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Crítica | A Estrada da Reserva, de John Burnham Schwartz

Um romance sobre culpa e redenção após uma tragédia de trânsito.

por Leonardo Campos
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O luto é um dos processos mais dolorosos para trabalho no desenvolvimento de conflitos dramáticos no âmbito ficcional. A culpa, também, funciona assertivamente quando bem trabalhada, colocando os personagens dentro de histórias em que o estado psicológico punitivo é mais ardiloso que as sanções previstas pela legislação, muitas vezes mais amenas que carregar o sentimento culposo dentro de si por eras. A junção destes dois traços está presente no drama Traídos pelo Destino, mas o ponto de partida para este filme conferido há alguns anos, durante uma aula de educação para o trânsito, é o romance igualmente arrebatador de John Burhman Schwartz, A Estrada da Reserva, publicado em 1998 e disponível para os leitores brasileiros pelo selo editorial da Objetiva, um trabalho volumoso, de 353 páginas, mas fluente, haja vista o processo de tradução efetiva de Myriam Campello ao longo de cada passagem desta trajetória de personagens perdidos nas brumas de uma tragédia que muda para sempre as suas vidas.

Trazendo para a nossa realidade, dados do Detran de São Paulo afirmam que a omissão em casos de sinistros nas vias aumenta o índice de mortes no trânsito. Quando não há socorro, isto é, fuga do condutor, esta condição é triplicada. Infelizmente, como mencionado por aqui, esta situação não é apenas conteúdo para catarse nos meandros da ficção, mas parte de nossa brutal realidade, talvez ainda mais sangrenta que os numerosos livros, filmes e séries que focam na violência da mobilidade como elemento para construção dos desdobramentos de suas tramas. No desenvolvimento de A Estrada da Reserva, o escritor John Burhman Schwartz utiliza elementos das narrativas oriundas do jornalismo e do documentário para apresentar ao leitor um cenário potencialmente assombroso, com descrições líricas não apenas das ações e pensamentos dos personagens, mas dos lugares por onde estas figuras ficcionais amplamente dimensionais atravessam. É a inserção de poesia num ambiente de dor e sofrimento, uma proeza do autor.

A Estrada da Reserva abre com uma citação bíblica, numa referência ao livro de Jó. Expõe-nos, logo adiante, os componentes da família Learner, imbuídos de felicidade num momento de lazer e união. Os pais Ethan e Grace acompanham os filhos Josh e Emma. Eles acabam de retornar de um concerto e envolvidos pela apaixonante música, sequer imaginam que o dia será finalizado com uma tenebrosa tragédia. Por necessidade de Emma, o grupo para num posto de gasolina para que a jovem utilize o sanitário. Neste processo, Josh se afasta um pouco dos familiares e é atingido em cheio por um carro em alta velocidade, movido por um condutor assombrado diante do acontecimento, alguém que opta pela fuga com omissão de socorro, haja vista o medo das consequências nada favoráveis a sua liberdade. Nesta curva de colisão, o garoto agoniza e morre, enquanto o automóvel some, ainda mais veloz em seus cortes pela estrada. Assim, está estabelecida a mudança vertiginosa para a família Learner. Momentos de dor e melancolia.

Fugir do local do crime ou assumir a culpa? É o que Dwight Arno vai refletir ao longo da continuidade deste violento preâmbulo. O romance se preocupa em analisar o outro lado da história, aquele que radiografa o cotidiano do responsável pelo sinistro fatal. Ele também é pai, voltava de uma partida esportiva com o filho, contato reduzido depois do divórcio com a esposa. Sem querer estragar a primeira chance que teve de resgatar a relação com o garoto, este pai foge desesperado, mas não deixa de carregar consigo mesmo a dor da culpa. E se fosse o seu filho? E como está a dor do outro, o pai do menino que coincidentemente era colega de música na mesma escola de seu primogênito? Imbuído pelo sentimento de vingança, o professor de literatura Ethan, pai da criança assassinada, trafega por vias de ódio e sensação de impunidade, culminando numa trilha de intensidade que culmina num desfecho abrupto de história, mas satisfatório para o leitor que prestou atenção aos pormenores de seu desenvolvimento focado em capítulos que constroem as passagens pela perspectiva dos personagens, expondo o que cada um deles sente e pensa sobre o fatídico retorno de um dia que era pra ser de pura felicidade.

A Estrada da Reserva (Reservation Road/Estados Unidos, 1998)
Autor: John Burnham Schwartz
Tradução: Myriam Campello
Editora no Brasil: Objetiva (2001)
Páginas: 352

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