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Crítica | A Estalagem Maldita

por Luiz Santiago
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A Estalagem Maldita foi o último filme de Alfred Hitchcock no Reino Unido, de onde partiria para morar e trabalhar nos Estados Unidos, a convite de David O. Selznick, já no ano seguinte.

O diretor britânico recebeu o convite quando ainda filmava A Dama Oculta, e chegou a fazer uma “visita de reconhecimento” à terra do Tio Sam em agosto de 1938, onde acertou com Selznick a proposta de filmar Titanic, acordo que foi modificado posteriormente. Em vez da famosa tragédia do transatlântico, o cineasta ficou encarregado de filmar Rebecca, A Mulher Inesquecível (1940), sua estreia em Hollywood que seria a sensação do Oscar, vencendo nas categorias de Melhor Filme e Melhor Fotografia em Preto e Branco, além de receber outras 9 indicações, incluindo a de Melhor Diretor.

Talvez seja em comparação a essa grande diferença de qualidade e recepção das obras que os cinéfilos normalmente tendem a desprezar por completo A Estalagem Maldita. É verdade que se trata de um filme menor de Hitchcock, mas é uma história até certo ponto divertida, mesmo que sua produção não tenha sido de completo agrado do diretor e ele não gostasse do filme de modo algum, a despeito do inesperado sucesso de bilheteria que a obra acabou fazendo.

O drama se passa na Cornualha, no início do século XIX (ou final do século XVIII). Uma jovem irlandesa chega à estalagem maldita do título à procura de sua tia, dona do local. Ela pretende fixar residência ali, já que acabara de se tornar órfã e, sozinha, não podia permanecer na Irlanda. O que a jovem não sabe é que a estalagem é uma fachada para reunião de piratas.

As primeiras sequências do filme marcam muito melhor o ritmo e o tom da obra do que o seu próprio desenvolvimento. Um clima de horror e medo se instala, não só pela bestialidade dos piratas que pilham os navios naufragados nos arrecifes próximos, atraídos por uma falsa luz de farol; mas também pela sinistra chegada de Mary (Maureen O’Hara, em início de carreira) à estalagem, um local de quem todo mundo tem medo, basta vermos as feições horrorizadas das pessoas na carruagem que levava Mary até o lugar.

Esse tom de medo será mantido em quase todo o filme, mas de maneira decrescente, uma vez que a personagem de Charles Laughton, o Juiz de Paz da cidade e pedra angular da história, aparece por tempo demais, fala demais e tem importância dramática demais numa trama que só funcionaria verdadeiramente bem se ele, o mestre por trás das pilhagens, aparecesse apenas no desfecho da fita. Sua personagem, de certo modo, estraga a surpresa e diminui um pouco o poder da revelação que porventura teríamos bem mais para frente.

De alguma forma, o roteiro guia o suspense para outras personagens e ações, como as fugas de Mary e do Oficial de Justiça disfarçado, o destino de sua tia e seu tio, o que acontecerá com os piratas e, principalmente, o que será do Juiz Humphrey Pengallan. Esses pontos de interrogação conjugados acabam por criar uma atmosfera excitante no decorrer da obra, o que prende melhor a atenção do público, mas como o tema do filme não é assim tão interessante ou esses mesmos pontos não sejam de caráter tão inquietantes, é possível que num momento ou outro a gente se distraia ou perca um pouco de interesse pela história. É um paradoxo, mas ele está no filme, não há o que se fazer.

A Estalagem Maldita fecha de forma mediana a fase britânica de Hitchcock. Talvez se Charles Laughton, que também era um dos produtores da obra, aquietasse mais o seu ego e não exigisse diálogos adicionais para seu personagem, Hitchcock conseguisse criar um outro tipo de tensão e fazer desse filme algo mais próximo de uma característica bem sua. De qualquer forma, este não é um filme ruim e certamente deve ser visto por ser um marco importante na carreira de Hitchcock. A partir desse ponto, na fase americana do Mestre, os espectadores poderiam ver de forma mais intensa tudo aquilo que ele acreditava ser cinema e entretenimento, aplicando e aprimorando suas ideias estéticas e narrativas estruturadas em sua terra natal. A Estalagem Maldita é apenas o último capítulo antes desse novo momento e, mesmo que não conste entre os melhores já realizados pelo diretor, tem um quê de especial que só quem o viu saberá definir bem.

  • Crítica originalmente publicada em 11 de março de 2014. Revisada para republicação em 22/01/20, como parte de uma versão definitiva do Especial Alfred Hitchcock aqui no Plano Crítico.

A Estalagem Maldita (Jamaica Inn) – Reino Unido, 1939
Direção:
Alfred Hitchcock
Roteiro: Sidney Gilliat, Joan Harrison, Alma Reville, J.B. Priestley (baseado na obra de Daphne Du Maurier).
Elenco: Charles Laughton, Horace Hodges, Maureen O’Hara, Hay Petrie, Frederick Piper, Emlyn Williams, Herbert Lomas, Leslie Banks, Clare Greet, William Devlin, Jeanne De Casalis, Mabel Terry-Lewis, A. Bromley Davenport
Duração: 108 min.

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