tornando-os mais evidentes.

A Dança da Morte (The Stand)- EUA, 1994
Direção: Mick Garris
Roteiro: Stephen King
Elenco: Adam Storke, Bridgit Ryan, Gary Sinise, Molly Ringwald, Rob Lowe, Tom Holland, Stephen King, Jamey Sheridan, Laura San Giacomo, Ruby Dee, Ossie Davis, Miguel Ferrer, Corin Nemec, Ray Walston, Peter Van Norden, Shawnee Smith, Bill Fagerbakke, Matt Frewer, John Landis, Sam Raimi, Ed Harris, Kathy Bates.
Duração: 366 Min.

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