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Crítica | A Flauta Mágica (1975)

por Luiz Santiago
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A década de 1970 representou uma sequência de mudanças, escolhas e decisões importantes na carreira do diretor Ingmar Bergman, que começou o período com um documentário sobre a sua amada ilha de Fårö e seguiu com projetos de abordagens bem diferentes daí em diante (A Hora do Amor, Gritos e Sussurros e Cenas de um Casamento), até chegar nesta montagem para uma das mais populares e amadas óperas de Mozart: A Flauta Mágica. Composta em 1791, ano da morte do compositor, a obra traz em sua base um conceito marcante no continente europeu daquele período, que era a popularização dos ideais da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade, Fraternidade), ocorrida dois anos antes, que é um espelho daquilo que o Iluminismo pregava, ideais amplamente abraçados pela comunidade maçônica, da qual Mozart fazia parte.

Apesar de ser mais uma variação interessante na filmografia de Bergman, essa filmagem de A Flauta Mágica não causou espanto por si mesma. O diretor sempre foi amplamente conhecido como um “homem de teatro que fazia cinema” e a própria década de 1970 marcaria um retorno cada vez maior do cineasta às suas atividades teatrais, tornando-se, inclusive, a tônica da maioria de seus filmes daí em diante. Somado a isso, havia o fato de que esta ópera sempre estivera nos sonhos do diretor, que há anos pensava numa forma de adaptá-la. A oportunidade veio e, com algumas mudanças no libreto original de Emanuel Schikaneder, o diretor criou um das mais bem-sucedidos filmes operísticos já feitos, tendo recebido uma indicação ao Oscar (Melhor Figurino), ao Globo de Ouro e César (Filme Estrangeiro) e vencido o BAFTA de Programa Estrangeiro (porque originalmente trata-se de um telefilme).

Bergman realiza uma adaptação que faz questão de chamar atenção para si mesma como um híbrido na forma, ou seja, uma ópera filmada em um teatro, mas estruturada e visualmente concebida para exibição na TV e depois no cinema. Desde a Abertura, vemos rostos na plateia antes de entrarmos na cena inicial da ópera, onde o príncipe Tamino (Josef Köstlinger) está em uma floresta, fugindo de um dragão, quando cai nas garras da criatura e é salvo pelas damas da Rainha da Noite (Birgit Nordin). Eu não sou um dos espectadores que desgostam dessas idas e vindas da plateia para o palco, mas entendo o incômodo de muitos em relação a esta escolha.

A montagem abraça a fantasia e cria momentos de enorme conexão com o público, principalmente nos blocos engraçados e muito simpáticos com Papageno (Håkan Hagegård), tendo destaque o seu fantástico e icônico dueto com a amada Papagena (Elisabeth Erikson). O humor, o horror, a história de amor e a colocação da Fraternidade fazem o público caminhar pelos mais diversos sentimentos e expectativas para esses indivíduos, tendo aqui uma coisa muito importante que o próprio Bergman comentou em entrevista sobre a escolha dos atores: ele não buscou as vozes imensamente potentes dentro de cada grupo, mas focou na exigência dramática de cada um dos cantores, o que para mim se torna bem evidente no papel da Rainha da Noite (eu queria ter gostado da interpretação de Nordin na famosa ária A Vingança do Inferno Ferve em meu Coração) e no papel de Sarastro. Não tenho nenhum problema com a performance de Ulrik Cold, mas a própria adaptação, o grandioso elemento cênico do Templo da Sabedoria, todo o ritual da Fraternidade e a importância do personagem exigiam, a meu ver, um baixo com mais potência, embora a força de interpretação de Cold aqui seja impressionante e faça valer a sua escolha para o papel.

Mais uma vez ao lado  Sven Nykvist, Bergman cria uma obra visualmente marcante, com identidade elogiável para cada bloco cênico e decisões muito inteligentes para a mudança de cenários, entradas e saídas de personagens, assim como os muitos meios utilizados para mostrar que, a despeito dos pontos tensos da obra (Papageno e Tamina, muito bem interpretada por Irma Urrila, tentam se matar por questões amorosas), trata-se de uma produção muito bonita e cheia de esperança, numa jornada de aprendizado, chegada da maturidade pela provação e convite a olhar os obstáculos da vida como parte do fortalecimento daquilo que torna cada um de nós um Ser único. Lutar contra a irracionalidade, a opressão física e mental e ver em cada pessoa a possibilidade de convivência, luta e vitória é a mensagem final, que coroa os esforços dos personagens com a sagração do amor. Bela história que Bergman transporta para a tela com grande paixão. Um de seus projetos mais “destoantes” da filmografia, mas sem sombra de dúvidas, um de seus melhores filmes.

A Flauta Mágica (Trollflöjten) — Suécia, 1975
Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman, Alf Henrikson (baseado no libretto de Emanuel Schikaneder)
Elenco: Josef Köstlinger, Irma Urrila, Håkan Hagegård, Elisabeth Erikson, Britt-Marie Aruhn, Kirsten Vaupel, Birgitta Smiding, Ulrik Cold, Birgit Nordin, Ragnar Ulfung, Erik Sædén, Ulf Johansson, Gösta Prüzelius
Duração: 135 min.

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