Se a primeira temporada de A Diplomata fala sobre o equilíbrio entre a vida pública e o colapso doméstico, a segunda é sobre o que resta quando as duas esferas desabam de vez, num segundo ano ainda mais focado no lado matrimonial da trama. O encaminhamento para algo ainda mais sobre as DRs dos Wylers me incomoda um pouco, porque tira mais os holofotes de uma narrativa geopolítica bem construída, apesar da qualidade não cair tanto. O que se desenrola a partir daí é uma temporada menos elegante e relativamente mais pesada, que substitui o charme tenso dos diálogos diplomáticos por uma atmosfera de paranoia, silêncio e perda em torno do drama do casal e das consequências de seus atos, em especial Hal (Rufus Sewell).
Logo nos primeiros minutos, a série deixa claro que não há mais estabilidade a preservar. Grove está morto, Heyford e Hal estão feridos, e a sensação é a de que o atentado não só partiu o corpo do governo britânico, mas também o eixo moral da narrativa. Kate Wyler (Keri Russell) retorna a Londres já sem o verniz da “embaixadora em ascensão”, sendo agora uma sobrevivente, carregando o peso de um desastre que ela própria, em alguma medida, ajudou a provocar. Essa ambiguidade moral faz parte do motor da temporada, em que Kate lida com a culpa de uma decisão que custou vidas, enquanto tenta manter a compostura de quem ainda precisa agir como se o sistema funcionasse.
Há, desde o início, uma sensação de desgaste. O texto substitui o ritmo verborrágico e espirituoso da estreia por diálogos mais secos, hesitantes, quase desidratados. E isso não é necessariamente um defeito, é uma mudança de tom coerente. A Diplomata agora é menos uma comédia de bastidores e mais um estudo sobre o que acontece quando a política se torna irreversivelmente pessoal (novamente, preferiria algo menos doméstico, mas é notável que a showrunner Debora Cahn que ir cada vez mais nessa direção). Dennison (David Gyasi), antes a figura da prudência, está consumido pela desconfiança, e o próprio governo britânico mergulha num jogo interno de sabotagens, delações e desaparecimentos. O sistema que na primeira temporada parecia cínico, mas funcional, agora parece simplesmente esgotado.
Esse esgotamento também se reflete na relação entre Kate e Hal. Se antes o casamento servia de metáfora para a diplomacia, com acordos frágeis, manipulações sutis, afetos como moeda, agora ele é ruína exposta. Hal desperta do coma não como o agente astuto de antes, mas como um homem que perdeu o controle das peças que movia. A série o redesenha como uma figura decadente, ainda inteligente, mas contaminada por desespero e que depois de uma série de escolhas equivocadas, de alguma forma ainda consegue ganhar, dando vida à caracterização de que ele é uma daquelas pessoas que “falha no seu caminho para o topo”, sagazmente colocada no meio da temporada como uma insinuação do ótimo cliffhanger do sexto capítulo.
O arco da investigação do envolvimento de Roylin, o papel ambíguo de Trowbridge e a morte de Lenkov servem de pano de fundo para esse tema na temporada do colapso da confiança. Quase todos os personagens, em algum momento, traem alguém ou são traídos. O primeiro-ministro britânico, antes retratado como um populista manipulador, torna-se algo mais perigoso: um homem que acredita em sua própria versão dos fatos. Dennison, por sua vez, oscila entre idealismo e autopreservação, e acaba sendo punido por ambos. E Kate, a personagem que mais lutava para ser racional, começa a cometer erros não por ingenuidade, mas por cansaço. Tudo isso gera um texto mais incômodo e talvez até mais próximo da realidade.
O arco de Roylin talvez seja o mais interessante dessa temporada, não tanto por suas revelações, mas pelo fato de ser uma trama que se distancia da parte mais pessoal da narrativa e se aproxima do thriller que, na minha visão, é onde a produção se sobressai, com as revelações da personagem simbolizando a substituição da lógica geopolítica pela lógica da conveniência. A confissão de que o ataque foi arquitetado por extremistas britânicos, não por potências estrangeiras, é uma inversão simbólica; o inimigo está dentro do próprio país, dentro do próprio sistema, dentro da própria aliança. O gesto ecoa toda a construção da série, em um campo minado de guerras internas disfarçadas de cooperação.
A entrada da vice-presidente Grace Penn (Allison Janney, bastante impositiva no papel) injeta nova energia nos episódios finais. Penn representa o que Kate poderia se tornar: uma política que aprendeu a sobreviver no ambiente tóxico do poder, mas que perdeu qualquer ilusão de pureza. As cenas entre as duas são o ápice dramático do segundo ano, no embate de gerações de mulheres que ascenderam num sistema masculino sem poder reformá-lo. Penn não é uma vilã, mas um espelho sombrio; o futuro institucional de Kate se ela continuar cedendo.
E é justamente por isso que o final é devastador. Hal, em seu ato final de presunção, tenta “corrigir o jogo” e, ao fazê-lo, provoca um terremoto político. Pode-se dizer que a reviravolta é um pouco espalhafatoso demais para o tom sóbrio e burocrático da série, mas já vimos a realidade política nos entregar cada história hollywoodiana que até certo ponto consigo comprar o acontecimento. Sem falar que é um desfecho cruel e perfeito para as ambições dos Wyler e como vira de ponta cabeça o arco dos dois personagens, dando uma plataforma curiosíssima de novas dinâmicas para o terceiro ano.
A segunda temporada de A Diplomata é, portanto, menos divertida no sentido do palco político e ao mesmo tempo mais amarga. Troca o cinismo espirituoso da estreia por um olhar desencantado sobre as ruínas do próprio sistema que antes parecia jogar, com vínculos políticos cada vez mais misturados com questões pessoais, para bem ou para mal. É uma narrativa de maneira geral sobre o custo de continuar, sobre o que acontece quando o dever e o desejo de controle se tornam indissociáveis. Kate Wyler termina o segundo ano mais isolada do que nunca, mas acredito que também mais consciente do tipo de palco que está entrando. Se a primeira temporada era sobre segurar o jogo, a segunda é sobre o que fazer quando o tabuleiro inteiro pega fogo.
A Diplomata (The Diplomat) – 2ª Temporada | EUA, 2024
Criação e desenvolvimento: Debora Cahn
Direção: Tucker Gates, Alex Graves
Roteiro: Debora Cahn, Peter Noah, Anna Hagen, Peter Ackerman, Julianna Dudley Meagher
Elenco: Keri Russell, Rufus Sewell, David Gyasi, Ali Ahn, Rory Kinnear, Ato Essandoh, Celia Imrie, Miguel Sandoval, Nana Mensah, Michael McKean, T’Nia Miller, Pearl Mackie, Jess Chanliau, Rosaline Elbay, Allison Janney
Duração: 301 min. (06 episódios)