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Crítica | A Escada (2022)

Acidente ou tragédia de um crime?

por Felipe Oliveira
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Narrativas do gênero criminal costumam instigar de forma imediata a atenção da audiência, muito pelo simples fato provocante do gênero mexer com o senso de julgamento ao que está sendo contado. Ainda que não ofereça todas as respostas em alguns casos, o telespectador se vê tentado ao que o cenário propõe: culpa ou inocência? Agora, imagine essa incansável trama investigativa sendo empregada a também tentadora produção sobre crimes reais, nessa que segue um controverso caso em formato de série limitada da HBO: A Escada (2022).

Foi em 9 de dezembro de 2001, quando a morte de Kathleen Peterson chocou pela repercussão. Na noite do ocorrido, Michael Peterson, o marido, ligou para a emergência desesperado afirmando que ouviu um barulho e encontrou sua esposa sangrando e inconsciente na escada, mas que ainda estava respirando. Minutos depois, retoma a ligação, agora perguntando quanto tempo demoraria para mandarem ajuda, pois a mulher não respirava mais. Chegando à mansão em que o casal residia com os filhos na Carolina do Norte, nos EUA, as autoridades se deparam com um cenário chocante de sangue e da vítima no pé da escada, onde os sinais apontavam que tal cena não fechava como de um acidente, de alguém que caiu pela escada, e aqui ali era cena de um crime.

O integrante nesta série criada por Antonio Campos, é que ele se baseia no famoso documentário Morte na Escadaria, o qual acompanhou o desenrolar das investigações, montagem do caso e julgamento de Michael Peterson pela perspectiva dos advogados de defesa; o que tinham e qual era o argumento da acusação. Mas além disso, o longa teve a pretensão de servir como um retrato íntimo de Michael a fim de convencer a opinião pública de sua inocência. Lançado em 2004 (ganhando novas imagens entre 2013 e 2018), o registro feito por Jean-Xavier de Lestrade foi além de um fator de admiração para Campos, que era fascinado pelo caso, e agora usou dessa fonte para dramatizar os relatos, com uma abordagem imparcial e oferecendo um olhar inédito para a indagação incontestável que o documentário quis refutar: teria Michael Peterson assassinado Kathleen?

É com esse questionamento que a minissérie se define, ao tecer com um elenco afiado o que o documentário ignorou a favor de Michael. Afinal, esse é mais um dos casos sem uma resposta conclusiva, pois, embora tenha sido condenado com a acusação de homicídio em 2003, Michael até hoje afirma sua inocência, mesmo com todos os sinais dizendo o contrário, a começar pela ligação para a emergência, que ao se depararem com o corpo de Kathleen ao pé da escada, observaram que o sangue tinha coagulado, apontando que fazia tempo que o suposto acidente tinha ocorrido.

Após passar oito anos preso, Michael foi liberado em 2011 com o direito concedido para um novo julgamento diante de inconsistências com testemunho da acusação encontradas durante sua sentença, e no ano de 2017, saiu em liberdade apelando para o Alford plea (argumento de Alford), termo onde réu admite a culpa e aceita a pena, com a condição de que é inocente reconhecendo de que há provas o suficiente para seja condenado. Então, A Escada navega por essas fases, mas sem cometer o mesmo deslize do documentário de focar numa visão e questões que faria de Michael inocente, ignorando falar da vítima além do réu, e trazendo um viés sobre quem era Kathleen e sua atuação com a família que construiu.

Apesar de reproduzir parte da proposta do documentário, isto é, abordar a montagem da defesa e acusação do caso, a minissérie acerta ao dramatizar os relatos ao combinar a linguagem da dramaturgia televisiva com o formato documental jornalístico; e aqui está o diferencial de A Escada, ao fazer de seu exercício narrativo uma experiência para o telespectador que observa as linhas de tempo distintas em uma vitrine exclusiva a qual pode chegar a própria conclusão, mas também, recebe as simulações aterradoras sobre as teorias que tornaram o caso polêmico mesmo após mais de 20 anos.

E quem brilha nessa dicotomia, é Colin Firth e Toni Collette que interpretam as versões fictícias de Michael e Kathleen respectivamente de forma soberba, pulsante, fazendo até mesmo esquecer da dramatização e que, porventura, teríamos uma resposta sobre o que ocorreu naquela noite. O interessante, foi o documentário ignorou, focando só em desenhar o casal amigável e feliz que eram os Peterson, foi o perfil de matriarca, amorosa, esforçada de Kathleen que fazia tudo pela família, fora o emprego importante que tinha na Nortel, embora temesse que sua atuação na empresa poderia não durar até o fim de 2001. O provocante nesse artifício além de humanizar a vítima, foi fazer imaginar como seria Morte na Escadaria se fosse um documentário voltado na justiça por Kathleen.

Outros acertos, é na dinâmica nas cenas de julgamento ao aplicar alguns trechos emulando os registros que eram feitos para o documentário. Soma-se a isso, foi a construção habilidosa dos episódios fazendo uma transição em paralelo entre o antes e depois, com e sem a presença de Kathleen na casa em que ocorreu sua terrível morte e também onde era discutida o desenrolar do caso de Michael. Fazendo o bom uso do material que se inspirou, The Staircase fazia algumas articulações se inclinando para as possibilidades expressas nas teorias do caso, e há uma cena em especial, de Kathleen escorrendo levemente ao subir as escadas, o que serve para tentar a audiência com as informações para quem conhece ou não o caso.

O que reforça o apelo para a importância do que o telespectador está vendo, é na fotografia sempre em planos abertos quando as cenas flertam para a descrição de Michael sobre os seus últimos minutos com Kathleen e o que teria acontecido quando ela deixou o quintal e entrou na mansão. Assim, a fotografia faz com que observássemos os acontecimentos pelas lentes de uma câmera escondida onde estariam apenas o casal, mas, qual teoria nos dá uma resposta?

Com oito capítulos, a nuvem de acertos deixa de pairar sobre A Escada depois de quatro episódios, visto que é onde a produção faz pesar a escolha ousada da sua abordagem: a dramatização. Alguns dos pequenos detalhes da família Peterson dados no documentários foram utilizados para apresentar o impacto do antes e depois da morte de Kathleen, mas foi nessa adaptação que a minissérie se torna enfadonha e perdida ao estender essa participação, e principalmente, de Sophie Brunet (Juliette Binoche), editora do documentário que teve um relacionamento com Michael até 2017. Em suma, após idas e vindas entre mais perguntas e menos respostas, poderia A Escada, um misto de documentário ficcionalizado, reunir um viés satisfatório sobre um caso controverso? 

A Escada (The Staircase – EUA, 2022)
Criação: Antonio Campos
Direção: Antonio Campos, Leigh Janiak
Roteiro: Antonio Campos, Sebastián Silva, Maggie Cohn, Emily Kaczmarek, Craig Shilowich
Elenco: Colin Firth, Toni Collette, Michael Stuhlbarg, Sophia Turner, Odessa Young, Patrick Schwarzenegger, Dane DeHaan, Vincent Vermignon, Juliette Binoche, Olivia DeJonge
Duração: 518 min (8 episódios)

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