- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das outras temporadas.
A terceira temporada de A Diplomata segue caminhando entre a tragédia política e a farsa conjugal, com os Wylers cada vez mais distantes. O ponto de partida é puro caos institucional. O presidente Rayburn está morto (de certa forma, uma pena, porque gostaria de ter visto mais de Michael McKean no papel, mas a reviravolta é boa, se ainda, talvez, exagerada e espalhafatosa demais). Grace Penn (Allison Janney) assume o cargo e Hal Wyler (Rufus Sewell) é convidado a ser o novo vice-presidente dos Estados Unidos, uma provocação tão absurda quanto perfeitamente coerente com a lógica da série. É a ironia máxima de A Diplomata: o sistema premia quem sobrevive ao desastre com uma promoção.
Keri Russell continua sendo o eixo moral da história. Sua Kate Wyler, agora simultaneamente embaixadora e segunda-dama, vive o pesadelo de uma mulher que precisa administrar o colapso público e privado em transmissão ao vivo. Debora Cahn faz da separação entre Kate e Hal, formalmente selada, mas emocionalmente adiada, o grande motor do terceiro ano. Nesse sentido, é uma temporada que se aprofunda ainda mais no drama matrimonial. Como já falei antes, gostaria que a produção focasse mais no lado geopolítico e na trama de thriller, mas o andamento é orgânico considerando o que já foi apresentado por Cahn desde o início do seriado.
Essa ambiguidade do casal serve de espelho para o próprio panorama político. A morte de Rayburn abre um vácuo de poder que o roteiro avança com precisão, numa temporada que explora bem essa fase de transição. Penn tenta consolidar autoridade enquanto enfrenta a sombra de sua própria culpa, e o cenário internacional implode com novas suspeitas sobre o ataque do HMS Courageous. O tom volta a ser paranoico, mas agora contaminado por uma estranha comicidade burocrática, com reuniões sobre explosões nucleares e escândalos que são atravessadas por discussões matrimoniais. Não chega a ter um tom tipo Veep, mas o humor (às vezes ácido) toma conta de alguns momentos em torno da mistura que os Wylers fazem entre o profissional e o doméstico.
Hal, promovido à vice-presidência, transforma-se em uma caricatura de si mesmo. Seu charme agora é sintoma de degeneração: ele é o homem que acredita poder manipular a história mais uma vez, só para descobrir que se tornou o próprio produto de um sistema que antes fingia dominar. Sewell interpreta essa derrocada com brilho cínico no olhar de quem sabe que está mentindo e, ainda assim, se convence no processo. A série o posiciona como o arquétipo do político contemporâneo: autocentrado, teatral, com traços de genialidade e nenhuma autocrítica.
O roteiro de Cahn tem consciência dessa autodestruição e a amplifica. O terceiro ano é menos ainda sobre intriga internacional e mais ainda sobre a coreografia da mentira: discursos, coletivas, jantares de Estado e encontros secretos viram variações de um mesmo tema sobre o poder como teatro. Quando Penn e Trowbridge trocam acusações sobre o ataque e decidem culpar o falecido presidente Rayburn para salvar seus governos, A Diplomata escancara a hipocrisia que sempre sustentou o mundo da série na narrativa moldada por conveniência. São nesses momentos que a obra brilha mais.
No território da dissimulação, Kate é tragicamente competente. Entre Londres e Washington, ela tenta conciliar crises, amores e interesses, mas acaba se tornando mais uma peça na engrenagem (gosto bastante de todo o seu arco confuso na temporada). Sua relação com Dennison (David Gyasi), finalmente colocada à prova, colapsa sob o peso de protocolos e disfarces. O novo relacionamento com Callum Ellis, por outro lado, serve como uma espécie de fuga carnal, dando maior drama ao casamento da protagonista (nada como uma “traição” para apimentar uma DR).
Politicamente, a série segue no formato de “sala de guerra”, mas com ambições claras que eu aprecio (começamos a sair um pouco mais do eixo europeu, por exemplo). O enredo da descoberta do submarino russo nuclear a doze milhas da costa britânica é a reaproximação com o thriller geopolítico clássico, até com um ou outro trecho de espionagem. O suspense do “Poseidon”, uma ogiva perdida, em uma disputa entre Washington e Londres para quem controla o resgate, funciona como um bom mote na reta final do ano e como uma metáfora transparente sobre como líderes ligam mais para o poder do que para a paz.
A direção mantém o estilo fechado que define a série, sempre com muita elegância no design de produção e nos figurinos. No centro, mais uma vez, está a ideia de que o poder é uma forma de intimidade pervertida. As alianças políticas e sexuais se confundem, e os gestos de confiança se tornam inevitavelmente comprometedores. Quando Kate descobre que Hal e a presidente Penn haviam ordenado secretamente a recuperação da ogiva russa antes mesmo da reunião com Trowbridge, a cena é devastadora não só pela revelação geopolítica, mas porque sela o divórcio moral definitivo dos dois.
O final é um golpe cínico e preciso que prepara um quarto ano bem interessante numa possível “guerra” entre Kate e os dois monstros que ajudou a colocar na maior plataforma mundial. É o nascimento de um novo eixo de poder formado exatamente pelas forças que ela passou três temporadas tentando equilibrar. A Diplomata chega ao fim de seu terceiro ano num estado de desilusão total e de muito perigo. O mais difícil é esperar para sabermos o que Kate terá que fazer para conter Hal e Penn.
A Diplomata (The Diplomat) – 3ª Temporada | EUA, 2025
Criação e desenvolvimento: Debora Cahn
Direção: Tucker Gates, Alex Graves, Liza Johnson
Roteiro: Debora Cahn, Peter Noah, Anna Hagen, Peter Ackerman, Julianna Dudley Meagher, Jessica Brickman, Eli Attie
Elenco: Keri Russell, Rufus Sewell, David Gyasi, Ali Ahn, Rory Kinnear, Ato Essandoh, Celia Imrie, Miguel Sandoval, Nana Mensah, Michael McKean, T’Nia Miller, Pearl Mackie, Rosaline Elbay, Allison Janney, Bradley Whitford, Aidan Turner
Duração: 459 min. (08 episódios)