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Crítica | A Descoberta (2017)

por Gabriel Carvalho
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Desde que nos entendemos por ser humano, algumas perguntas surgem acerca de nossos objetivos nesse plano terreno. Perguntas existenciais, clássicas, contemporâneas às mais antigas das sociedades. Quem nós somos? De onde viemos? Para onde iremos? The Discovery tem seu foco argumentativo sobre a última, e mais polêmica das dúvidas humanas. Pois, tendo em vista que o nascimento da consciência de um ser é, em seus próprios termos, espontâneo, a morte por sua vez figura-se como um ritual predestinado, perturbador e constantemente ativo em nossas mentes. Vivemos toda uma história, com diversos questionamentos, problemas, amores e tristezas para então sermos simplesmente jogados em um buraco na terra e esquecido pelos eternos anos que se passarem?

A premissa do novo filme original da Netflix leva-nos a sermos indagados sobre o que aconteceria se o mundo descobrisse da existência “científica” de algo após a morte.  A trama então nos coloca em um mundo, onde que essa “descoberta” feita por Thomas Harbor (Robert Redford), fomenta uma onda epidêmica de suicídios. O protagonista da jornada, no entanto, é Will (Jason Segel), filho de Harbor, e que no segundo aniversário da “descoberta” viaja para o lugar onde seu irmão e seu pai moram – e onde os dois conduzem experimentos secretos. Essa viagem, ademais, também irá levar Will a conhecer Isla (Rooney Mara), uma misteriosa mulher que o fará entender as mais diferentes formas de se apreciar o espetáculo da vida.

A começar pela bela fotografia, de Sturla Brandth Grøvlen, o desbote acaba se relacionando muito bem com o argumento, utilizando uma paleta de cor predominantemente azulada, o que vai de encontro com a personificação alegórica do mar. A criação do mundo, fora o culto originado da “descoberta” que não surpassa-se de um frívolo cenário, é bem feita. Há algumas soluções inventivas, como a da máquina que aparentemente mostra em imagens a vida após a morte, que são interessantes. É assustador pensar-se como será a vida após a morte, tal como é mostrado pelo modo como supostamente vivenciaríamos o além, retratado pela exibição de imagens conturbadas produzidas durante vários experimentos.

O filme acaba caminhando, em momentos pontuais, para um gênero próximo ao thriller, envolto de bastante suspense e mistério, explorado pela boa mixagem de som e o já citado histérico e desconfortável visual. O ritmo, contudo, é bastante lento, tornando o filme rapidamente enfadonho, sem nada substancialmente para ser mostrado. Apesar da excepcional premissa, The Discovery não consegue manter a sensação instigante inicial. Os caminhos que o longa toma não são de acordo com a proposta inicial, acabando assim por quebrar de modo abrupto o interesse do público.

Era de se esperar que um filme como este, que aborda a vida, a morte, e o além, fosse ir para um caminho filosófico, fazendo o espectador refletir sobre sua jornada e trazendo pensamentos e dúvidas pertinentes a uma saga desse tamanho. Contrariando isto, aqui temos uma obra predominante de ficção científica com fortes traços românticos, mas com pouco apelo dramático. A exposição é uma constante, que por falta de uma expressão mais adequada, funciona simplesmente para “tirar a graça” daquela hipótese fantástica – e perturbadora. Em filmes como este seria interessante a utilização da sutil sugestão de modo a conduzir espectador para dentro da essência narrativa de forma orgânica. A explicação detalhada do que está acontecendo, acaba por, além de ressaltar problemas na construção da ideia sobre a possível vida após a morte (criando dúvidas e perguntas desnecessárias e inconclusivas), deixar claro a fragilidade dos diálogos, que não obstante, interfere nas excelentes relações humanas que são criadas pelo excelente elenco.

Em um de seus papéis mais dramáticos, Jason Segel explora de forma eficaz as diferentes nuances que o seu personagem pede. Sua relação com seu pai é extremamente problemática, devido às lacunas deixadas pelo passado. Por outro lado, sua relação com Toby (Jesse Plemons), seu irmão, é mais fluida, mas não isenta de barreiras. Do mesmo modo que o experiente Robert Redford transmite muito bem os arrependimentos absortos em uma pseudo frieza calculada, Plemons é igualmente competente ao transpor nas telas um bem construído contraste com a forma como seu irmão lidou com o passado trágico.

Todavia o romance entre Isla e Will, maior foco do filme, não consegue convencer. Esse é um dos trabalhos mais fracos da atriz que mesmo assim consegue utilizar de alguns recursos interpretativos positivos. Infelizmente, eles não são suficientes para que Mara sustente o peso da personagem. A atriz, mesmo carregando diversas camadas de background, não consegue transmitir a empatia necessária para que a construção da afeição de Will e ela seja crível. O infortúnio maior está no fato de que a conclusão remete-se diretamente ao pobre desenvolvimento desta relação. Se tal fosse moldada melhor, o final teria uma carga emocional mais impactante. Não tendo, a resolução ainda salienta a fraca construção da personagem Lacey (Riley Keough), que assim como Isla, possui características interessantes, entretanto, vagamente exploradas.

Lembrando bastante o filme Linha Mortal, The Discovery consegue, apesar da premissa instigante, sobressair-se apenas no que condiz ao tratamento dado à família Harbor, aos conceitos visuais criados, ao bom trabalho de cinematografia e a alguns pequenos pontos da narrativa. No todo, é um trabalho de convenções, mal ritmado e que fracassa em retratar a relação do casal principal como empaticamente relevante. A fragilidade desta relação acaba por quase destruir por completo o terceiro ato, que felizmente, dá respostas evasivamente dúbias que concluem perfeitamente a mitologia por trás do “algo”, ou seja, por trás da morte. Sem a necessidade deste algo estar ligado com qualquer religião ou crendice. Sem a necessidade de sabermos o que de fato é este algo. Apenas a necessidade de termos a certeza de que há um algo.

A Descoberta  (The Discovery | EUA/Reino Unido, 2017)
Direção: Charlie McDowell
Roteiro: Justin Lader, Charlie McDowell
Elenco: Jason Segel, Rooney Mara, Jesse Plemons, Riley Keough, Robert Redford, Ron Canada, Mary Steenburgen
Duração: 102 min.

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