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Crítica | A Filha de Vercingetórix (Asterix)

por Ritter Fan
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No ano em que os irredutíveis gauleses completaram 60 anos de existência, mais exatamente no dia 24 de outubro de 2019, cinco dias antes do referido aniversário, Jean-Yves Ferri e Didier Conrad lançaram seu quarto álbum sobre as aventuras de Asterix e Obelix, que acabaria sendo, também, o último com Albert Uderzo vivo, já que o co-criador dos personagens faleceria em 24 de março de 2020. E, com ele, pode-se dizer com tranquilidade que a dupla de herdeiros criativos escolhidos por Uderzo definitivamente provaram que mereceram a honra de escrever e desenhar as aventuras de Asterix e Obelix.

Se eles começaram compreensivelmente de maneira morna, ainda testando as águas, com Asterix entre os Pictos, eles logo acertaram com o álbum seguinte, O Papiro de César, mantendo a qualidade com Asterix e a Transitálica. A Filha de Vercingetórix é outra bela história original que bebe do mais marcante momento histórico da campanha de Júlio César na Gália: a rendição do líder gaulês Vercingetórix na Batalha de Alésia. Não só a deposição das armas aos pés de Júlio César, conforme pintura de Lionel Royer, é referenciada no começo de Asterix, o Gaulês, como o personagem histórico foi base para a criação de René Goscinny e Albert Uderzo, sendo citado constantemente nos mais diversos álbuns da coleção.

No 38º álbum, portanto, Ferri inventa a existência de Adrenalina, filha adolescente secreta de Vercingetórix, que é protegida por dois chefes Arvernos, Ipocalorix e Monolitix, que a levam para a conhecida aldeia gaulesa para que ela permaneça protegida por lá enquanto eles arrumam um navio para levá-los a Londinium, longe do traidor Adictosérix que empreende uma caçada à jovem, a mando de Júlio César, que não a quer como símbolo da resistência gaulesa, pretendo forçar sua assimilação à cultura romana. Além da jovem em si, é importante um torque (espécie de colar) que ela usa e que fora presente de seu pai e também um potencial símbolo da resistência, algo que Goscinny já abordara, só que de outra forma, em O Escudo Arverno.

 

Apesar de Adrenalina não ser uma personagem tão marcante ou engraçada quanto o jovem Péricles “Pepe” Conchampiñon y Champiñon de Asterix na Hispânia, ela cumpre bem sua função de ser a adolescente rebelde, inconformada com o dirigismo de sua existência como um instrumento da resistência gaulesa. Apesar de claramente amar seus pais postiços (na minha leitura, essa é a primeira vez que um álbum de Asterix aborda, ainda que discretamente, a homossexualidade, já que os dois chefes Arvernos são constantemente chamados de “pais” por Adrenalina), ela deseja ser independente, emancipar-se, o que obviamente dificulta a missão de Asterix e Obelix de protegê-la. Essa linha narrativa, inclusive, abre a oportunidade para que os filhos adolescentes de Automatix e Ordenalfabetix – respectivamente Selfix e Blinix – que estão estagiando com seus pais, sejam introduzidos, criando um grupo de jovens na aldeia de forma que Adrenalina não fique isolada.

O que segue daí é uma aventura geograficamente autocontida, com grande parte da ação acontecendo na aldeia e na floresta próxima, além de uma longa e ótima sequência no mar, depois que Adrenalina basicamente força os piratas a levá-la embora e uma galera romana chegue para atacar, com todos os demais personagens-chave convergindo para lá. Novamente, a arte de Conrad é um grande destaque não só na criação de Adrenalina (baseada em sua própria filha), como também na batalha marítima. Como de praxe, o detalhamento dos rostos e a distribuição espacial do desenhista é impressionante e ele cada vez mais vem galgando o posto de melhor artista da série, algo que realmente não esperava que acontecesse tão rapidamente.

Não é, de forma alguma, um roteiro complexo, mas Ferri mostra-se muito criativo ao trabalhar bem o sotaque arverno de Ipocalorix e Monolitix, além da introdução de um jovem godo que é filho adotivo do comandante do navio romano e do jovem hippie gaulês Letitbix (uma brincadeira com Let It Be) que transporta flores em seu navio e sonha com a paz mundial. De certa maneira, pode-se até dizer que Asterix e Obelix são coadjuvantes pela primeira em seu próprio álbum, uma escolha arriscada, mas que é certamente benvinda e que paga dividendos no álbum.

A Filha de Vercingetórix comemora muito bem o 60º aniversário dos irredutíveis gauleses ao voltar às suas raízes, sedimentando de uma vez por todas Jean-Yves Ferri e Didier Conrad como os sucessores de Goscinny e Uderzo. Meu único receio é que, com a morte de Uderzo, que sempre disse que sua criação iria com ele ao túmulo, este seja o último álbum da coleção. Torço para que não, porém!

Obs: Absurdamente, com a troca da licença da Editora Record para a Panini, este álbum e o anterior, Asterix e a Transitálica, que é de 2017, não foram publicados ainda no Brasil, marcando as únicas duas vezes que não houve publicação simultânea de uma história de Asterix por aqui. Portanto, a crítica foi feita com base na leitura do original em francês, pelo que o título e os nomes dos personagens novos poderão ser diferentes na tradução nacional, se ela um dia ocorrer. Inaceitável que uma editora do porte da Panini não tenha se mexido para remediar esse problema até agora.

A Filha de Vercingetórix (La Fille de Vercingétorix – França, 2019)
Roteiro: Jean-Yves Ferri (baseado em criação de René Goscinny e Albert Uderzo)
Arte: Didier Conrad
Editora original: Les Éditions Albert René
Editora no Brasil: não lançado no Brasil à data de publicação da presente crítica
Páginas: 48

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