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Crítica | A Eternidade e Um Dia

por Frederico Franco
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Um plano é uma pequena unidade de um produto cinematográfico. Um plano pode ter a duração de um frame ou de um filme completo. Um plano pode enquadrar uma pequena formiga vagando pela terra ou, também, pode apresentar uma cidade inteira. Um plano é tudo aquilo que um cineasta precisa para contar uma história ou imprimir uma opinião. E foram os próprios cineastas, especialmente Sergei Eisenstein e Lev Kuleshov que, durante a vanguarda soviética, passaram a observar o plano como objeto de estudos teóricos.

Dentro da modernidade cinematográfica um dos cineastas que maior esmero apresenta em construir seus planos é Theo Angelopoulos. Construindo narrativas modernas, com poucas relação de causa e efeito entre suas cenas, o diretor grego as constrói através de longos planos que englobam inúmeras ações – algo que André Bazin definiriam com plano democrático. Desde A Viagem dos Comediantes (1975), seu quarto longa-metragem, até A Poeira do Tempo (2012) Angelopoulos adota o estilo de dilatar suas narrativas por meio de seus planos. Não obstante, o realizador é capaz de inserir sutilmente elementos fantásticos dentro de suas películas.

A Eternidade e Um Dia (1995) é uma das grandes obras de Angelopoulos, tendo recebido o prêmio máximo no Festival de Cannes, a Palma de Ouro. A trama gira em torno de Alexander (Bruno Ganz), um escritor prestes a ser internado em um hospital. Em seu último dia fora do confinamento, encontra uma carta de sua falecida mulher descrevendo seus momentos de amor desde o dia em que se conheceram até seu casamento. Ainda, o protagonista ajuda um garoto albanês a atravessar a fronteira ao mesmo tempo em que se encontra com o poeta romântico Dionysios Solomos.

O filme possui um ritmo bastante cadenciado, seguindo a estética do diretor. A mise en scène da obra busca sempre enterrar o protagonista na tela, dando a ele pouco ou nenhum destaque perante a câmera. Encontrando-se em uma grande crise existencial, Alexander está sempre distante do público, o que lhe concede pouca intimidade com o espectador. Assim como na diegese, o personagem não tem fortes conexões com o mundo à sua volta. 

Outro ponto peculiar e recorrente na obra de Angelopoulos são as distorções do tempo. Assim como em Um Olhar a Cada Dia (1995), o diretor coloca um de seus personagens em confronto com o tempo. Em A Eternidade e Um Dia Alexander parece envolto em duas linhas temporais: passado e presente. Ao mesmo tempo em que desfila por seu presente nebuloso e planeja seu incerto futuro, o protagonista se reconecta com sentimentos comuns em seu passado.

Um dos belos exemplos é quando Alexander se encontra com um menino albanês que deseja atravessar ilegalmente a fronteira. Aqui, a mise en scène trabalha com a mesma câmera pouco invasiva, mas há algo diferente: a comunicação entre os dois é realizada apenas por olhares e gestos. Nesses pequenos gestos, o espectador se depara com um momento raro: um sorriso de Alexander. A identificação criada por parte do protagonista é uma espécie de conexão com seu passado como criança.

Entretanto, a cena do reencontro com sua falecida mulher é a que melhor estabelece a relação passado-presente. Caminhando por um escuro cômodo, Alexander está, novamente, enterrado nas sombras do passado. Contudo, abre-se uma porta e, a partir dela, vê-se sua esposa. Tudo muda. A mise en scène inteira torna o ambiente acolhedor. Agora, o protagonista destaca-se do fundo e fica visível ao espectador. Nos braços de sua mulher, Alexander é aproximado da câmera – agora, há um visão íntima do casal, relacionando o passado com a euforia do desvairado amor presente na época.

Obviamente, os delírios visuais de Alexander encaixam-se no gênero da fantasia anteriormente citado. Adiante no filme, no entanto, há outro importante elemento que completa o círculo fantástico. Assim como em A Divina Comédia, na qual Dante é acompanhado pelo poeta Virgílio, o protagonista do filme de Angelopoulos se encontra com um famoso poeta do romantismo grego. Aqui, o cineasta aplica uma das mais comuns técnicas do cinema moderno, segundo François Vanoye e Anne-Goliot Letè: transições entre o realismo e fantasia realizadas sem mudanças bruscas na mise en scène. Aqui, vê-se, pela primeira vez, o possível processo de pensamento criativo de Alexander, no qual se reconecta com ídolos do passado.

A Eternidade e Um Dia é um filme capaz de condensar a vida de Alexander em um filme de 2h. Começando com seu lado infantil (a amizade com o menino), a descoberta de seu grande amor e, por fim, o final de sua vida. A sutileza com que Angelopoulos conduz cada um de seus planos é a forma ideal para se contar tal história. 

Além de ser uma película que trata das dores do presente e a angústia do futuro, este versa sobre a memória. Contudo, distancia-se de obras como Providence (Alain Resnais, 1977), na qual a montagem possui papel fundamental na construção de um pensamento fragmentado; em Angelopoulos a memória está totalmente atrelada ao presente: a visão sobre o “agora” é totalmente responsável pela interpretação das memórias do “ontem”.

Em uma de suas grandes obras-primas, Theo Angelopoulos realiza um filme tocante sobre a vida e a morte. Mesmo com uma mise en scène distante do foco de atenção do espectador, é impossível não se conectar com a odisseia de Alexander em seu último dia de liberdade. Caminhando pela última vez por esse vale e revisitando tempos passados, vê-se que o tempo é uma ilusão: passado, presente e futuro estão colados. Finalizando, Alexander parece, de certo modo, seguir os passos de Sêneca: “mostremo-nos satisfeitos por tudo o que nos foi dado gozar“. A Eternidade e Um Dia é um elogio à nostalgia.

A Eternidade e Um Dia (Mia aioniotita kai mia mera/Μια αιωνιότητα και μια μέρα) – França, Alemanha, Grécia e Itália, 1998
Direção: Theo Angelopoulos
Roteiro: Theo Angelopoulos, Tonino Guerra e Petros Markaris
Elenco: Bruno Ganz, Fabrizio Bentivoglio, Isabelle Renauld, Achileas Skevis, Alexandra Lakidou, Despina Bebedelli, Eleni Gerasimidou, Iris Chatziantoniou e Nikos Kouros
Duração: 137 min.

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