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Crítica | A Filha de Ninguém

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Hong Sang-soo é um diretor de estilo e temáticas fixas. Há duas comparações aproximadas feitas a ele e com as quais concordo bastante, a primeira, o título de “Woody Allen oriental” e a segunda, a de que sua obra é espécie de refiguração da obra de Yasujirô Ozu, só que numa linha mais melancólica e com personagens vítimas quase fatais do amor e de suas relações, sejam elas amorosas, familiares ou fraternas. Em A Filha de Ninguém, o diretor sul coreano apresenta mais um conflito-labirinto e mais difíceis regras de convivência entre as pessoas, tendo como ponto de partida o olhar da mulher, uma escolha nada comum em sua filmografia.

O filme é a percepção de Haewon para o que acontece à sua volta: a partida da mãe para o Canadá, sua relação cheia e altos e baixos com um professor e alguns flertes e escolhas apressadas feitas à nossa vista e em elipse, mas cujos resultados são pontualmente filmados e interferem bastante no cotidiano da jovem, que luta para se encontrar e encontrar alguém com quem possa ficar. O filme é uma crônica sobre uma mulher comum, uma estudante (de cinema, teatro?) fã de Jane Birkin e Charlotte Gainsbourg e que sonha constantemente, um fator que Hong Sang-soo usa para brincar com o entendimento do espectador e incitar a dúvida: afinal de contas, parte do vimos foi sonho ou realidade?

A dúvida é válida e foi bem explorada pelo cineasta, que transita mais fluidamente entre incertezas e esquetes dramáticos do que em obras anteriores como Hahaha ou A Visitante Francesa. O ambiente cênico, todavia, acaba sendo o mesmo, mas não digo isso de forma pejorativa, apenas como uma constatação. A cidade e alguns de seus pontos acabam sendo tanto a perdição quanto o refúgio das personagens de Hong Sang-soo e nesse meio urbano temos espaço para conversas de bar, bebedeiras, encontro de estudantes de cinema ou teatro, literatura, música, visitas culturais, encontros inesperados, brigas e reflexão sobre a realidade, partindo sempre do presente e demonstrando uma pontual preocupação com o futuro, um elemento que neste filme ganhou bastante força, mesmo que esteja nas entrelinhas.

Na maior parte do tempo, o roteiro explora o encontro de Haewon com o professor Seongjun, um relacionamento quase infantil, principalmente se levarmos em consideração o ciúme e a postura muitas vezes patéticas do professor, que apresenta um dos ícones mais marcantes da película, o 2º Movimento (Allegretto) da 7ª Sinfonia de Beethoven. Ele diz para Haewon que aquela é sua música preferida e o casal, sentado nas escadarias de um templo, ouve os acordes iniciais em um player oitentista. A cena é melancólica, bela e patética ao mesmo tempo, mas consegue plasmar bem o tipo de personalidade do professor e até a alma de sua relação com a aluna.

De um lado temos o elemento musical desalentador, do outro, temos a leitura tétrica, complementando de maneira pouco otimista o perfil cultural/pessoal dos protagonistas: A Solidão dos Moribundos, do sociólogo alemão Norbert Elias. Esse é o livro que Haewon lê na biblioteca antes de começar a sonhar. Nos quatro ensaios que compõem o livro, Elias aborda o medo e o constrangimento com que as sociedades contemporâneas enxergam a finitude da vida biológica. Tal estudo do comportamento humano ante algo impossível de ser evitado traz uma certeira configuração metafórica para o filme, afinal de contas, Haewon não se sentia lá muito viva e, apesar da fala de sua mãe de que muitos dias felizes estavam por vir, não é exatamente esta a impressão que temos no decorrer dos acontecimentos.

A Filha de Ninguém trabalha o abandono e as “pequenas mortes da alma” que acompanham cada momento doloroso da vida de alguém. O desapego, os relacionamentos fugazes e suas sequelas, as coisas que impedem as pessoas de tomarem decisões que só lhes trariam benefícios, o peso da sociedade e as confusões do coração são exemplos de coisas trabalhadas no roteiro, todas elas localizadas em torno do casal protagonista. É claro que no meio de tanto simbolismo textual e minimalismo estético há vazios que poderiam ser preenchidos ou evitados, mas dentro de proposta de Hong Sang-soo, este é um sentimento recorrente. Às vezes, esses vazios diminuem a qualidade do filme, mas em outras ocasiões, ajudam a torná-lo uma obra interessantíssima, como é este caso de A Filha de Ninguém.

A Filha de Ninguém (Nugu-ui ttal-do anin Haewon) – Coreia do Sul, 2013
Direção: 
Hong Sang-soo
Roteiro: 
Hong Sang-soo
Elenco: 
Jeong Eun-Chae, Seon-gyun Lee, Joon-sang Yoo, Ji-won Ye, Ja-ok Kim, Eui-sung Kim, Jane Birkin
Duração: 
90 minutos

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