Home TVTemporadasCrítica | A Diplomata – 1ª Temporada

Crítica | A Diplomata – 1ª Temporada

A paz mundial uma reunião de cada vez.

por Kevin Rick
22 views

A Diplomata começa como thriller geopolítico e, com rapidez calculada, revela que seu verdadeiro centro dramático não é somente sobre navios atacados, nem só sobre a cartilha de nações vs nações, mas sobre como um casamento em ruínas e uma máquina pública viciada disputam a mesma coisa: controle de narrativa. Kate Wyler (Keri Russell) chega a Londres para apagar incêndios, mas descobrimos que o maior deles arde dentro de casa (Hal Wyler, interpretado por Rufus Sewell) e dentro do sistema.

O roteiro tem uma sacada de abertura eficiente ao transformar a crise do porta-aviões britânico num teste de estresse para uma diplomata de carreira deslocada para o palco de relações públicas por excelência. A cada reunião, a série martela a diferença entre resolver e ser vista resolvendo. Kate opera no primeiro verbo; quase todos ao redor jogam o segundo. É aí que o programa acha sua trilha no contraste entre a competência discreta (Kate e Stuart, por exemplo) e a política performática (Trowbridge, Ganon, assessorias, imprensa, a foto para revista). O resultado é um tom híbrido, com parte na sala de crise, parte na “comédia” de costumes, que costuma funcionar justamente porque a protagonista não tem paciência para o teatro e porque a mesma, quase fantasiosamente, é diferente da corrupção e da sede de poder que acompanham os grandes cargos governamentais.

Funciona, também, porque a dramaturgia enxerga em Hal algo mais interessante que o “marido inconveniente”, já que ele é uma força centrífuga. Brilhante, sedutor e profundamente imprudente, Hal vive da adrenalina de puxar cordas em segredo — liga para um vice-ministro iraniano, planta encontros, flerta com cargos — e empurra Kate para duas frentes simultâneas: desarmar crises externas e conter danos do parceiro que drena a sua credibilidade. Quando a série coloca os dois na mesma sala, ela vira uma espécie de procedural de casamento, com barganhas, chantagens emocionais, recaídas, sexo como negociação. O subtexto é cruel e rico, já que diplomacia é a arte de conter atores que sabotam o processo enquanto dizem “estou ajudando”.

O núcleo britânico é outro achado. O chanceler Dennison (David Gyasi) é bem escrito, como um tecnocrata ético, pragmático e, aos poucos, vulnerável. A relação dele com Kate nasce de afinidades profissionais (o prazer de destrinchar cenário, calibrar sanções, pensar consequências), mas o roteiro dá respiração suficiente para uma tensão afetiva que nunca cruza a linha da pieguice. Em contraponto, o primeiro-ministro Trowbridge encarna o populismo midiático, que precisa de “ato” e “castigo” para acalmar manchetes. Quando a série o mostra mentindo sobre o estado do navio para arrastar os EUA, ela toca num nervo atual e histórico de líderes que instrumentalizam aliados e protocolos para fabricar a foto certa.

Há, claro, engenharia de trama. O assassinato frustrado, o espião com nome de vilão de thriller, a virada “não é Irã, é mercenário russo” e outras reviravoltas bem compostas, a operação na França que seria prisão e vira execução, tudo isso é John le Carré light com gosto de cliffhanger. A grande diferença é o modo como a série usa essas engrenagens para expor incentivos internos e burocráticos, como o secretário de Estado querendo enfraquecer o presidente ou assessores tratando a vice-presidência como peça em tabuleiro. Mesmo quando o lado geopolítico da série é raso (e em determinados momentos é), o institucional costuma ser mordaz.

No centro, Kate, uma protagonista que carrega nas costas o anti-glamour do ofício. A temporada se diverte desmontando a estética “embaixadora capa de revista”, já que ela detesta holofotes. A trama da possível vice-presidência é um dilema bem plantado, já que é uma promoção como prêmio ou armadilha? A série insinua que seria a segunda opção, mas, ao mesmo tempo, a promoção “casa” com a crise doméstica. Se Hal usa o futuro político dela para manter o casamento, o gesto diz muito sobre como as ambições deles são incompatíveis.

Onde o show tropeça é que às vezes confunde ritmo com atropelo. Há episódios em que três viradas estratégicas ocorrem em meia hora, e o impacto emocional chega atrasado (o atentado final, por exemplo, acerta como punch de temporada, mas a montagem corre tanto para o suspense que dilui o momento). Em outros, a sátira de bastidores vira “espertinha demais”, com falas que soam como post de rede social. E a geopolítica, embora divertida, raramente sai do esqueleto de arquétipos, como o arco russo que funciona como motor, não como reflexão (apesar de traçar paralelos com a guerra na Ucrânia). Quando a série flerta com ambiguidade, como os diferentes interesses das nações, o texto ganha uma densidade maior.

A encenação é segura e apropriada para o estilo da trama. Vemos muita coisa acontecendo em salas pequenas, eventos políticos, almoços e jantares disfarçados, e não tanto em grandes cenários. Gosto dessa abordagem, acompanhado de uma aposta em diálogos sobrepostos e cortes secos para vender urgência sem gritaria. E o elenco secundário rende, com Stuart Heyford como operador metódico que sabe quando empurrar a chefe; Eidra Park adicionando um certo sarcasmo malévolo dos serviços de inteligência. Mesmo personagens de passagem, como Roylin, são úteis para expor o ecossistema de vaidades que circunda decisões de Estado.

O melhor da temporada, porém, é a coerência temática. Tudo volta à diplomacia como trabalho de contenção, seja de egos, expectativas ou fantasias. Kate contém Hal, contém Trowbridge, contém a própria tentação de “jogar o jogo” e se deixar usar como figura. E quando ela escorrega (a lista de alvos russa jogada na mesa como choque), a série a pune narrativamente, como se fosse a única que não pode se desviar moralmente no meio de um monte de cobras.

O gancho final dessa primeira temporada, com atentado de carro, a operação “prisão que vira execução”, e a sugestão de que Trowbridge é o beneficiário de Lenkov morto, é menos sobre “quem detonou” e mais sobre o que essa explosão diz. Quando o cálculo político escolhe o risco curto em vez do processo, o custo pessoal se torna inevitável. A Diplomata pode não reinventar o thriller de gabinete, mas entende que os maiores escândalos raramente acontecem em público. Eles começam na conversa “extra pauta”, no telefonema não registrado, no favor que atravessa a cadeia de comando. Como retrato de uma profissional tentando fazer o certo num sistema que premia a performance, a temporada é afiada. Como thriller, é eficiente, ainda que por vezes previsível. E como crônica de um casamento tóxico entre dois viciados em influência, é o tipo de drama que deixa marcas. No fim, não lembramos tanto do nome do mercenário, mas de uma diplomata exausta que precisa, todos os dias, decidir quem ela está disposta a salvar primeiro; o mundo, a instituição ou a si mesma.

A Diplomata (The Diplomat) – 1ª Temporada | EUA, 2023
Criação e desenvolvimento: Debora Cahn
Direção: Simon Cellan Jones, Andrew Bernstein, Liza Johnson, Alex Graves
Roteiro: Debora Cahn, Peter Noah, Amanda Johnson-Zetterström, Mia Chung, Anna Hagen
Elenco: Keri Russell, Rufus Sewell, David Gyasi, Ali Ahn, Rory Kinnear, Ato Essandoh, Celia Imrie, Miguel Sandoval, Nana Mensah, Michael McKean, T’Nia Miller, Pearl Mackie, Jess Chanliau
Duração: 407 min. (08 episódios)

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais